Capítulo 15

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Eu acreditava plenamente que não era culpada pelo meu estado naquele momento. Eu sabia
para quem apontar o dedo, e todos eram membros da família Cabello. Culpava minha mãe e meu pai por serem incapazes de controlar o país e me forçarem àquela situação, e culpava
Dylan por, antes de mais nada, me convencer a dar uma chance aos garotos.
Eu seria rainha, e uma rainha podia ser muitas coisas… mas vulnerável não era uma delas.
Os momentos com Darren na noite anterior me trouxeram várias certezas. Em primeiro lugar,
eu estava certa sobre a Seleção. Não havia a menor possibilidade de encontrar um
companheiro naquelas circunstâncias. Se no passado houve quem tivesse conseguido, julguei que só podia ter sido milagre. Ser obrigada a me abrir para vários estranhos não podia acabar
bem.
Em segundo lugar, se algum dia eu me casasse, minhas chances de sentir um amor arrebatador e duradouro pela pessoa eram mínimas. O amor servia apenas para destruir nossas defesas, e eu não poderia me dar esse luxo. Eu já dava muito carinho à minha família e sabia que era meu ponto fraco — meu pai e Dylan em particular. Era difícil me imaginar
fazendo isso comigo mesma de propósito.
Dylan sabia que suas palavras podiam mexer comigo, sabia o quanto eu o amava. Por isso,
depois do encontro, tive vontade de esganá-lo primeiro.
Desci para o café da manhã com passos determinados, como se nada tivesse mudado. Eu ainda estava no controle, e um bando de garotos tontos não ia invadir meu mundo. Meu plano
para aquele dia era voltar ao trabalho. Os últimos dias tinham trazido distrações demais, e eu precisava de concentração. Meu pai comentou sobre a oportunidade de eu encontrar alguém para me ajudar a fazer meu trabalho, mas até aquele momento tudo o que os rapazes tinham conseguido era dificultá-lo.
Dylan e Harry sentaram perto de nossa mãe, e eu tomei meu lugar ao lado de nosso pai e
Sofia. Mesmo estando do outro lado da mesa, conseguia ouvir a mastigação de Harry.
— Tudo bem, irmãzinha? — Sofia perguntou, interrompendo suas colheradas bem servidas
de cereal.
— Claro.
— Você parece um pouco tensa.
— Você também pareceria se um dia fosse governar o país — provoquei.
— Às vezes penso nisso — ela disse com um tom sério de repente. — Tipo, imagine se uma
doença varresse Illéa, e você, a mamãe, o papai e Dylan fossem infectados e morressem.
Então eu assumiria o controle e teria que aprender tudo sozinha.
Pelo canto dos olhos, vi meu pai se inclinar para escutar melhor a filha.
— Isso é meio mórbido, Sofia — ele disse.
Sofia deu de ombros.
— É sempre bom se precaver.
Apoiei o queixo sobre a mão e perguntei:
— E qual seria a primeira ordem da rainha Sofia?
— Uma campanha de vacinação, obviamente.
— Boa pedida — falei, rindo. — E depois disso?
Ela refletiu uns instantes antes de responder:
— Acho que tentaria ir ao encontro das pessoas. Pessoas que não estivessem doentes. Aí
saberia o que precisava fazer por elas. Lá fora deve ser um pouco diferente da nossa vida
aqui.
— Muito sábio, Sofia — meu pai concordou.
— Eu sei.
Sofia voltou a comer, e assim terminou seu reinado imaginário. Que sorte a dela.
Fiquei enrolando com a comida enquanto observava discretamente meu pai. Sim, tinha
reparado em seu cansaço naquela outra noite, mas foi apenas uma vez. Claro, ele precisava
mais dos óculos ultimamente, e havia pés de galinha em torno de seus olhos, mas isso não
significava necessariamente cansaço. O que Darren sabia?
Inspecionei a sala de jantar. Os garotos sussurravam entre si. Ean papeava com Paul.
Jack tinha derrubado alguma coisa na gravata e tentava, sem sucesso, limpá-la. Meus olhos então se detiveram sobre Darren, e fiquei feliz por ele não estar olhando na minha direção naquela hora.
Na ponta da última mesa, vi Charles e Lawrence. Alex traduzia tudo pacientemente. Com base na
expressão dos três, a conversa parecia bem animada.
Aquilo me interessou. Tentei por um minuto imaginar do que falavam, mas em vão. Fixei o
olhar em Lawrence, mais precisamente em suas mãos. Era engraçado ver o jeito dele de gesticular para os outros e segurar o garfo quando eu sabia como elas seguravam bem o lápis para desenhar. Ou — melhor ainda — afastavam meu cabelo para me beijar.
Depois de um tempo, Lawrence me flagrou olhando para ele e, sorrindo, acenou com a cabeça.
Charles notou o gesto e virou na cadeira para me dar um oi. Inclinei a cabeça para retribuir, com
a esperança de que ninguém reparasse que eu estava corada. Charles voltou-se imediatamente
para dizer algo a Alex, que então passou para Lawrence, que por sua vez levantou as sobrancelhas e confirmou com a cabeça. Eu sabia que eles falavam de mim, e não pude deixar de imaginar que Lawrence talvez tivesse revelado detalhes do nosso beijo.
Tia May talvez fosse a única pessoa com quem eu poderia desabafar sobre todos os detalhes do beijo sem ficar completamente horrorizada. Eu estaria mentindo se dissesse que não tinha pensado várias vezes naquele momento no corredor.
Dylan levantou e deu um beijo na bochecha de nossa mãe antes de tomar a direção da porta.
— Espere, Dylan, preciso falar com você — chamei, também levantando.
— Vejo você daqui a pouco, querida? — meu pai perguntou, olhando para mim.
— Estarei lá em cima já, já.
Dylan deu o braço para mim, e saímos da sala de jantar juntos. Eu podia sentir quanta atenção chamávamos. Era como uma energia que me seguia a todo lugar que eu ia. Muitas vezes me divertia com aquela sensação.
— O que você queria falar?
Respondi sem desfazer o sorriso.
— Conto quando estivermos no corredor.
As pernas dele vacilaram.
— Oh-oh.
Quando dobramos a esquina do corredor, me afastei e lhe dei um soco no ombro.
— Ai!
— Tive um encontro ontem à noite, foi péssimo e a culpa é especialmente sua.
— O que aconteceu? Ele foi grosseiro? — ele quis saber enquanto esfregava o ombro.
— Não.
— E ele… — meu irmão baixou a voz. — Ele tentou tirar vantagem de você?
— Não — respondi com os braços cruzados.
— Ele foi mal-educado?
— Não exatamente — suspirei. — Mas foi… esquisito.
Dylan ergueu os braços, impaciente.
— Mas é claro que foi. Se você o visse de novo, isso melhoraria. Essa é a questão. Leva tempo para conhecer alguém.
— Eu não quero que ele me conheça! Não quero que nenhum deles me conheça!
O rosto do meu irmão se fechou numa careta de confusão.
— Sempre pensei que você era a única pessoa no mundo que eu sempre entenderia, não importava o que acontecesse. Pensei que sempre me entenderia também. Mas caçoa de mim por eu estar apaixonado e, quando a oportunidade de encontrar alguém cai no seu colo, você detesta tudo.
Apontei o dedo para o peito dele.
— Não foi você quem concordou que não fazia sentido? Não era você que não via a hora de
ver os garotos sofrerem? Pensei que nós dois tínhamos concordado que isso era uma grande
piada. E agora, de repente, você virou o maior fã da Seleção.
Um silêncio doloroso preencheu o corredor. Esperei Dylan discutir comigo ou pelo menos se explicar.
— Sinto muito por desapontar você. Mas eu acho que isso vai além do encontro de ontem à noite. Você precisa descobrir o que a deixou tão assustada.
Endireitei a postura e ergui a cabeça ao máximo.
— Eu sou a próxima rainha de Illéa. Nada me assusta.
Ele se virou para sair.
— Continue a repetir isso, Camila. Talvez resolva o problema.
Dylan não conseguiu chegar ao fim do corredor, porém. Taylor tinha convidado umas amigas
para ir ao palácio naquela manhã, e cada uma delas praticamente derreteu ao ver o rosto do
príncipe. Reconheci uma delas, a que estivera no jardim outro dia, e só guardei seu rosto porque ela se dirigiu a mim da maneira correta.
Parei e observei enquanto abriam sorrisos tímidos e baixavam a cabeça. Dylan, para seu
mérito, foi polido como sempre.
— Taylor contou que seu domínio de literatura é impressionante, Alteza — uma garota comentou.
Dylan desviou o olhar.
— Ela exagera. Eu realmente gosto de ler, e até escrevo um pouco, mas nada que valha a pena tornar público.
Outra garota deu um passo à frente.
— Duvido que essa seja a verdade. Aposto que nosso tutor ficaria feliz se um dia o senhor
viesse nos dar uma aula. Adoraria ouvir o que pensa dos livros que estamos lendo.
Taylor juntou as mãos de entusiasmo.
— Ah, sim, por favor, Dylan. Venha nos ensinar.
As amigas riram ao ouvi-la tratar o príncipe pelo primeiro nome, hábito criado pelo fato de os dois terem crescido juntos.
— Receio ter muitos afazeres agora. Talvez em outro momento. Tenham um excelente dia,
senhoritas.
Ele fez uma graciosa reverência e seguiu pelo corredor. Já as garotas não esperaram sequer ele se afastar o suficiente para começar a rir como idiotas.
— Ele é tão lindo — disse uma delas, prestes a explodir de adoração.
Taylor suspirou.
— Eu sei. E também é tão gentil comigo. Fizemos um passeio juntos outro dia, e ele disse que me achava uma das garotas mais bonitas que já conhecera.
Não consegui aguentar. Passei pelo meio delas e avisei, sem diminuir o passo:
— Você é jovem demais para ele, e ele tem namorada, Taylor. Desista.
Virei nas escadas e comecei a subir para o escritório. Sabia que me sentiria melhor ao fazer algo controlável, que eu pudesse ticar em uma lista.
— Viram? — Taylor comentou com as amigas sem se preocupar em baixar o tom de voz. —
Eu disse que ela era péssima.

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