— Omi, você viu minha cueca preta?
— Todas as suas cuecas são pretas, meu bem.
O ano de 2017 chegou levemente, trazido pelos ventos frescos e calmos que anunciavam a pressagem de dias novos.
Algumas semanas após o momento na sala, os dois homens decidiram finalmente morar juntos de vez. Compraram um apartamento em um prédio recém construído próximo à região de Shibuya, bem longe da empresa do Miya.
Mas não importava mais, porque ele já não trabalhava tanto. E ele se sentia mais tranquilo sabendo que o namorado podia se deslocar tranquilamente para a faculdade de Letras à noite e para a livraria onde trabalhava meio-período durante as manhãs.
Também era próximo dos psicólogos que frequentavam desde que Kiyoomi se demitira do bar. Era, mais ainda, do agrado de Osamu, que, quando visitava o irmão e o cunhado com Suna, podia apreciar toda a culinária que circulava o lugar.
E eles passaram a visitá-los com frequência.
Era uma quarta-feira primaveril. As flores haviam acabado de abrir e eles podiam sentir o aroma das dálias alocadas no parapeito da janela do quarto do casal. Mais à frente, do outro lado da rua, uma cerejeira completamente florida. Era um contraste interessante.
O mostrador do relógio indicava que o casal ainda tinha tempo para a rotina matinal que gostava de ter. Enquanto Sakusa fazia o café da manhã, pois aquela era a vez dele, Atsumu, apenas de toalha na cintura, revirava o apartamento em busca de uma cueca.
Uma porcaria de uma cueca preta que Kiyoomi tinha certeza ser exatamente igual às outras.
— Essa é diferente, Omi!
— Ela não tem nada de diferente das outras, Atsumu. Por que ela é tão especial? — ele gritou da cozinha, ouvindo o namorado bater as portas do guarda-roupas pela quinta vez.
Ele desligou o fogão e arrumou a pequena bancada para o café. Não tinham muitos móveis, pois o estudante gostava de manter tudo muito bem limpo. Quanto mais móveis, mais difícil de fazê-lo.
— Porque foi você que me deu.
Sakusa sorriu contido, já sabendo que essa seria a resposta do namorado.
— Eu te dei todas as suas cuecas, você sempre esquece de comprar. Você até andava pelo apartamento com algumas delas furadas na bunda.
Atsumu colocou a cabeça para dentro da cozinha, sorrindo travesso.
Ele provavelmente estava pelado atrás daquela parede.
— Por isso todas as minhas cuecas são especiais, Omi. E eu sei que você gostava de ver meu traseiro de fora.
O homem de cabelos cacheados gargalhou e disse que depois eles a procurariam juntos. O loiro voltou ao quarto para se trocar.
Como esse idiota sabe exatamente quantas cuecas ele tem e que uma está faltando?
As manhãs costumavam ser assim, tranquilas. Não mais bebidas, não mais remédios. Eles não precisavam mais deles. Ter um ao outro já era mais que suficiente.
Os dias passavam rapidamente. Mesmo nos maus momentos, eles se agarravam um ao outro esperando que o melhor logo viesse.
Se ele não viesse por conta, eles chutariam os problemas para longe e jogariam uma corda para puxar a felicidade para perto deles novamente. Eles dariam um jeito de plantar bons sentimentos.
Nem sempre eles conseguiam, mas tudo bem. Tudo estava, enfim, bem.
À noite, na faculdade, enquanto esperava a aula começar, Sakusa viu o antigo caderno de histórias dentro da mochila. Não fora um engano, ele o carregava consigo desde que aquelas linhas estavam todas preenchidas. Desde que parara de trabalhar no Magatta-sen e começara uma nova vida.
Pegou-no com as mãos firmes, pensando quando fora a última vez que o lera. Já fazia tanto tempo.
Foi folheando as páginas, passando os olhos rapidamente por todas aquelas palavras que conhecia com a ponta da língua, até chegar nas últimas quatro folhas vazias que restavam.
Matutou por alguns segundos, pensando se era uma boa ideia.
O professor da aula de quarta-feira costumava atrasar. Ele estava só na sala.
Pegou uma caneta preta e começou a escrever.
— * —
Algumas pessoas passam a vida em sofrimento. A tristeza e a escuridão as corroendo aos poucos, quebrando cada um de seus ossos e escurecendo-lhe as almas. E, mesmo assim, elas podem vir a ser boas histórias.
São aquelas histórias que valem a pena ser contadas. Aquelas que, mesmo sem um final definido, merecem espaços em linhas que possam eternizar os significados que elas guardam, merecem agraciar ouvidos alheios com as mais belas palavras.
E algumas das histórias deste caderno merecem isso.
Kageyama nunca mais havia aparecido no bar desde que sua história fora compartilhada com Atsumu. Demorou, mas, com muito esforço, Tobio finalmente havia conseguido pistas do paradeiro de Hinata.
Todo este tempo ele havia dado tudo de si para encontrar o seu amado e, agora, ele finalmente pudera ter um vislumbre dessa esperança. A esperança de que ele encontrará Shoyo e terá de volta a sua luz.
Ushijima foi procurar pelo ex-barman algumas vezes. Não, ele não queria bebidas, mas contar a ele sobre o tratamento psicológico ao qual havia dado início. Queria explicar que agora morava com os amigos, com pessoas que fariam de tudo para que ele fosse liberto daquela prisão que criara em sua mente.
Com pessoas que lhe enchiam de esperança de superar a culpa pela morte da filha e da esposa. Ele também queria agradecer por Sakusa ter ligado para os amigos dele naquela noite. Se não o tivesse feito, Ushijima provavelmente não estaria mais ali para contar como estava.
Por mais que tivesse passado um bom tempo desde a primeira tentativa, Atsumu estava tentando o processo novamente para conseguir a guarda para Sugawara. Desta vez, com uma ajudinha extra. Atsumu não deixaria o pequeno Ryuu sozinho.
Ele lutaria pela esperança da adoção do garoto e de mudanças na legislação familiar japonesa. Porque ele era assim, ele era uma boa pessoa e um bom advogado.
Kiyoomi? Ele havia finalmente aprendido a amar e a ser amado, apreciando o emaranhado de fios que virara sua vida, porque agora ele tinha pessoas que a emaranhassem.
Acordava esperando vê-lo eufórico pelas visitas caóticas do irmão e do cunhado, que virara um amigo íntimo de Sakusa. Ansiavando sentir a felicidade daquele sorriso tão aberto e contagiante. Desejando poder compartilhar mais um pouquinho daquela vida com ele, porque, por mais que ela fosse confusa e muito triste às vezes, ela ainda valia a pena.
Ele abriria e fecharia quantos cadernos fosse, apenas para que pudesse preencher mais e mais linhas.
— * —
As notas finais estão no próximo capítulo.
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linhas | sakuatsu, atsusaku
FanfictionSHORT FIC// Miya Atsumu, um advogado cansado, e Sakusa Kiyoomi, um barman quebrado, estão sozinhos. Todas as noites de sábado Atsumu vai até o Magatta-sen, bar onde Sakusa trabalha, para tentar fugir da realidade com o álcool e com o doce som da voz...