Capítulo 24

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Alex me fez acelerar escada acima até a sala de jantar, onde o resto do palácio estava bem no meio da refeição. Havia muito barulho.
— Camila? — meu pai chamou, mas Alex continuou a me apressar. De algum modo, ele
sabia que eu não suportaria ficar ali.
Ele só fez uma pausa quando chegamos ao fundo da sala, parando o tempo necessário para avisar os guardas sobre o problema.
— Com licença, guardas. Alguns dos Selecionados estão brigando na cozinha. Já partiram para as vias de fato e acho que vai piorar.
— Obrigado — agradeceu um dos soldados, que acionou outros dois, e os três correram em
direção à cozinha.
Foi então que percebi: eu estava com os braços em volta de mim mesma, com medo e raiva ao mesmo tempo. Alex tocou levemente as minhas costas para me apressar. Meus pais me
chamaram, mas eu não conseguiria lidar com um monte de pessoas ao meu redor me fazendo
perguntas.
Depois de um tempo, Alex diminuiu o ritmo e perguntou em voz baixa:
— Onde quer ir?
— Para o meu quarto.
— Mostre o caminho.
Ele não me tocou em nenhum momento, exceto quando roçou as minhas costas sem querer, o
que me fez perceber que mantinha a mão a centímetros de mim, caso houvesse algum
problema.
Empurrei a porta do quarto. Neena estava lá, lustrando a mesa com um produto com aroma
de limão.
— Alteza?
Ergui a mão, sinalizando que não tinha condições de falar.
— Você poderia trazer um chá para ela? — Alex sugeriu.
Ela fez que sim com a cabeça e saiu correndo.
Dei uns passos até a cama e respirei fundo algumas vezes. Alex permanecia ali, calmo e
calado.
— Nunca tinha visto algo assim — confessei. Ele se ajoelhou ao meu lado para ficarmos no mesmo nível. — Meu pai jamais me deu sequer um tapinha na mão, e sempre nos ensinou a
buscar soluções pacíficas. Dylan e eu desistimos de brigar antes mesmo de aprender a falar.
Ri ao lembrar disso.
— Quando estávamos lá em baixo, só consegui pensar em quando fugi de Charlie. Nicholas me
derrubou, e dessa vez eu queria reagir, mas percebi que não tinha ideia do que fazer.
Alex sorriu.
— Charles diz que, quando a senhorita está nervosa, seu olhar é tão forte quanto um soco. A senhorita não é impotente.
Abaixei a cabeça e pensei nas várias vezes em que disse a mim mesma que não havia nenhuma pessoa no mundo tão poderosa quanto eu. E em certo sentido era verdade, com
certeza. Mas se Charlie me imobilizasse ou Nicholas levantasse os punhos contra mim, minha coroa só valeria de algo depois do acontecido. Eu podia punir, mas não evitar.
— Sabe, partindo de um homem ou de uma mulher, considero a agressividade um sinal de
fraqueza. Sempre me impressiona mais quando as pessoas conseguem resolver conflitos
através de uma conversa. — Alex fez uma pausa, e seus olhos pareciam enxergar outro tempo e
outro lugar. — Talvez por isso a linguagem tenha sido sempre tão importante para mim. Meu pai sempre costumava dizer: “ALEIC, palavras são armas. São tudo de que precisa”.
— Aleike? — perguntei.
Ele esboçou um sorriso envergonhado e soletrou:
— A-L-E-I-C. Como eu disse, Alex é o mais próximo em inglês.
— Gostei. De verdade.
Ele voltou a olhar para mim e para os meus braços.
— Está machucada?
— Ah… Hum, acho que não.
Eu estava um pouco dolorida por causa da queda, mas nada sério.
— Não consigo acreditar em como foi tudo tão rápido — comentei.
— Não quero de forma alguma justificar o comportamento deles, que foi inaceitável, mas
escuto as conversas dos rapazes e eles estão tensos. Todos querem impressionar, mas não
fazem ideia de como, visto quem a senhorita é. Alguns falam de sabotar os outros sem ser pegos. Outros estão malhando sempre que podem para ficar fisicamente superiores aos concorrentes. A meu ver, a pressão é muito grande, por isso Nicholas estourou. Mas, como eu disse, não justifica o que ele fez.
— Sinto muito por você ter que conviver com tudo isso.
Ele deu de ombros.
— Tudo bem. Quase sempre fico com Charles e Lawrence, às vezes com Darren, e eles são boas
companhias. Não estou querendo escolher nada para a senhorita, mas os três são boas opções
para começar sua procura.
— Acho que você tem razão — concordei com um sorriso.
Embora não tivesse ficado a sós com todos ainda, já sabia que Darren era uma pessoa boa. E depois de ver Charles tão empolgado com a comida naquela noite, com aquela parte de sua vida, pude vislumbrar a pessoa que ele era de verdade… Bom, não sabia bem o que dizer de Lawrence, mas ele se revelou um companheiro melhor do que eu esperava.
— Você poderia dizer a Charles que a sobremesa estava maravilhosa? — pedi. — Dava para ver como era importante para ele, e admiro essa paixão.
— Direi com prazer.
Estendi a mão, ele me deu a sua e as duas ficaram apoiadas sobre o meu joelho.
— Muito obrigada por tudo. Você realmente foi além do seu dever esta noite, e agradeço muito por estar aqui.
— Era o mínimo que eu podia fazer.
Inclinei a cabeça e olhei bem para ele. Senti que algo tinha acabado de acontecer, mas não sabia dizer o quê.
Alex, sem me conhecer, acertara tanto. Ele me tirou da cozinha antes que eu piorasse a
situação, me trouxe até o quarto antes que eu perdesse o controle das minhas emoções e ficou ao meu lado, ouvindo minhas preocupações e me acalmando. Havia pessoas a postos, prontas
para fazer qualquer coisa que eu pedisse.
Era estranho, mas com ele nem precisei pedir.
— Não vou esquecer isso, Aleic. Jamais.
Ele esboçou um leve sorriso ao ouvir seu nome e apertou minha mão com toda a delicadeza.
Me lembrei do que senti no meu primeiro encontro com Darren, quando tive certeza de que ele quebrara minha armadura e entreolhara meu verdadeiro eu. Dessa vez, me senti do outro lado da cena. Fui eu que deixei de lado dever, preocupação e status para enxergar o
verdadeiro coração de uma pessoa.
E o dele era tão bom.
Neena voltou com uma bandeja, e Alex e eu afastamos as mãos rapidamente.
— Está tudo bem, Alteza?
— Sim, Neena — assegurei ao levantar. — Houve uma briga, mas Alex me tirou de lá. Com certeza os guardas logo apresentarão um relatório sobre isso. Enquanto isso, preciso apenas descansar.
— O chá vai ajudar. Trouxe um pouco de camomila. Vamos trocar sua roupa e pôr algo mais confortável antes que chamem a senhorita — Neena disse, já facilitando a minha noite.
Virei para Alex, que estava de pé ao lado da porta. Ele fez uma reverência demorada.
— Boa noite, Alteza.
— Boa noite.
Ele se retirou rapidamente, e Neena veio até mim para servir uma xícara de chá. Por mais
estranho que pudesse parecer, minhas mãos já estavam quentes.
Uma hora mais tarde, me reuni com meus pais no escritório para tratar do ocorrido.
— O sr. Tanner está bem mal — um guarda informou. — O sr. Charles tentou puxá-lo, mas era praticamente impossível parar o sr. Nicholas. O sr. Charles e o sr. Lawrence se machucaram apenas tentando separar os dois.
— Estão muito feridos?
— O sr. Charles tem uma marca no peito e um corte no supercílio. O sr. Lawrence está com um ferimento nos lábios, mas nenhuma outra cicatriz. Contudo, está dolorido por causa do esforço para conter o sr. Nicholas
— Pode parar de chamá-lo de senhor! — meu pai urgiu. — Nicholas vai embora já! E Tanner
também!
— Alejandro, pense melhor. Tanner não fez nada — minha mãe insistiu. — Concordo que foi um comportamento inadequado, mas não decida no lugar de Camila.
— Decido sim! — ele berrou. — Organizamos a Seleção para alegrar nosso povo, para dar à nossa filha uma chance de alcançar a mesma felicidade que temos. E ela já foi atacada duas
vezes! NÃO VOU tolerar monstros como esses debaixo do meu teto! — ele concluiu com um
murro na mesinha de canto que fez seu chá cair no chão.
Fiquei tensa e agarrei os braços da cadeira.
— Pai, pare — supliquei baixinho, com medo de que minhas palavras piorassem a situação.
Ele me olhou por cima do ombro, como se apenas naquele momento tivesse notado que
minha mãe e eu ainda estávamos presentes. Seu rosto se suavizou. Ele desviou o olhar e começou a balançar a cabeça.
Depois de respirar fundo, ajeitou o terno e falou com o guarda:
— Antes de continuarmos a Seleção, espero que seja feita uma análise profunda do histórico de cada um dos concorrentes. Sejam discretos e usem todos os meios disponíveis.
Quem tiver entrado em uma mísera briguinha na escola está fora.
Mais calmo, ele sentou ao lado da minha mãe e se dirigiu a nós:
— Faço questão absoluta de que Nicholas saia. Isso não está aberto a discussões.
— Mas e Tanner? — minha mãe perguntou. — Parece que ele não provocou nada.
Meu pai sacudiu a cabeça.
— Não sei. A ideia de deixar um dos envolvidos permanecer me parece pouco prudente.
Minha mãe apoiou a cabeça no ombro de meu pai.
— Anos atrás, me envolvi numa briga durante a Seleção, e você me deixou ficar. Imagine como seriam as coisas se tivesse feito o contrário.
— Mãe, você entrou numa briga? — perguntei, estarrecida.
— É verdade — meu pai confirmou com um suspiro.
Minha mãe sorriu.
— Na verdade, ainda penso bastante na outra garota. Mais tarde ela se revelou adorável.
Meu pai bufou e começou a falar de má vontade:
— Ótimo. Tanner pode ficar, mas apenas se Camila achar que ele pode fazê-la feliz um dia.
Os dois olharam para mim. Fiquei confusa com tantas coisas ao mesmo tempo, e com certeza meu rosto demonstrava isso. Me voltei para o guarda:
— Obrigada pelas informações. Providencie que Nicholas seja acompanhado para fora das
instalações e diga a Tanner que conversaremos em breve. Pode ir.
Assim que ele saiu, levantei da cadeira e tentei organizar as ideias.
— Não vou perguntar sobre essa briga da mamãe, embora realmente não consiga imaginar por que vocês dois esconderam de mim tantas informações sobre a última Seleção e só agora decidiram contar tantos detalhes importantes. E o pior: só depois de eu ter enfrentado algo por que vocês já passaram.
Ambos fizeram um silêncio culpado.
— A mamãe conheceu você antes da hora — acusei, apontando para meu pai. — Suas
candidatas foram todas escolhidas pelo seu pai… Talvez vocês pudessem ter me dado alguma
dica sobre como lidar com brigas duas semanas atrás.
Cruzei os braços, exausta.
— Prometi a você três meses, e vou cumprir — eu disse enquanto contemplava os dois,
visivelmente preocupados. — Vou marcar encontros e tirar fotos para que tenhamos material para a imprensa e o Jornal Oficial. Mas vocês parecem achar que, se eu seguir todo o plano, vou me apaixonar num passe de mágica. — Fiz uma pausa e balancei a cabeça. — Isso não vai acontecer. Não comigo.
— Mas poderia — minha mãe murmurou com ternura.
— Sei que estou decepcionando vocês, mas não é isso que eu quero. E esses garotos são o.k., mas… alguns deles me deixam desconfortável, e acho que ninguém ali é capaz de lidar com a pressão do cargo. Não vou me algemar a alguém só para produzir manchetes e distrações.
Meu pai levantou.
— Camila, nós também não queremos isso.
— Então, por favor — eu disse, erguendo as mãos à frente do corpo —, parem de pressionar para que eu ame gente que eu nem queria que estivesse aqui para começo de conversa.
Cruzei as mãos e continuei:
— Toda essa situação tem sido péssima. Jogaram comida podre em mim em público, me julgaram por causa de um beijo. Um garoto me agarrou contra a minha vontade e outro me derrubou no chão. Não importa quanto esforço eu faça para acertar, a imprensa faz a festa com a minha vergonha constante.
Meus pais trocaram olhares consternados.
— Quando eu disse que ia ajudar a distrair as pessoas, não imaginava que seria tão degradante.
— Querida, magoá-la nunca foi nossa intenção — minha mãe disse. Ela parecia arrasada, prestes a chorar.
— Eu sei, e não estou brava. Só quero minha liberdade. Se preciso fazer isso para alcançá-
la, farei. Se vocês querem distração, darei. Mas, por favor, não ponham tantas expectativas
sobre mim. Não quero decepcioná-los mais do que já decepcionei.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora