Capítulo 33

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AVISO: ÚLTIMO CAPÍTULO

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Não Tirei os olhos da carta por um bom tempo. Ele tinha me deixado. Ele tinha me deixado por ela. Quando finalmente tomei consciência, fui consumida por um ímpeto selvagem de raiva. Peguei a primeira coisa quebrável que vi e a joguei contra a parede com toda a força que possuía.
Ouvi o susto de Neena quando o vidro se estilhaçou, e aquilo me trouxe de volta à
realidade. Havia me esquecido completamente da presença dela.
Resfolegando, balancei a cabeça e disse:
— Desculpe.
— Pode deixar que eu limpo.
— Não queria assustar você. É que… ele foi embora. Dylan foi embora.
— O quê?
— Fugiu com Normani.
Corri os dedos pelo cabelo; sentia-me um pouco sem chão.
— Não consigo imaginar por que a rainha autorizaria uma coisa dessas — continuei. —
Mas sem dúvida autorizou. Gavril disse lá embaixo que estava dentro da lei.
— E o que isso significa?
Engoli em seco.
— Com Normani na linha de sucessão ao trono, Dylan é o príncipe-consorte, e seu dever principal é com a França. Illéa agora não passa do país onde ele nasceu.
— Seus pais sabem?
Fiz que sim com a cabeça.
— Mas não sei se ele deixou cartas para eles — expliquei. — Talvez eu deva falar com os dois.
Neena se aproximou e ajeitou meu vestido e meu cabelo, Depois, passou um lenço no meu
rosto para tirar qualquer imperfeição na maquiagem.
— Pronto. É assim que minha futura rainha deve estar.
Abracei Neena.
— Você é boa demais para mim, Neena.
— Fique calma. Vá falar com seus pais. Eles precisam de você.
Dei um passo para trás e sequei as lágrimas que estavam quase escorrendo. Segui pelo corredor e bati à porta do quarto do meu pai, que os dois geralmente compartilhavam.
Como ninguém respondeu, me arrisquei a entrar e dar uma olhada rápida.
— Pai? — chamei ao adentrar aquele espaço enorme.
Fazia tanto tempo que eu não ia lá — talvez desde a infância — que não conseguia lembrar
se tinha sido sempre assim. O ambiente mais parecia ter sido decorado pela minha mãe. Cores quentes nas paredes, livros por toda parte. Se aquele era o refúgio do meu pai, por que não se
parecia com ele em nada?
Como eles não estavam ali, me senti uma invasora e dei meia-volta para sair.
Mas fiquei paralisada pelo que vi. Várias fotografias grandes emolduradas cobriam a
parede. Havia fotos de meus pais quando tinham a minha idade: ele de uniforme completo e faixa, ela de vestido creme. Os dois no dia do casamento, com o rosto coberto de bolo. Em outra imagem, minha mãe estava com o cabelo todo suado jogado para trás e dois bebês nos braços enquanto meu pai beijava sua testa; uma lágrima escorria por sua bochecha. Várias fotos espontâneas, que mostravam um beijo ou um sorriso, tinham sido ampliadas e tratadas com filtro preto e branco para conferir um ar mais clássico.
Duas coisas ficaram imediatamente claras para mim. Primeiro: o quarto do meu pai não tinha muito o jeito dele porque o quarto não era dele. Ele o havia transformado em um santuário para a minha mãe. Ou melhor: um santuário para os dois, para o profundo amor que sentiam um pelo outro.
Eu presenciava isso todos os dias, mas era diferente ver aquelas imagens, as fotos que eles
olhavam toda noite antes de dormir. Eles eram feitos um para o outro, mesmo depois de
enfrentar tantos obstáculos, e gostavam de lembrar disso.
A segunda coisa a ficar clara: Dylan tinha desistido de mim — de todos nós — para tentar
viver aquilo. Se conseguisse uma fração do amor de nossos pais, seu ato estaria justificado.
Naquele momento, tive consciência de que devia contar a eles o que a carta de Dylan dizia.
Eles compreenderiam — talvez melhor que qualquer pessoa no planeta — por que ele teve
que partir. Com certeza compreenderiam melhor do que eu.
Eles não estavam na sala de jantar nem no escritório do meu pai nem no quarto de minha
mãe. De fato, os corredores estavam estranhamente vazios. Não havia um único guarda à vista.
— Oi? — gritei sob a pouca luz ambiente. — OI?
Por fim, um par de guardas apareceu no fim do corredor.
— Graças a Deus — disse um deles. — Vá até o rei e avise que a encontramos.
O segundo guarda continuou correndo, enquanto o primeiro me encarou e respirou fundo antes de dizer:
— A senhorita precisa me acompanhar até a ala hospitalar, Alteza. Sua mãe teve um ataque
cardíaco.
Por mais que ele tenha falado baixo, parecia que estava gritando. Eu não conseguia pensar no que dizer ou fazer, mas sabia que tinha de ir até ela. Mesmo de salto, ultrapassei o guarda.
Corri o mais rápido que pude.
Só conseguia pensar em como estive errada sobre tantas coisas, como havia sido ácida com
ela para fazer as coisas do meu jeito. E tinha certeza de que ela sabia que eu a amava, mas
precisava lhe dizer mais uma vez.
Na entrada da ala hospitalar, tia May estava sentada ao lado da madame Clara, que parecia orar. Harry, ainda bem, não estava presente, mas Sofia estava lá, esforçando-se muito para parecer corajoso. A srta. Ally também estava lá, andando em círculos em um canto. Mas toda a gravidade do momento estava personificada em meu pai.
Ele estava agarrado ao general Leger, segurando-o como se sua vida dependesse daquilo, com os dedos cravados nas costas do uniforme dele. Chorava escancaradamente, e eu nunca tinha ouvido nada tão doloroso. Torcia para jamais ouvir de novo.
— Não posso perdê-la. Não sei… Eu não…
O general Leger segurou seus ombros.
— Não pense nisso agora. Temos que acreditar que ela ficará bem. E você precisa pensar nos seus filhos.
Meu pai concordou com a cabeça, mas notei que não parecia capaz de obedecer.
— Pai? — chamei com a voz vacilante.
Ele se voltou para mim e abriu os braços. Voei para ele e o apertei com tudo. Chorei, sem me preocupar em ter que parecer forte.
— O que aconteceu?
— Não sei, querida. Acho que o choque da partida de Dylan foi demais. Problemas
cardíacos são comuns na família da sua mãe, e ela passou os últimos dias muito ansiosa.
Ele fez uma pausa. Quando retomou, sua voz estava diferente e percebi que já não era
comigo com quem ele falava.
— Eu devia tê-la feito descansar mais. Devia ter pedido menos coisas. Ela fazia tudo por mim.
O general Leger então o agarrou pelo braço.
— Você sabe como ela é teimosa — ele disse com carinho. — Acha que teria deixado você diminuir o ritmo mesmo por um segundo?
Ambos compartilharam um sorriso triste.
Meu pai concordou com a cabeça.
— Muito bem. Agora nós esperamos.
O general Leger o soltou.
— Preciso ir para casa avisar Lucy e buscar roupas limpas. Vou ligar para a mãe dela, se você ainda não ligou.
Meu pai suspirou.
— Nem pensei nisso.
— Eu ligo. Volto em uma hora. Estarei aqui para o que precisar.
Meu pai me soltou e abraçou o general mais uma vez.
— Obrigado.
Me afastei deles e fui esperar perto da porta. Fiquei pensando se ela podia sentir minha
presença. Estava com muita raiva. De todos, de mim. Se o povo não exigisse tantas coisas ou
se eu tivesse feito mais… não estaria prestes a perder minha mãe.
Sempre pensara que não poderia viver uma vida para os outros, que o amor não passava de uma algema. Talvez fosse mesmo, mas a verdade é que eu precisava dessa algema. Me permiti sentir a dor da partida de Dylan, a dor da preocupação de meu pai e, sobretudo, a dor de saber que a vida da minha mãe estava em risco. Essas coisas não me enfraqueciam; me mantinham no momento presente. Eu já não fugiria delas.
Ouvi o som de passos, ciente de que uma multidão se aproximava. Me senti pequena,
comovida e sem palavras ao ver cada um dos Selecionados surgir no fim do corredor.
Lawrence olhou para mim e disse:
— Viemos orar.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e assenti com a cabeça. Os cavalheiros se espalharam. Alguns se encostaram pelos cantos, outros se empoleiraram nos bancos. As cabeças inclinadas ou elevadas, tudo pela minha mãe. Eles tinham causado tamanha agitação
na minha vida… e eu estava tão feliz por isso.
Darren roía as unhas e agitava-se, nervoso. Austin, como esperado, estava muito firme,
concentrado, com os braços cruzados. Charles inclinou-se para a frente no banco. Fiquei feliz ao ver que, mesmo sem precisar ter vindo, Alex estava ao seu lado.
Lawrence encontrou a mãe dele, e os dois se abraçaram. Lawrence chorava pela minha mãe. Era estranho, mas aquela ternura me fez sentir mais forte.
Meus olhos passaram dele para os outros remanescentes. Pensei de novo como cada um
deles tinha me conquistado à sua maneira… e olhei para o meu pai. O rosto vermelho de tanto chorar, o terno todo amarrotado. Podia ver a tensão em cada molécula do seu corpo,
horrorizado pela perspectiva de perder a esposa.
Não fazia muito tempo desde que ele estivera em meu lugar, desde que o rosto da minha mãe era um entre tantos. E, mesmo assim, apesar de todos os impedimentos e de todo o tempo que já tinha passado, os dois continuavam profundamente apaixonados.
Isso era evidente em tudo: do quarto que compartilhavam à maneira como se preocupavam um com o outro, além de estarem sempre se paquerando, mesmo depois de tantos anos de casamento.
Se um mês antes alguém tivesse me dito que eu deveria considerar aquilo como uma opção para mim, eu teria revirado os olhos e dado as costas. Naquele momento? Bom, a possibilidade não me parecia tão absurda. Eu não esperava encontrar o que meus pais tinham ou mesmo o que Dylan havia encontrado em Normani. Mas… talvez pudesse encontrar alguma coisa. Talvez houvesse uma pessoa que me beijasse mesmo quando eu estivesse com o nariz escorrendo, que esfregasse meus ombros após um longo dia de reuniões. Talvez pudesse encontrar alguém que não parecesse tão assustador, com quem um passeio além das muralhas do palácio parecesse natural. Mas tudo isso poderia ser pedir demais.
Em todo caso, eu não podia desacelerar agora. Sabia que, por mim — e pela minha família
—, eu precisava concluir a Seleção.
E quando concluísse, teria um anel no dedo.
E eu já sabia quem escolheria.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora