Capítulo 08

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O bendito despertador grita estridente naquele quarto escuro roubando toda a sanidade da mulher que esqueceu de reprogramá-lo. Aquela semana foi realmente desgastante, o que animava os dias da morena eram os comentários sagazes de Emma nos momentos mais inesperados. Como ontem mesmo ao olhar as horas no celular da menina:

— Fala a verdade, Regina, é bem difícil olhar uma menina dessas e não querer beijar, não é? - A voz tão despretensiosa falando aquele absurdo merecia que déssemos um prêmio de melhor atriz para Emma.

— Ah, mas você não deve olhar mesmo essa carinha no espelho. - Debocha acariciando o queixo da garota antes de dar uma tapinha fraterno (infelizmente) em seu ombro. - Eu sou uma professora, uma mulher de respeito.

Virou costume se repreender por pensar demais em Emma, principalmente depois daquele encontro da cafeteria. E a louca de sua mãe a deixar sozinha por um tempo perigoso demais ao lado dela. Agora, a repreenda vem novamente em forma de despertador, mal o dia amanheceu e já pensava nela.

— Ai, não. – Resmungava chorosa tentando desativar o aparelho. – Dorme de novo, você consegue.

Hoje deveria estar na empresa. Entretanto, por motivos de preguiça mesmo, a reunião foi transferida para o dia seguinte e sem dúvidas aquela havia sido a melhor opção. O sono a tomou, dormiu tão pesado que nem mesmo Lola lhe acordou ao tentar aconchegar a si uma hora depois. O problema veio quando acordou e sua cabeça doía como se tivesse sido atropelada.

— Bom dia, querida! – O cabelo bagunçado e a cara amassada representavam seu conforto dentro da própria casa. Abaixou e beijou o focinho da "filha" antes de desejar mais alguns "bons dias".

Durante o preparo do seu café, abre a porta dos fundos para que Lola fizesse suas necessidades no jardim. Quando suas frutas estão no prato e o café preto na xícara, senta-se na cadeira de vime disposta à sombra no gramado bem aparado. Mesmo tendo dormido mais, pouco se passava das oito. Sua dor passaria assim que o café fizesse efeito, um dos males de ser viciada.

Viciada. Lembra-se de Emma mais uma vez, do perfume que sua pele exala quando não é marcada pelo tenebroso cheiro de tabaco. Ela detesta e jamais admitiria que o cheiro fica bom apenas em Emma. É errado romantizar o sexy appel da moça com um cigarro nos dedos, não é? Ah se não fosse o cheiro!

Sua rotina matinal segue como em qualquer outro de seus dias, Pilates, banho e trabalho. Nesse sábado em especial, tinha as primeiras provas do segundo bimestre para corrigir. Eram muitas, mas ter feito provas curtas ajudou bastante no processo.

Pouco tinha se passado do horário de almoço, quando Henry Júnior apareceu com algumas pastas cheias de documentos que sua mãe tinha pedido que assinasse. Conversaram um pouco até que a campainha toca.

— Quem era, querido? - Nem se dá o trabalho de tirar os olhos da tela do computador, precisava terminar de colocar as notas no portal ainda hoje. Tinha muito prazer em ser a primeira professora a terminar essas tarefas simples.

— Uma entregadora, deixou isso para você - Ergue o arranjo de lírios brancos e miosótis azuis.

— HJ! São lindas, não precisava! - A informação lhe deixa curiosa, então quando seus olhos encontram o arranjo, sorri. Azul é sua cor favorita.

— Não são minhas, tem cartão! - Explica após ter as flores retiradas de sua mão e aguarda curioso a tal leitura. Mas não tem sua curiosidade sanada, pelo contrário.

Regina cheira as flores mais uma vez durante a leitura, tentando absorver o máximo daquela experiência, foram seis anos de casada e nunca recebeu uma única flor de seu marido. Curioso, porque nunca se importou com isso antes. Nunca lhe fez diferença, nada que João lhe fizesse traria alguma diferença para seu dia. Um casamento por conveniência costuma ter suas falhas e para ela, essa teria sido a maior delas: Não se importarem. Com o tempo o homem frustrado começou a lhe tratar mal e logo depois foi um show de horrores e desamor. Casar-se apenas para deixar o pai feliz deveria ser crime.

— Vê, eu tenho um convite 'pra' te fazer. - O rapaz pouco faltava querer roubar o cartão de suas mãos. Vira os olhos em uma violência desmedida quando a irmã, ao invés de contar, cheira as flores novamente. - Me olha, mulher!

— Ela realmente desconhece a palavra limites, não é? - Questiona para o menino que precisava perguntar algo. Ah pronto! Regina falava sozinha agora, ele não queria saber das flores. Então em um gesto compartilhado, giram os olhos. Ela sorri. - Tudo bem, me diz, o que deseja?

— Ela, digo, a Emma vai fazer aniversário na próxima sexta-feira. - Começa tímido, mesmo sabendo que não precisa disso com sua irmã. Mas tinha medo do que estava escrito no bilhete das flores pudesse ter estragado tudo. Emms não teria sido invasiva, teria? - O que acha de ir comigo? A mamãe e o papai estarão naquele "congresso." E você fica linda com aquele cropped e saia social preta.

"Congresso" já era um código batido, usado pelo casal sempre que tinham uma recaída. Saíam juntos e desfrutavam suas companhias. Uma separação infantil para duas pessoas que claramente se amam.

Com o bilhete agora repousando sobre a mesa de cabeceira, Regina tamborila os dedos sobre o bilhete antes de cheirar as azuis novamente. Sua cabeça estava confusa, mas um simples aniversário não faria nada demais, faria?

— É, eu realmente fico linda naquela roupa. 

Tom MenorOnde histórias criam vida. Descubra agora