A vida de um anjo

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Jeonghan abriu os olhos lentamente, se acostumando com a claridade que os atingiu. Seu corpo estava pesado, dolorido, sem conseguir se mover sobre o peso quente que o prendia. Até mesmo o pequeno movimento de seus dedos das mãos parecia consumir tudo de sua energia. Seus ouvidos zumbiam com a estática insuportável e, junto com o barulho, havia o martelar pulsante em sua cabeça, como se alguém o atingisse repetidas vezes com um martelo de ferro. Seu nariz captava um cheiro de flores que ele não recordava ser familiar, mas não era verdadeiramente incômodo. 

Quando conseguiu se ajustar a luz no teto que o agredia sem intenção, Jeonghan piscou para o lugar que se encontrava. Era sua casa, não aquela no céu, mas era sua casa na terra, que, por um tempo, dividiu com Wonwoo. Aquele era seu quarto, exatamente igual ao que ele se lembrava antes de voltar a morar no paraíso. Os mesmos livros na estante, os mesmos papéis sobre a escrivaninha, seu conjunto de sapatos espalhados no chão e seu casaco pendurado na cadeira giratória no canto. A única mudança naquele cenário era o cheiro novo das cobertas que o aqueciam sobre a cama - as cobertas, por acaso, eram as mesmas. 

Sua cabeça parou com o latejar doloroso ao passar dos segundos enquanto tentava ajustar seus sentidos a realidade, investindo seus esforços em tentar se recordar o que o levou aquele momento, dormindo profundamente - e dolorosamente - em seu quarto na terra.

Antes que Jeonghan pudesse fazer qualquer coisa - isso incluía pensar - a porta do quarto abriu lentamente, apenas o suficiente para um par de olhos surgir na brecha, tentando verificar o anjo. Jeonghan observou em silêncio, ainda deitado, os olhos castanhos de Seungkwan se arregalarem e ele abrir a porta com um empurrão grotesco. Ele saltou para dentro do quarto, e, em poucos passos chegou até Jeonghan na cama.

- Seungkwan... - sua voz ficou presa na garganta arranhando, incapaz de proferir qualquer outro som antes de um copo d'água. 

Mas o tritão não se importou - ou notou - esse detalhe, pois se jogou na cama, os braços agarrados ao pescoço de Jeonghan, ignorando os resmungos doloridos dele, e começou a soluçar em seu ouvido.

- Eu pensei q-que você não fosse acordar. Depois do que aconteceu, fiquei c-com tanto medo. - ele gaguejava entre os soluços, sem se desprender do anjo que ainda estava imóvel na cama. Os segundos se passaram com o choro baixo de Seungkwan sendo o único som presente no quarto.

Quando ele se desprendeu, o rosto estava lambuzado de lágrimas que desciam até seu pescoço. Os olhos brilhavam como duas estrelas, ainda tristonhos. Seu queixo tremia como se ameaçasse outro choro. Jeonghan o observou em silêncio, absorvendo a visão desequilibrada a sua frente.

Ainda sem dizer nada ele se sentou, resistindo a dor em seus músculos que o convidavam a continuar imóvel. Jeonghan agarrou o copo de água cheio até a metade na cabeceira da cama, sem se importar sobre a origem daquele líquido. Sua garganta agradeceu, e então seus olhos voltaram para Seungkwan.

- Jeonghan.

Analisando o tritão que o encarava, agora com lágrimas secas, Jeonghan notou algumas mudanças. O cabelo de Seungkwan estava levemente mais cumprido, cobrindo um pouco suas orelhas, suas bochechas estavam magras, perdendo o enchimento que Jeonghan costumava apertar entre os dedos para irritar o amigo. As olheiras também eram uma novidade no homem, só tendo aparecido uma vez, desde que Jeonghan o conheceu,  na morte de Chungha.

Com a lembrança da vampira, Jeonghan despertou. 

As memórias o inundaram. As fadas, o ataque, seus pais, Kali, Seungcheol.

Seungcheol.

Sua respiração engatou, descontrolada, enquanto seu coração martelava desenfreado, cada vez mais rápido. Ele não conseguia se lembrar de nada depois que os olhos de Seungcheol se abriram. Nem mesmo sabia se aquela era uma memória verdadeira ou se seu cérebro apenas criou a imagem para confortar seu coração despedaçado. Ele implorava a todos os deuses que sua criatividade não fosse tão boa a esse ponto. 

Asas entre chamasOnde histórias criam vida. Descubra agora