Capítulo 12

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Andava de uma lado para o outro à espera da batida na porta. Lawrence era realmente a única pessoa a quem eu podia confiar essa tarefa, embora detestasse ter que lhe pedir. Estava preparada para fazer um acordo, mas não sabia ao certo o que oferecer a ele em troca.
Imaginava que ele teria alguma ideia.
Os toques na porta foram leves. Eu quase podia ouvir a pergunta que ele se fazia do outro lado: “O que estou fazendo aqui?”.
Abri e lá estava, bem na hora, Lawrence.
— Alteza — ele disse, curvando-se de um jeito cômico. — Vim arrebatar seu coração.
— Engraçadinho. Entra logo.
Lawrence entrou e começou a examinar minhas estantes.
— Da última vez em que estive no seu quarto você tinha uma coleção de pôneis de madeira.
— Já passei dessa fase.
— Mas não da fase de tirana mandona?
— Não. Assim como você não passou da fase de nerd insuportável.
— É desse jeito que você se sai bem em todos os seus encontros?
— Mais ou menos — respondi com um sorrisinho. — Sente-se. Tenho uma proposta para você.
Ele notou a garrafa de vinho que eu tinha preparado e não perdeu tempo em servir-se de
uma taça.
— Quer um pouco? — perguntou.
— Por favor — suspirei. — Vamos precisar.
Ele fez uma pausa e me encarou antes de continuar:
— Agora fiquei nervoso. O que você quer?
Peguei minha taça e tentei lembrar de como planejara abordar a situação.
— Você me conhece, Lawrence. Você conhece a minha vida inteira.
— Verdade. De fato, ontem mesmo tive uma vaga lembrança de você correndo pela casa sem nada além de fraldas. Foi uma boa visão.
Fiz uma cara de tédio e tentei não rir.
— De qualquer forma — falei —, você entende em certa medida a minha personalidade, quem eu sou com as câmeras desligadas.
Ele deu um gole no vinho e refletiu sobre aquelas palavras.
— Acho que entendo você com as câmeras ligadas também, mas continue, por favor.
Eu nunca tinha pensado naquilo, em como Lawrence acompanhara as diversas etapas do meu crescimento, nos bastidores e em frente às câmeras. Havia uma postura que eu precisava
assumir quando estava exposta, e ele sabia disso.
— A Seleção não foi ideia minha, mas mesmo assim preciso me esforçar ao máximo para que tudo corra bem. Na minha opinião, acho que já estou me esforçando. Mas o público espera que eu seja uma garotinha risonha quando estou ao lado de todos vocês, e acho que não consigo fazer isso. Não consigo agir feito uma idiota.
— Na verdade…
— Pare!
Ele abriu um sorriso malicioso e tomou outro gole de vinho.
— Você é tão chato. Por que estou me dando o trabalho?
— Não, continue, você não quer agir feito uma idiota — ele insistiu, botando a taça sobre a mesa e inclinando-se para a frente.
Respirei fundo, de novo em busca de palavras.
— As pessoas querem romance, mas eu não estou preparada para me comportar assim em
público, pelo menos até me sentir verdadeiramente envolvida com alguém. Mesmo assim, preciso oferecer a eles alguma coisa.
Abaixei a cabeça e o espiei por sob os cílios.
— Como o quê, exatamente?
— Um beijo.
— Um beijo?
— Um beijinho só. E você é a única pessoa para quem posso pedir isso, porque você saberia que não é de verdade e as coisas não ficariam complicadas. Estou disposta a te oferecer algo em troca.
Ele arqueou as sobrancelhas.
— O quê?
Dei de ombros e respondi:
— O que você quiser, de verdade. Desde que seja razoável. Não posso oferecer um país ou coisa do tipo.
— Você poderia conversar com a minha mãe? Me ajudar a sair daqui?
— E ir para onde, exatamente?
— Para qualquer lugar — ele falou com um suspiro desesperado. — Minha mãe… Não sei o que aconteceu para ser leal desse jeito a seus pais, mas ela enfiou na cabeça que aqui é a nossa casa para sempre. Você sabe quanto trabalho eu tive para fazer aquele curso intensivo?
Eu quero viajar, quero construir coisas, quero fazer mais do que apenas ler. Às vezes penso que mais um dia dentro destes muros vai me matar.
— Sei como é — murmurei sem pensar. Em seguida, endireitei o corpo e retomei: — Posso
fazer isso acontecer. Assim que tiver uma oportunidade, vou convencer seus pais de que você precisa deixar o palácio e morar em outro lugar.
Lawrence pausou por um segundo e virou o resto do vinho.
— Um beijo? — perguntou.
— Um só.
— Quando?
— Hoje à noite. Haverá um fotógrafo à espera no fim do corredor às nove. Espero que bem
escondido, porque eu gostaria de fingir que ele não está lá.
— Combinado. Um beijo — Lawrence concordou.
— Obrigada.
Permanecemos sentados em silêncio, observando os ponteiros do relógio. Depois de três minutos, não aguentei mais:
— O que você quer dizer com “construir coisas”?
Ele se animou para responder.
— É o que eu estudo. Arquitetura e design. Gosto de pensar em estruturas, de imaginar como construí-las, e também como construí-las de um modo especialmente bonito.
— Isso… isso é na verdade bem interessante, Lawrence.
— Eu sei.
Ele abriu um de seus sorrisos tortos, como os do pai. Era divertido ver como aquilo o deixava empolgado.
— Quer ver? — ele me convidou.
— Ver o quê?
— Alguns dos meus desenhos. Guardo no meu quarto. O velho, não o de Selecionado, então é logo no fim do corredor.
— Claro.
Tomei um último gole de vinho e o segui para fora. Com exceção de um ou dois guardas, o
corredor permaneceu vazio durante nosso trajeto até o quarto dele.
Ele abriu a porta e acendeu a luz. Precisei segurar o queixo para que não caísse.
Aquilo era uma bagunça!
Cama desfeita, roupas espremidas no canto e montes de pratos sujos empilhados sobre o
criado-mudo.
— Sei o que você está imaginado. “Como ele mantém tudo isso tão impecável?”
— Você leu meus pensamentos — eu disse enquanto tentava não parecer completamente
enojada. Pelo menos não cheirava mal.
— Há um ano, mais ou menos, pedi para os funcionários pararem de limpar para mim. Eu
mesmo limpo. Mas a Seleção me pegou desprevenido, então deixei como estava.
Ele começou a chutar objetos para debaixo da cama e a endireitar um pouco as coisas ao
seu alcance.
— Por que você não deixa limparem?
— Já sou crescido. Posso cuidar de mim mesmo.
Achei que não era intenção dele me dar uma cutucada, mas doeu mesmo assim.
— Em todo caso, aqui é meu lugar de trabalho.
As paredes do canto oposto do quarto estavam cobertas de fotografias e cartazes de todo
tipo de construção, de arranha-céus a cabanas de barro. A mesa estava transbordando de
plantas que ele havia desenhado e de maquetes feitas com pedaços de madeira e chapas finas
de metal.
— Você fez tudo isso? — perguntei ao tocar com cuidado uma estrutura que tinha uma leve
torção na parte de cima.
— Fiz. São só conceitos, projetos. Adoraria criar prédios de verdade um dia. Estou estudando, mas isso é o máximo que posso aprender sem praticar, sabe?
— Law… — Contemplei tudo aquilo: as cores e linhas, a quantidade de tempo e pensamento que cada peça havia exigido. — Isso é maravilhoso.
— São bobagens minhas.
— Não venha com essa. Não faça parecer menos do que é. Eu jamais seria capaz de fazer algo parecido.
— Com certeza seria.
Ele passou à minha frente e sacou uma régua em formato de T e a colocou sobre um desenho
no qual tinha começado a trabalhar.
— Viu? É só uma questão de observar as linhas e fazer as contas — explicou.
— Argh… matemática. Já tenho uma boa dose disso no trabalho.
— Mas é uma matemática divertida — ele rebateu, rindo.
— Matemática divertida é um oximoro.
Lawrence e eu passamos para o sofá e folheamos alguns livros de seus arquitetos favoritos, observando o estilo de cada um. Ele parecia particularmente interessado em como alguns trabalhavam com o ambiente ao redor da construção, enquanto outros não o levavam tanto em conta.
— Quer dizer, olha só isso! — Lawrence dizia entusiasmado praticamente em todas as páginas.
Eu não acreditava que tinha precisado de tantos anos para descobrir aquele lado dele. Lawrence havia se escondido em uma concha, isolado de todos do palácio porque se sentia preso. Por trás dos livros e dos comentários ácidos havia uma pessoa curiosa, cativante e muito charmosa.
Era como se eu tivesse sido enganada. Será que agora surgiria alguém do nada para me dizer que Taylor era, na verdade, uma santa?
Depois de um tempo, Lawrence olhou para o relógio.
— Já são nove e dez.
— Ah, temos que ir então — lembrei, mas sem querer levantar. Aquele quarto bagunçado era um dos lugares mais confortáveis em que já tinha estado.
— É.
Lawrence fechou o livro e o devolveu à estante. Embora tão desorganizado quanto o resto do
quarto, aquele canto parecia receber um cuidado especial do garoto.
Esperei por ele perto da porta. Um nervosismo súbito tomou conta de mim.
— Aqui — ele disse ao oferecer a mão. — É o final de um encontro, certo?
Segurei sua mão e agradeci.
— Obrigada. Por me mostrar seu trabalho e por fazer isso. Prometo retribuir.
— Tudo bem.
Ele abriu a porta e me conduziu pelo corredor.
— Quando você acha que foi a última vez que demos as mãos? — perguntei em voz alta.
— Provavelmente brincando de roda ou algo assim.
— Provavelmente.
Permanecemos em silêncio durante a caminhada até o meu quarto. Ao chegarmos lá, me voltei para Lawrence e o vi engolir em seco.
— Nervoso? — perguntei.
— Nada — respondeu com um sorriso, mas também com as mãos tensas. — Então… Boa
noite.
Lawrence baixou o rosto, se aproximou e me beijou por um momento. Então, seus lábios se
abriram, se fecharam e se abriram de novo. Respirei fundo entre um beijo e outro porque tinha a sensação de que haveria mais. Eu estava certa, e que bom, porque nunca tinha sido beijada daquele jeito e queria mais.
As poucas vezes em que tinha beijado garotos foram apressadas e atrapalhadas, momentos
escondidos em guarda-volumes ou atrás de alguma estátua. Mas, daquele jeito, com tanto ar em volta e sem ninguém à minha procura… Que diferença.
Me inclinei um pouco na direção dele, ainda o abraçando. Ele ergueu a mão que estava livre até a minha bochecha. Então levou os lábios aos meus outra vez pelo que pareceu uma eternidade, antes de recuar.
E, mesmo quando recuou, seu nariz continuou tocando o meu, tão próximo que eu podia sentir os resquícios de vinho em sua respiração.
— Acha que isso basta?
— Eu… hum… não sei.
— Só para garantir.
Ele pressionou a boca contra a minha de novo. Fiquei tão surpresa por receber outro beijo
como aquele que pensei que meus ossos fossem derreter. Envolvi os dedos no cabelo dele,
chocada comigo mesma por sentir o desejo de segurá-lo daquele jeito a noite inteira.
Ele recuou de novo e olhou nos meus olhos. Algo estava diferente. Será que ele também estava sentindo aquele calor estranho se alastrar pelo corpo?
— Obrigada — cochichei.
— Quando quiser. Quer dizer… — ele balançou a cabeça e riu de si mesmo. — Você sabe o que quero dizer.
— Boa noite, Lawrence.
— Boa noite, Camila.
Ele me deu um beijo rápido na bochecha antes de seguir em direção às escadas que davam para sua ala temporária no palácio.
Observei-o ir embora e repeti para mim mesma que o único motivo para o meu sorriso eram
as câmeras escondidas em algum lugar, e não as borboletas no meu estômago que Lawrence Jauregui causou.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora