Capítulo 22

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Dispensei Austin pouco depois, e ele não reclamou, talvez para provar que seria tão obediente quanto necessário. Sua proposta era certamente interessante, mas eu tinha que avançar muito mais no processo para decidir se precisaria usá-la ou não.
Sem que me desse conta, já estava na hora de me preparar para o jantar. Levei Caramelo para a baia e escovei as botas, que não estavam muito sujas.
— Boa noite — sussurrei à égua, oferecendo-lhe um torrão de açúcar antes de voltar ao palácio.
— Camila — alguém chamou assim que entrei.
Era Lawrence. Ele, Charles, Alex, Tanner e Nicholas conversavam. Lawrence fez um sinal para que os outros o esperassem e veio até mim quase correndo.
— Ei — ele disse com seu sorriso torto. Parecia um pouco nervoso.
— Como você está?
— Bem. Estava falando com os outros, e temos uma proposta para você.
Suspirei.
— Mais uma?
— Hein?
— Nada — eu disse, balançando a cabeça para afastar as distrações. — Falo com eles agora?
— Bom, sim, mas eu queria perguntar uma coisa primeiro.
— Claro.
Lawrence enfiou as mãos no bolso.
— Está tudo bem entre a gente?
Franzi a testa.
— Lawrence, você tem consciência de que não é meu namorado, certo?
Ele riu.
— Sim, tenho. Mas, sei lá, gostei de ter alguém para mostrar meus desenhos e com quem dar risada, e quis ver como você estava quando soube da história do Charlie, mas achei que
talvez não quisesse falar nisso. Mas também achei que me manter afastado deixaria você
irritada. Tem noção de como você é complicada?
— Eu esqueceria se você não ficasse sempre me lembrando! — provoquei.
Lawrence hesitou antes de continuar:
— Vou relaxar. Mas, de verdade, está tudo bem entre a gente?
Observei-o morder o lábio, e tive de me segurar para não ficar pensando em como ele
beijava bem. Lawrence disse que estaria sempre ao meu lado, então eu esperava que talvez pudesse sentir aqueles lábios nos meus de novo.
— Sim, Lawrence. Está tudo bem. Não se preocupe tanto.
— Ótimo. Venha aqui. Acho que você vai gostar da ideia.
Demos meia-volta e fomos até o grupinho de garotos à nossa espera. Charles imediatamente
beijou minha mão.
— Olá hoje — ele cumprimentou, o que me fez rir.
— Olá, Charles. Nicholas, Tanner. Oi, Alex.
— Alteza — Nicholas começou. — Talvez isso não seja muito da nossa conta, mas estávamos
pensando que a Seleção deve ser muito difícil para você.
— Vocês não fazem ideia — concordei, rindo.
Tanner sorriu. Ele e Nicholas pareciam meio cômicos um ao lado do outro. Nicholas era tão
musculoso, e o outro, tão esguio.
— Deve ser uma loucura — Tanner supôs. — Você tem trabalho a fazer, e ainda precisa
arrumar tempo para encontros a sós e dar atenção a todos nas festas. Parece exaustivo.
— Então tivemos uma ideia — Lawrence disse. — Será que não poderíamos, nós quatro, fazer
alguma coisa com você esta semana?
Era totalmente brilhante.
— Sim! — exclamei. — Seria ótimo. Alguma ideia?
— Pensamos em cozinhar juntos — Nicholas revelou, com uma cara tão feliz que eu não
poderia dizer “não”, embora essa fosse a minha vontade.
— Cozinhar? — eu disse, com um sorriso falso estampado no rosto.
— Vamos lá — Lawrence insistiu. — Vai ser divertido.
Suspirei, nervosa.
— Tudo bem. Cozinhar. Que tal amanhã à noite?
— Perfeito! — Tanner confirmou logo, como se tivesse medo de que eu mudasse de ideia.
— O.k. Quinta-feira às seis da tarde. Encontro vocês no vestíbulo, e de lá vamos juntos até as cozinhas. — Ia ser um pesadelo. — Se vocês me dão licença, preciso me aprontar para o jantar.
Subi as escadas pensando se havia algum jeito de melhorar a situação. Duvidava muito.
— Neena? — chamei ao entrar no quarto.
— Sim, Alteza?
— Pode preparar meu banho? Preciso de um antes do jantar.
— Claro.
Arranquei as botas e o vestido. Além de dar e receber ordens, nós duas não estávamos
conversando muito. E eu tinha que admitir: era difícil para mim. Meu quarto era meu refúgio,
o lugar onde eu descansava e desenhava e me escondia do mundo. Neena fazia parte daquilo, e o fato de estar chateada deixava tudo fora dos eixos.
Entrei no banheiro e fiquei muito feliz ao descobrir que ela tinha posto lavanda na banheira
sem que eu pedisse.
— Neena, você lê a minha mente.
— Eu tento — ela disse com um ar maroto.
Avancei com cuidado. Não queria aborrecê-la outra vez.
— Teve notícias de Mark recentemente?
Ela pareceu incapaz de conter o sorriso.
— Sim, ontem mesmo.
— O que você disse que ele estudava mesmo? — perguntei ao entrar na água morna e me sentir imediatamente melhor.
— Química. Bioquímica, para ser mais específica.
Ela baixou a cabeça antes de continuar:
— Admito que ele usa um monte de palavras que não conheço quando me explica as coisas,
mas consigo fazer uma ideia do que ele quer dizer.
— Não quis dar a entender que você era burra, Neena. Estava só curiosa. Pensei que isso fosse óbvio.
Bioquímica. A palavra não me era estranha.
Ela soltou um suspiro e despejou mais lavanda na banheira.
— Mas no fim a impressão foi essa.
— Há rapazes aqui com histórias de vida bem diferentes da minha. Mal consigo ficar no
mesmo ambiente que eles. Eu estava intrigada porque vocês dois têm profissões tão diferentes
e ainda assim conseguem ter coisas em comum.
Ela balançou a cabeça.
— Demos certo. Não dá para demonstrar no papel. Algumas pessoas nasceram para ficar
juntas.
Recostei de novo na banheira. Se não havia como explicar, por que tentar entender, então?
Pensei de novo na proposta de Austin, na preocupação de Lawrence e nas perguntas de Darren. Não dava para acreditar como tudo tinha ficado tão nebuloso. Eu mal entendia meus próprios sentimentos. Sabia que queria minha independência, e a ideia de um homem tentando fazer ou “consertar” meu trabalho era inaceitável. Mas depois pensei nos fios brancos no cabelo do meu pai, aos poucos se misturando aos loiros, e me perguntei o quanto eu seria capaz de ceder para facilitar a vida dele.
Era estranho. Basicamente, cada um dos garotos no andar de baixo era uma opção, se eu tivesse mesmo que escolher. E cada um deles poderia facilmente lançar minha vida num rumo
diferente. Eu não gostava disso. Queria ser responsável pelo meu caminho. Pensei se essa não seria a razão para eu ter erguido uma muralha à minha volta: talvez eu sentisse medo de que alguém cruzasse essa barreira e tomasse o controle da minha vida.
Mas talvez esse controle fosse uma ilusão. Mesmo se dispensasse todos os garotos da
Seleção, será que um dia outra pessoa não me faria esquecer completamente o autocontrole?
Ou talvez até me fizesse abrir mão dele por livre e espontânea vontade?
Parecia impossível, algo que eu jamais teria imaginado algumas semanas antes.
Ainda havia diversas razões para levantar a guarda, então era isso o que eu faria. Ainda assim, não sabia se teria como ignorar por muito mais tempo a maneira como aqueles garotos me afetavam.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora