Peço tanto a Deus, para esquecer...mais só de pedir, me lembro.

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12 de Outubro.

Amaury POV

     Eu olhava as ondas irem e virem, espumosas, naquela tarde de quinta-feira em que eu deveria estar trabalhando e sentia até mesmo fisicamente um peso nos meus ombros, talvez eu devesse entrar no mar um pouco, deixar ele aliviar meus fardos... Talvez eu devesse dormir as três horas que faltavam pra tarde terminar, talvez eu conseguisse evadir os questionamentos que viriam, ou fazer algum tipo de mágica, pra que tudo isso chegasse a valer a pena... Fui interrompido do meu vagar depressivo, por um toque no meu ombro. Meu convidado acabava de chegar.

— Pensando, pensando... então você precisava conversar?

— Ah, Charles... obrigada por ter vindo, viu. Você vai diretinho pro céu por me aturar– levantei e rodeei a mesa do quiosque onde estava e o abracei, fazendo sinal pra sentar e servindo cerveja nos dois copos que eu já tinha pedido pra trazer.

— Então, só solta...me conta tudo...

     Eu me debulhei alí, grão a grão enquanto o sol chegava cada vez mais perto do horizonte, falei do meu dilema, sobre viver a vida que eu escolhi pra mim ou deixar isso ir...falei da exposição que eu iria viver em alguns dias, talvez por um arrebato, talvez por um respiro entalado e sobretudo por não saber o que fazer a parir daqui. Ele ouviu daquele jeito dele, dando golinhos na cerveja em copo de bar que lembrava os de um nobre em sua xícara de café, com a cabeça levemente inclinada pra esquerda. No fim de tudo ele suspirou olhando o mar que já estava alaranjado, pelo pôr do sol que se aproximava.

— Amaury, meu querido. Vou logo pelo óbvio: Você não tem o poder de controlar tudo– eu sorri amarelo, chateado porque esperava que ele me desse uma fórmula mágica, eu sempre espero isso dele– Agora, como alguém que é um afetuoso expectador dessa trajetória, vou mastigar isso na sua realidade.

— Por favor.

— Você pode planejar e almejar uma vida, mas você não sabe se é assim que ela vai ser. Você tem objetivos, é natural lutar por eles, mas é burrice se fechar.

— Bem Augusto Cury.

Ele riu.

— Poxaaa! Tá. Quando você rezou por essa oportunidade, por esse papel, você certamente traçou na mente um esboço do que você queria viver, de como agir e então abriu a porta que foi colocada pra você.

— Sim. Mas não significa que vim fechado.

— Não,  desde que estivesse dentro desse esboço de cara culto, talentoso, preto, com 25 anos de carreira que chegou pra culminar sua vida com essa oportunidade e depois ia poder viver todas as coisas que adiou.

Ok, ele me assustava um pouco.

— E tem algo de errado nisso?

— Não.  Só que tem um ponto que me chama atenção...a palavra "adiou". Depois eu volto nisso, voltemos pra porta. Ela foi colocada ali e você veio cheio de ideias do que tinha pela frente, antes de abrir, a gente não sabe o que tem do outro lado até abrir, Amaury. Você abriu, está com os pés nesse caminho e querendo estar andando naquele lá longe...não pode se teletransportar desse pra outro, você tem que andar esse. Não saia correndo e "adiando" as coisas que você tem que descobrir aqui.

— Eu amo o Diego! Eu sou um homem LGBTQIAPN+ e eu quero continuar atuando, mas eu não posso abrir mão da vida tranquila que eu sempre quis.

— Então não abra. Para de colocar algo tão grande como a vida em caixas, cara. É cansativo ficar abrindo e fechando caixas. Eu olho pra vocês e não vejo ficantes, namorados, amigos ... eu vejo carinho, respeito, orgulho... eu vejo amor! Eu olho pra você e vejo um artista! Um grande, um artista preto, LGBTQIA+, um ator de teatro, um ator! Se celebre, você todo e se você ama... celebre o seu amar..

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⏰ Última atualização: Mar 28 ⏰

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