Evitei todo mundo durante o final de semana, e ninguém pareceu incomodado por isso, nem mesmo minha mãe. Com a divulgação dos nomes, a Seleção parecia muito mais real, e
fiquei triste pelos meus derradeiros dias de solidão.
Na segunda-feira anterior à chegada dos candidatos, finalmente voltei a dar o ar da graça e fui ao Salão das Mulheres. Madame Lucy estava lá, aparentemente alegre como costumava ser.
Eu continuava tentando pensar em um jeito de ajudá-la. Sabia que um cachorrinho não era o
mesmo que um bebê, mas até o momento minha única ideia era dar um filhote de presente a
ela.
Minha mãe conversava com madame Clara, e as duas acenaram para mim no instante em que cruzei a porta. Quando sentei, madame Clara pôs a mão sobre a minha.
— Gostaria de explicar o que Lawrence disse. Ele não quer sair por sua causa. Faz tempo que
fala sobre ir embora daqui, e pensei que um semestre fora encerraria o assunto. Eu não
suportaria que ele partisse.
— Cedo ou tarde você terá que deixar o garoto escolher — minha mãe encorajou.
Engraçado, justo ela que estava tentando casar a filha com um estranho.
— Não entendo isso. Taylor nunca fala sobre ir embora.
Revirei os olhos. Claro que não falava.
— Mas o que você pode fazer? Não pode obrigá-lo a ficar — questionou minha mãe
enquanto me servia uma xícara de chá.
— Vou contratar mais um tutor. Este tem experiência prática e mais a oferecer a Lawrence que celular e livros. Acho que ganhei algum tempo. Fico na esperança de…
Tia May irrompeu pela porta como se tivesse saído de uma capa de revista. Corri até ela e
lhe dei um abraço de quebrar as costelas.
— Alteza — ela cumprimentou.
— Cala a boca.
Rindo, ela me segurou pelos ombros, me empurrou para trás e olhou nos meus olhos.
— Quero saber tudo sobre a Seleção. Como você se sente? Alguns garotos daquelas fotos eram lindos. Já está apaixonada?
— Nem perto disso, mais que sabe — respondi entre risos.
— Bom, dê alguns dias aos rapazes.
Era assim que as coisas funcionavam com a tia May. Um novo amor a cada seis meses, mais
ou menos. Ela tratava nós quatro — e nossos primos, Astra e Leo — como se fôssemos seus
filhos, já que nunca tinha sossegado. Eu particularmente gostava de sua companhia, e o palácio sempre parecia mais animado quando ela vinha.
— Por quanto tempo vai ficar? — minha mãe perguntou. May se aproximou para responder, de mãos dadas comigo.
— Vou embora de novo na quinta.
Suspirei, decepcionada.
— Eu sei. Vou perder toda a agitação! — disse ela, fazendo careta para mim. — Mas Leo tem jogo na sexta à tarde, a apresentação de dança de Astra é no sábado, e eu prometi que iria.
Ela tem se saído muito bem — Tia May continuou, voltando-se para minha mãe. — Dá para ver que a mãe era artista.
As duas sorriram.
— Gostaria de poder ir — minha mãe lamentou.
— Por que não vamos? — sugeri, enquanto pegava uns biscoitos para acompanhar o chá.
Tia May virou para mim com cara de dúvida.
— Você tem consciência de que já possui planos para este final de semana, certo? Grandes
planos? Planos que vão mudar sua vida?
Dei de ombros.
— Não ligo muito se eu faltar.
— Camila — minha mãe censurou.
— Desculpe! Mas é tudo tão avassalador. Gosto das coisas do jeito que estão agora.
— Onde estão as fotos? — May perguntou.
— No meu quarto, em cima da escrivaninha. Estou tentando decorar os nomes, mas não
ainda não avancei muito.
Minha tia gesticulou para uma das criadas.
— Querida, você poderia ir ao quarto da princesa e pegar a pilha de formulários dos
candidatos da Seleção em cima da mesa?
A criada ficou radiante e fez uma reverência, o que me levou a suspeitar que ela passaria os
olhos pelas fichas durante a volta.
— Só queria lembrar — disse minha mãe, voltando-se para a irmã — que, primeiro, esses
garotos estão fora do seu alcance e, segundo, mesmo que não estivessem, você tem o dobro da idade deles.
Madame Clara e eu rimos, enquanto madame Lucy apenas sorriu. Ela pegava bem mais leve com a tia May do que nós.
— Não provoquem — madame Lucy protestou. — Tenho certeza de que May tem a melhor
das intenções.
— Obrigada, Lucy. Nada disso é para mim. É para Camila! — minha tia jurou. — Vamos
ajudá-la a já sair na frente.
— Não é bem assim que funciona — disse minha mãe, reclinando-se na cadeira e tomando o chá com ar de superioridade.
Madame Clara soltou uma gargalhada.
— Você dizendo isso! Será que esqueceu como você saiu na frente?
— O quê? — perguntei, chocada. Quantos detalhes daquela história meus pais tinham
omitido? — O que ela quer dizer?
Minha mãe pôs a xícara na mesa e ergueu a mão para se defender.
— Eu cruzei com seu pai sem querer na noite anterior ao início da Seleção — ela disse, mais para madame Clara que para mim. — E digo a vocês que poderia ter sido enxotada facilmente por causa disso. Não causei a primeira impressão que as pessoas costumam esperar.
Permaneci imóvel, de queixo caído.
— Mãe, quantas regras você quebrou exatamente?
Seus olhos cravaram-se no teto como se ela estivesse fazendo as contas.
— Certo… Querem saber? Vejam as fotos quantas vezes quiserem. Vocês venceram.
Tia May riu com prazer, e tentei memorizar o jeito como sua cabeça inclinava-se graciosamente para o lado e seus olhos brilhavam. Tudo nela tinha um glamour tão espontâneo, e eu a amava quase tanto quanto amava minha mãe. Embora me sentisse um pouco indignada por Taylor ter sido minha colega mais próxima para brincadeiras durante a infância, o círculo de amigas da minha mãe compensava. A vivacidade da tia May, a bondade de madame Lucy, a leveza de madame Clara e a força da minha mãe não tinham preço; ensinavam mais que qualquer aula que tive na vida.
A criada voltou e pôs a pilha de formulários e fotos diante de mim. Para minha surpresa,
madame Clara foi a primeira a pegar um punhado de fichas para folhear. Tia May fez o
mesmo em seguida, e minha mãe, embora não tivesse pegado nenhum, esticou o pescoço por
trás do ombro da amiga para espiar. Madame Lucy dava a impressão de não querer ser
curiosa, mas, no final, também acabou com uma pilha no colo.
— Ah, este aqui parece promissor — minha tia comentou e enfiou a foto do rapaz na minha
cara.
À minha frente havia um par de olhos verdes não tão claros. O cabelo dele estava curto.
— Pawel Tomasz Wasilewski, dezenove anos, de Sumner.
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A Herdeira
ContoQuando Alejandro Cabello e Sinuhe Estrabao tornaram-se rei e rainha de Illéa, a primeira medida que decretaram foi abolir as castas de maneira gradual,para que a sociedade pudesse se adaptar a uma nova configuração, agora muito mais justa, sem os ró...