Capítulo 2 (Bianca) - Minha irmã e eu

65 16 54
                                    


Estou preocupada com a Isadora

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Estou preocupada com a Isadora. Esse jeito dela começou a prejudicá-la demais agora. Não falo sobre isso com ninguém, mas dentro do meu peito eu sinto que tenho uma grande parcela de culpa. A vida inteira eu ofusquei minha irmã. Tomei tanto a dianteira que não deixei que ela dirigisse a própria vida, resolvesse os seus problemas, se relacionasse com as pessoas.

Pessoas... como pode ela ter tanto medo das pessoas?

Mas eu também não tinha como evitar. Parecia impossível imaginar que ela ia conseguir sem mim. Então eu sempre atendi aos pedidos dela. Menos esse último, aí passou dos limites, eu ir na terapia dela não ia ajudar em nada, né?

A vida toda eu atuei, fingi ser minha irmã, fui a voz dela quando ela não conseguia falar.

Apresentei todos os trabalhos por ela na escola. Até hoje, na faculdade, se ela precisa conversar com algum professor pra revisar a nota da prova ou coisa parecida, sou eu quem faço. As raras vezes em que ela resolveu fazer alguma atividade extracurricular, eu fui até a secretaria fazer a inscrição.

Sem falar nas coisas do dia-a-dia, como pedir lanche na cantina da escola e emprestar e devolver livros na biblioteca.

Na hora de comprar roupas, a mesma coisa. Às vezes eu até experimento por ela, tiro foto no provador e envio pra ela me dizer se quer ou não. Isso porque ela morre de, sei lá, medo (?), vergonha (?) de entrar nas lojas.

Para uma coisa ela tem coragem: fazer academia. Ela diz que na academia consegue esquecer as pessoas em volta e focar nos exercícios, sempre com fones de ouvido no volume máximo, claro. Assim, mesmo que alguém tente falar com ela, ela não precisa responder, basta fingir que não ouviu. Mas quem faz a matrícula, rematrícula e até avaliação física (!!!) por ela? Euzinha! Não sei como, quando íamos na mesma academia, nunca estranharam o fato de as avaliações das duas saírem idênticas. Não é porque somos gêmeas que o nosso corpo é igual, né?

Pelo contrário, eu pego muito mais pesado do que ela, então obviamente sou mais encorpada. E tudo bem, tenho certeza de que a Isa nem quer ter uma bunda que chame atenção. Ao contrário de mim. Agora troquei a musculação pelo cross fit, estou adorando, muito mais desafiador e já fiz alguns bons amigos por lá.

Eu até achava que a Isa estava melhor, sabe? Depois de um tempo que nos mudamos para Curitiba, para iniciar a faculdade, parece que a minha irmã conseguiu relaxar um pouco, ela ficou mais leve. No começo, ela ficou muito tensa com toda a situação de um lugar novo, pessoas diferentes, e principalmente por estarmos em cursos diferentes. Mas depois ela relaxou e passou a parecer mais feliz. Eu achei que fosse porque ela estava em uma cidade nova, e enfim estivesse tomando coragem para fazer novas conexões e se reinventar. Ou, ainda, por ter saído da casa dos pais, ganhando assim autonomia e liberdade. Poderia ser por estar gostando do curso, afinal na engenharia são menos trabalhos em grupo, menos falas em público (e eu tenho dado conta de fazer essas coisas por ela quando é preciso).

Mas depois eu fui entender que não era nada disso. Ela fala que as pessoas aqui são mais parecidas com ela. Eu concordo. Ela me explicou que os curitibanos não são antipáticos, como os outros costumam rotulá-los. Mas sim que aqui em Curitiba o povo é mais reservado. Então ninguém invade o seu espaço sem a sua autorização. E para a minha irmã isso foi libertador. Não precisar conversar com o vizinho no elevador? Ninguém puxar assunto na fila do pão? Parecia um sonho realizado para ela!

Só que agora tem o tal do estágio obrigatório. Eu disse para ela procurar alguma vaga para home-office, e ela até encontrou algumas, mas mesmo nessas é necessário se apresentar nos primeiros dias até conhecer o trabalho e ganhar a confiança do pessoal. E aí ela trava. Coitada, sério, fico com dó. Meu coração às vezes fica apertado quando penso nessas dificuldades da minha irmã.

Bom, pelo menos ela acabou aceitando ir na psicóloga, uma grande vitória! Eu queria ser uma mosquinha dentro daquele consultório, para ver como ela se saiu. Morro de curiosidade. Depois da sessão, ela não me contou nada, disse que era coisa dela, que eu tinha que "respeitar sua individualidade". Pelo jeito, alguma coisa já foi transformada pela terapia, nunca na vida que vi minha irmã se impor assim. Que individualidade o quê? Eu também sou parte da Isadora, afinal de contas, toda vez que ela precisou, eu fui ela.



Nossos MedosOnde histórias criam vida. Descubra agora