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K Y L I E

Vinte dias sem respostas, cada dia se transformava em um labirinto de pistas falsas e becos sem saída. Dias se transformaram em noites, noites se transformaram em dias, tudo em uma névoa de exaustão e determinação. Eu vasculhava cada pista, cada migalha de informação, com a meticulosidade de um entomologista examinando uma borboleta rara. Eu realmente estava disposta a tudo para trazê-la com vida para casa, para o nosso lar.

Todas as manhãs se iniciavam com o frio da incerteza pesando sobre meus ombros. A primeira ligação do dia, a minha voz tensa carregada de esperança e angústia, ecoava na linha: "Alguma notícia?". A resposta, sempre a mesma, um nó na garganta: "Ainda não, mas continuamos na busca.

Meu escritório se tornou um bunker particular, abarrotado de papeis com possíveis suspeitos ligados ao sequestro, possíveis lugares e o mais importante, aonde e com quem Samuel esteve nos últimos meses. Cada pista, por menor que fosse, era meticulosamente analisada, anotada em post-its coloridos que cobriam as paredes. Eu dormia pouco, alimentada apenas pela obsessão de encontrá-lo e poder finalmente me vingar por ter feito ela sofrer tanto. Ofereci rios de dinheiro, implorei por ajuda, negociei com pessoas perigosas, tudo em nome de uma única resposta. A cada porta fechada, a cada pista falsa, a esperança se enfraquecia, mas a teimosia que me movia era mais forte que a própria dor.

Eu me agarrava a cada palavra, a cada olhar, a cada gesto, buscando por qualquer sinal que me indicasse o caminho correto. A exaustão física era apenas um reflexo da tempestade que se desenrolava em meu interior.

E enquanto a busca continuava, a esperança teimava em persistir. Em algum lugar, no fundo do meu coração, eu sabia que a encontraria. E nesse momento, a recompensa por toda a luta, por toda a dor, seria finalmente poder tê-la em meus braços novamente. Meu corpo estava exausto, mas minha mente permanecia incansável. As olheiras profundas marcavam meu rosto, testemunhas das noites que passei vasculhando informações, traçando conexões, a perseguir qualquer fio que me levasse à ela.

A pressão da minha família era como um peso adicional sobre meus ombros já cansados. Eles se preocupavam, com razão, com o meu estado mental, fragilizado pela busca incessante. As olheiras profundas, a palidez acentuada e o comportamento cada vez mais recluso eram sinais evidentes de que eu precisava de ajuda.

Depois de muito relutar, Kris me tirou do "meu mundo" para passar com um psiquiatra, nas palavras dela isso iria me ajudar e eu me sentiria melhor "em um passe de mágica". Não adiantava discutir com nenhum deles, afinal quem entenderia o que eu estou passando? O consultório médico era frio e estéril, com paredes brancas imaculadas e uma mobília austera. Me recordo perfeitamente de estar sentada na cadeira desconfortável, sentindo o frio percorrer minha espinha, intensificando a sensação de náusea que me acompanhava desde o momento em que Kris me arrastou para fora da minha casa. Ela, sempre tão otimista, insistia que essa consulta com o psiquiatra era a solução para todos os meus problemas. Como se fosse possível apagar com uma pílula o turbilhão de pensamentos sombrios que assombravam minha mente.

Olhei para o doutor, um homem alto e magro com óculos de aro grosso, que me observava com uma expressão neutra. Ele me fez algumas perguntas sobre meus sintomas, sobre como me sentia durante o dia e a noite, sobre meus sonhos e pesadelos. As respostas saíam hesitantes da minha boca, como se estivesse confessando um crime terrível.

Ao final da consulta, ele me receitou três tipos de medicamentos: um para dormir, outro para a ansiedade e um calmante. "Comece com doses baixas e vá aumentando gradualmente", ele disse, enquanto rabiscava a receita em um bloco de papel. "Em duas semanas, volte para me ver e conversaremos sobre os resultados." A primeira coisa que fiz ao sair daquela sala que estava me dando falta de ar foi amassar os papeis em minhas mãos, até parece que iria passar meus dias dopada de remédios com falsas propagandas de resolução. Em um momento tão crucial como esse, a última coisa que faria seria colocar drogas fortes no meu organismo.

𝐨𝐫𝐠𝐚𝐬𝐦Onde histórias criam vida. Descubra agora