223. 4 de janeiro | HAILEY

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Nunca acreditei muito em livros sagrados, mas sempre tive certeza da vida após a morte. Não haviam razões ou fatos científicos, eu simplesmente acreditava. Talvez existisse o paraíso e o inferno. Talvez existisse um jardim onde todos os seres humanos bons pudessem passar o resto da eternidade. Ou talvez houvesse um limbo onde caíssemos em espiral. Infinitamente. Por toda a eternidade.

Sempre soube que a morte era a única coisa comum a todos os seres humanos. O cara mais rico do mundo e o mais miserável, no final das contas, acabariam da mesma forma. Talvez por isso eu gostasse tanto do toque humano. Do abraço. Do beijo, De qualquer coisa.

Porque independente de para onde eu fosse, minhas memórias continuariam comigo. Nos meus últimos segundos de consciência, pensei em Rafe. Pensei na vida antes das dores, no nosso reencontro e na primeira vez que ele me disse "eu te amo" no dia de ação de graças. Pensei na minha mãe e no suco de amoras adocicado que fazia. Pensei em Adam e no quando sentia a sua falta.

Então, tudo se tornou vermelho e azul.

Vermelho. Azul. Vermelho. Azul. Vermelho. Azul.

Até tudo se tornar escuridão. A mais absoluta e dolorosa escuridão. Não tive tempo de sentir medo ou de me apavorar. Só me deixei levar para longe. O carro capotou umas 5 vezes antes de se tornar uma lata de atum amassada. Depois de bater a cabeça na lataria, sequer pensei em olhar para Rafe. Eu só fiquei fraca. Pensei em nós. Apaguei. Pelo que achava ser a eternidade.

Mas não foi.

Em pequenos lapsos de consciência, consegui ver luzes fortes e ouvir meu nome. Demorei muito tempo até ter força suficiente para erguer as pálpebras. Minhas têmporas doíam e... Oh. Merda. Tinha alguma coisa no meu rosto. Levantei a mão, arrancando a máscara agarrada ao meu rosto e saltei de repente. Meus olhos lacrimejaram com a luz intensa, forte e branca que subitamente substituiu a escuridão. Meu cérebro tentava assimilar o ambiente branco, a dor excruciante atravessando todo o meu corpo e... Adam?

Puta merda. Eu tinha morrido.

- Hailey. - disse, ficando de pé e pousando a mão nas minhas costas. - Meu Deus. Enfermeira? Pai?

- O quê?

- Pai? - gritou.

E ele apareceu. Meu pai. Em carne e osso. Vestindo um paletó preto, ele acompanhava a enfermeira. Minha cabeça girava. Uma onda de enjoo subiu pelo meu estômago e não aguentei. Me curvando para fora da maca, coloquei tudo para fora - e quando digo tudo, quero dizer absolutamente nada. Meu irmão esfregou a palma da mão com gentileza nas minhas costas. A enfermeira deveria tê-lo instruído, mas não ouvi uma palavra do que disse porque ela ocupada demais tentando fazer com que meu coração simplesmente não parasse.

Era muita coisa para absorver em menos de 5 segundos. Senti lágrimas brotando nos meus olhos e, quando tudo acabou, só queria desaparecer.

Estava confusa, desnorteada.

- Como está se sentindo? - Charles perguntou.

Eu literalmente tinha acabado de empurrar o meu estômago para fora. Minha perna parecia ter sido esmagada e eu sentia como se tivesse sido atropelada por um trato em alta velocidade. Esmagada. Mas eu estava bem, pai. Obrigada por perguntar.

Não respondi. Virei para Adam.

- O que está fazendo aqui?

- O que você acha? - rebateu, limpando o meu rosto com um papel toalha. - Hailey, você sofreu a porra de um acidente.

O acidente. Meu Deus.

- Que horas são? - perguntei.

- Meia-noite, querida. - a enfermeira interveio, se aproximando com uma lanterna ligada.

Ela checou minhas pupilas.

Meia-noite? Meia-noite eu havia saído da festa de fim de ano com o Rafe.

- Como assim meia-noite? - perguntei, afastando-a subitamente. - Não. O Rafe... O acidente foi...

- Há três dias. - meu pai completou.

Pisquei uma. Duas. Três vezes.

Três dias? Não era possível.

- Como?

- Hoje é 4 de Janeiro, Hailey.

Ergui os olhos para o meu irmão mais velho, tensa. Rafe. Rafe. Rafe.

A enfermeira disse algo sobre descansar. Não ouvi. Minha mente se tornou um espaço vazio, preenchido somente pelo seu rosto, pela forma como tentou me abraçar para impedir o impacto, mas não conseguiu. E, embora meus pensamentos parecessem leves, meu coração doía como se estivesse sendo esmagado por uma tonelada de alfinetes. Por. Todas. As. Partes.

- Adam... - minha voz saiu por um fio, trêmula.

- Oi, meatball.

- Onde está o Rafe?

Não conseguia olhar para nada além de um ponto da pintura que descascava na parede. Parecia uma borboleta, mas estava começando a ficar borrada pela cortina de lágrimas que pendiam sob os meus cílios.

- Cadê o Rafe? - perguntei novamente, mas tudo o que recebi foi o silêncio.

Não. Não. Não.

- Hailey, meu amor. Você precisa descan...

Suas mãos estavam me segurando contra a maca enquanto meu pai e meu irmão saíam pela porta sem dizer nada. Uma palavra.

- Não. Não, eu não preciso. Pai? - gritei. - Adam? Pai? Por favor...

Minha garganta queimava.

- Adam? - berrei.

E a porta foi fechada. Nunca pensei que o nada doesse tanto.

- Por favor. - implorei à mulher de cabelos curtos. - Por favor. Onde ele está? O Rafe veio me visitar?

Ela torceu a boca.

- Não, Hailey. Ele não veio.

Não vi nada depois disso, só um borrão de lágrimas e soluços desesperados.

•••

au original da @rafefode no twitter.

Running Away [parte 2] - Rafe Cameron auOnde histórias criam vida. Descubra agora