Capítulo 17

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Como Taylor havia conseguido pegar outra tiara minha de novo? Eu tinha acabado de brigar com ela por causa disso. Ela ia desfilar diante das câmeras com seu melhor vestido e a minha
tiara, fingindo ser da família real pela milionésima vez na vida.
Eu trocava olhares e sorria para as pessoas conforme cruzava com elas, mas não parei para conversar com ninguém até encontrar Lawrence. Ele estava de novo com Charles, tomando chá gelado e assistindo a uma partida de badminton. Charles curvou-se na hora.
— Olá hoje, Alteza — ele cumprimentou, e seu sotaque fazia as palavras soarem mais alegres.
— Olá, Charles. Oi, Lawrence.
— Oi, Camila.
Devo ter imaginado que havia algo diferente na voz de Lawrence, mas, talvez pela primeira vez, queria ouvi-lo falar. Sacudi a cabeça e tentei recuperar o foco.
— Lawrence, você poderia, por favor, falar com a sua irmã?
A animação que ele demonstrava logo se desfez em frustração.
— Por quê? O que ela fez agora?
— Pegou outra tiara minha.
— Mas você não tem mil tiaras?
Bufei.
— Isso não vem ao caso. A tiara é minha, e ela não deveria usar. Quando ela circula por aí desse jeito, dá a impressão de ser da realeza, o que não é verdade. É inadequado. Você poderia, por favor, conversar com ela sobre esse comportamento?
— Desde quando virei o cara que faz todos os favores para você?
Na mesma hora olhei para Charles e Alex, que não sabiam do acordo por trás do nosso beijo.
Os dois não pareceram entender.
— Por favor? — pedi apressadamente.
Lawrence suavizou o olhar, e pude ver um pouco da pessoa que ele me revelara naquela noite em seu quarto, uma pessoa doce e interessante.
— Tudo bem. Mas Taylor só quer atenção. Não acho que faça por maldade.
— Obrigada.
— Vou lá. Já volto.
Ele partiu pisando forte. Enquanto isso, Alex transmitia o ocorrido a Charles.
Charles limpou a garganta antes de falar, e suas palavras saíam com acentos em lugares
estranhos.
— Como está hoje, Alteza?
Eu não sabia ao certo se deveria me dirigir a Alex ou não… Falei direto com Charles.
— Muito bem. E você?
— Bem, bem — ele respondeu alegre. — Eu gostar… humm…
Ele precisou dizer a Alex o resto de seu comentário.
— Ele disse que a festa está ótima e que gosta da companhia.
Não soube dizer se ele se referia a Lawrence ou a mim, mas, em todo caso, era gentil da parte
dele.
— E então… quando foi que você veio da Noruécia?
Charles acenou com a cabeça como que confirmando que vinha da Noruécia, o que não
respondia a minha pergunta. Alex cochichou a pergunta rapidamente em seu ouvido e Charles deu uma longa resposta que o intérprete logo me transmitiu:
— Charles emigrou para Illéa no ano passado, aos dezessete anos. Vem de uma família de
cozinheiros, que é sua profissão em sua província. Eles fazem comida de sua terra natal e geralmente se relacionam apenas com outras pessoas da Noruécia. Só falam finlandês. Ele tem uma irmã mais nova que está se esforçando muito para aprender inglês, mas é uma língua
difícil.
— Uau. É muita coisa para acompanhar — eu disse para Alex.
Ele fez um gesto para atenuar o elogio.
— Eu tento.
Eu podia imaginar como era difícil o trabalho de Alex, mas apreciei a modéstia. Virei para
Charles e continuei:
— Precisamos passar um tempo juntos logo. Então poderemos conversar mais à vontade.
Alex transmitiu minha frase para Charles, que concordou vigorosamente:
— Sim, sim!
— Até logo, então — me despedi com uma risadinha.
O gramado estava repleto de Selecionados. O general Leger, de braços dados com madame
Lucy, conversava com um punhado de garotos perto de uma fonte, e meu pai circulava como
sempre. De vez em quando parava para dar um tapinha nas costas de alguém e dizer um oi, mas logo retomava a caminhada. Minha mãe estava sentada sob um guarda-sol, e eu não sabia ao certo se achava fofo ou estranho o fato de que vários Selecionados a rodeavam.
A festa estava agradabilíssima. Jogos, muita comida e um quarteto de cordas tocando sob
uma tenda. As câmeras capturavam tudo, e eu torcia para que isso fosse suficiente para dar
uma acalmada no povo. Não fazia ideia se meu pai já estava próximo de um plano que pacificasse o país de vez.
Enquanto isso, precisava encontrar uma maneira de eliminar pelo menos uma pessoa no fim do dia, e também precisava de um bom motivo para justificar a escolha.
Lawrence chegou silencioso.
— Aqui está — ele anunciou com a tiara nas mãos.
— Não acredito que ela devolveu.
— Foi necessário um pouco de persuasão, mas lembrei a ela que nossa mãe não a deixaria vir a outra festa se ela fizesse um escândalo nesta. Isso foi o bastante para que desistisse da tiara. Toma.
— Não posso pegar — disse, cruzando as mãos.
— Mas você pediu.
— Não queria a tiara na cabeça dela, mas também não posso carregá-la por aí. Tenho coisas a fazer.
Ele se contorceu, claramente irritado. Achei legal me vingar, irritando-o dessa vez para variar um pouco.
— Então vou ficar segurando isso o dia inteiro?
— Não o dia inteiro. Só até entrarmos, aí eu seguro.
Lawrence balançou a cabeça.
— Você é inacreditável mesmo.
— Shh. Vá aproveitar a festa. Mas antes precisa tirar essa gravata.
Antes que ele pudesse baixar os olhos, eu já estava com a mão em seu pescoço.
— Mas o que a gravata tem de errado?
— Tudo — afirmei. — Tudo de errado no universo está nesta gravata. Aposto que alcançaríamos a paz mundial se a queimássemos.
Desfiz o nó e enrolei a gravata.
— Bem melhor — eu disse, enquanto enfiava o tecido amassado em uma de suas mãos e pegava a tiara que estava na outra. Em seguida, coloquei-a na cabeça de Lawrence. — Combina
bem com seu cabelo.
Com um sorriso, ele me encarou com um brilho divertido nos olhos.
— Então, como você não quer a tiara agora, talvez eu possa devolvê-la à noite. Posso levar no seu quarto, se quiser.
Lawrence mordeu os lábios, e só consegui pensar em como eles eram macios.
Engoli em seco; tinha entendido a pergunta implícita.
— Seria bom — respondi, me esforçando para não corar. — Talvez umas nove horas?
— Nove — Lawrence concordou e saiu.
Então ele só tinha sido discreto no Jornal Oficial! Franzi a testa, pensando. Ou talvez seu plano fosse me beijar só para passar o tempo. Ou talvez fosse perdidamente apaixonado por mim desde os sete anos e só agora tinha criado coragem para parar de me provocar e dizer. Ou
talvez…
Austin surgiu do nada e atou o braço no meu.
— Oh! — exclamei.
— Você parece nervosa. Seja lá o que aquele garoto tenha dito para deixá-la assim, não pense mais nisso.
— Sr. Austin — cumprimentei, impressionada com a calma dele perto de mim —, o que posso
fazer por você?
— Dar uma volta comigo, claro. Ainda não tive chance de conversar com você a sós.
O cabelo preto de Austin ficava quase brilhando no sol e, embora ele não tivesse o mesmo estilo inovador de Darren, ficava melhor de terno que a maioria dos outros. Alguns homens simplesmente não ficavam bem de terno.
— Bom, agora estamos a sós — falei. — Sobre o que quer conversar?
Ele sorriu.
— Minha maior curiosidade é você. Sempre te achei muito independente. Fiquei surpreso
quando anunciou que procuraria um marido ainda tão jovem. Com base no que via no Jornal
Oficial e em todos os especiais sobre a sua família, pensei que fosse levar mais tempo.
Ele sabia. Seu diagnóstico foi tão tranquilo que eu tinha certeza de que ele sabia que tudo
aquilo não passava de entretenimento.
— É verdade, meu plano era esperar. Mas meus pais têm uma vida tão feliz e se amam tanto
que julguei que valia a pena tentar.
Austin me inspecionou com o olhar.
— Acha que algum desses candidatos tem o que é necessário para ser seu parceiro?
— Você se tem em tão baixa conta? — perguntei com as sobrancelhas arqueadas.
Ele parou de caminhar e pôs-se à minha frente.
— Não, mas a tenho em altíssima conta. E não suporto vê-la tomar uma decisão dessas antes de ter vivido de verdade.
Parecia impossível que um estranho pudesse me conhecer tão bem, especialmente considerando toda a energia que eu empregava para esconder meus pensamentos e sentimentos. Então ele tinha me acompanhado atentamente ao longo dos anos?
— As pessoas mudam — respondi vagamente.
Ele fez que sim com a cabeça.
— Suponho que sim. Mas, se em algum momento você se sentir… perdida durante a
competição, ficaria feliz em ajudar como puder.
— E como exatamente você me ajudaria?
Austin me conduziu carinhosamente de volta à multidão.
— Acho que essa é uma conversa para outro dia. Mas saiba que estou aqui para o que precisar, Alteza.
Ele me olhou fixamente, como se, assim, todos os meus segredos pudessem ser revelados.
Precisei respirar fundo por um tempo até interrompermos o olhar.
— É um dia lindo.
Levantei a cabeça e deparei com um dos Selecionados. Tinha esquecido completamente o nome dele.
— É mesmo. Está se divertindo?
Céus, qual é o nome dele?
— Estou — ele respondeu, com o rosto amistoso e a voz terna. — Acabo de ganhar uma
partida de croquet. A senhorita joga?
— Um pouco… — Como eu sairia daquela situação? — Você joga muito na sua província?
— Na verdade, não. Em Whites a temperatura só permite jogos de inverno.
Whites… Não adiantou, ainda não lembrava.
— Para ser honesta, prefiro ambientes fechados.
— Bom, então você iria adorar Whites — ele disse, rindo. — Só saio de casa quando
necessário.
— Com licença.
O rapaz de Whites e eu nos voltamos para o recém-chegado. Aquele eu conhecia.
— Perdão, Alteza, mas gostaria de saber se posso roubá-la por um momento.
— Claro, Song — concordei, já lhe dando o braço. — Foi um prazer falar com você —
disse ao rapaz de Whites, que parecia um pouco desapontado.
— Espero não ter sido grosseiro — Song Kang disse quando nos afastamos.
— Nem um pouco.
Caminhávamos devagar. Ele parecia confortável, como se já tivesse passeado com uma princesa dezenas de vezes.
— Não quero fazê-la perder muito tempo. Só queria dizer que admiro a maneira como a
senhorita eliminou as pessoas na semana passada.
O elogio me pegou de surpresa.
— Sério?
— Com certeza! Admiro uma mulher que sabe o que quer, e gosto que a senhorita seja assertiva. Minha mãe é chefe de um laboratório em Bankston, minha província. Sei como é difícil para ela administrar aquele lugar, e olha que é bem pequeno. Então sou incapaz de imaginar o tamanho da pressão sobre uma princesa. Mas a senhorita se sai bem, e gosto disso.
Queria que soubesse.
Dei um passo para trás e agradeci:
— Obrigada, Song.
Ele acenou com a cabeça e me retirei, perdida em pensamentos.
Aquilo só confirmava o que eu sabia que era verdade: se tivesse demonstrado doçura e
gentileza, ninguém me levaria a sério. Se tivesse dado tapinhas nos ombros dos eliminados e
distribuído abraços na saída, será que Song teria me admirado menos? Tudo era muito…
— Ai! — Alguém esbarrou comigo e só não acabei no chão graças a um par de braços firmes.
— Alteza — Darren segurou meus braços e me ajudou a me equilibrar. — Sinto muito, não a
tinha visto.
Ouvi o clique de uma câmera próxima e forcei o rosto para abrir um sorriso.
— Dê risada — ordenei por entre os dentes.
— Ahn?
— Ajude a levar isso na brincadeira — eu disse, rindo, e um instante depois Darren me
acompanhou com algumas gargalhadas.
— O que foi isso? — ele disse sem desmanchar o sorriso no rosto.
— As equipes de filmagem nos observam o tempo todo — expliquei, enquanto ajeitava o
vestido.
Ele olhou para o lado.
— Disfarce — protestei, e ele voltou a olhar para mim.
— Nossa, você está sempre na vitrine desse jeito?
Dessa vez meu riso foi autêntico.
— Basicamente.
— Foi por isso que fugiu naquela noite? — ele perguntou. O sorriso dele tinha desaparecido.
Também fiquei séria.
— Sinto muito. Não me senti bem.
— Primeiro você foge, depois mente — ele acusou, frustrado.
— Não…
— Camila — ele sussurrou —, não foi fácil para mim. Não gosto de falar da morte do meu pai, das dificuldades da minha mãe para manter o emprego ou da perda de status da minha
família. Foi difícil para mim compartilhar essas coisas. E, quando finalmente começamos a
falar de você, você me abandonou.
Aquela sensação de estar totalmente exposta tinha voltado.
— Eu sinto muito, de verdade, Darren.
Ele examinou meu rosto.
— Não acho que sente.
Engoli em seco, nervosa.
— Mas gosto de você mesmo assim —completou.
Levantei o olhar para ele, pasma com a hipótese.
— Quando você estiver pronta para falar, falar de verdade, estarei aqui. A não ser, claro, que você entre no salão como uma ninja e me elimine como fez com os outros.
Comecei a rir, um pouco constrangida.
— Não acho que isso vá acontecer de novo.
— Espero que não.
Darren permaneceu parado, me observando. Não gostei de seu olhar, que parecia capaz de
atravessar várias camadas da minha pele.
— Fico feliz por seu vestido não ter manchado. Seria uma pena — ele disse afinal.
Então ele se virou para ir embora, mas agarrei seu braço.
— Ei. Obrigada por ter sido tão discreto no Jornal Oficial.
Ele abriu um sorriso sedutor.
— Uma coisa por dia, lembra?

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