Estou seguindo firme com a terapia. Já foram três sessões, e agora já tenho falado mais sobre as minhas inseguranças, meu medo de errar e de ser julgada, essas coisas todas.
A última sessão foi bem importante, já que foi no dia seguinte ao incidente no parque, então ainda estava com aquela sensação na pele, então acho que consegui me expressar bem e explicar o que sinto na hora que essas coisas acontecem.
Recebi até uma tarefa: puxar assunto com alguém desconhecido. Sugeriu que eu procurasse alguém que tivesse algum interesse em comum comigo, assim seria mais fácil. De cara já achei que seria impossível, primeiro porque eu nunca iria conseguir abordar uma pessoa assim do nada, e segundo porque eu não sou alguém que tem interesses interessantes. Nunca tive um hobby ou algo parecido.
Mas na quarta-feira à tarde eu estava matando tempo na Biblioteca Pública do Paraná, minha segunda casa, já que os livros são meus melhores amigos, e vi uma garota, mais ou menos da minha idade, sentada em uma poltrona lendo "Orgulho e Preconceito". Por coincidência, ou quem sabe ironia do destino, esse é o meu livro favorito da vida. Então pensei "é agora ou nunca".
Meu coração disparou ao mesmo tempo em que eu ia me aproximando e tentando pensar no que devia fazer. Era um círculo de seis poltronas posicionadas todas viradas em direção ao centro, e a única ocupada era a da garota. Hesitei em sentar na poltrona exatamente ao lado dela, achei que poderia ser intrusivo e esquisito, então parei bem no meio do círculo e fiquei olhando ao redor, tentando escolher. Percebi que estava parecendo uma songamonga perdida, minhas bochechas começaram a pegar fogo, então acabei sentando rapidamente na poltrona diametralmente em frente à tal garota.
Fiquei me perguntando como eu poderia abordá-la sem parecer maluca. O que eu falaria? Deveria primeiro me aproximar e tocar em seu ombro, pedindo licença, ou bastaria falar dali mesmo onde eu estava sentada, com a voz um pouco mais alta para que ela percebesse? Falaria logo sobre o livro, ou perguntaria primeiro o nome dela? Nunca fiz isso antes e estava achando que não seria naquele dia que daria certo.
Bom, eu já devia estar parecendo mesmo uma maluca, pois estava ali sentada, desajeitada, sem saber para onde olhar ou como agir. Se pelo menos eu tivesse pegado um livro qualquer para folhear enquanto me preparava para encarar o desafio... mas não pensei nisso, e estava absolutamente arrependida e já quase decidida a desistir da abordagem.
Quando eu estava quase me levantando para ir embora, a garota levantou os olhos, olhando diretamente para mim, e falou:
— Olá, você está me olhando faz um tempo... precisa de alguma coisa?
Nesse momento meu estômago pesou de repente, como se eu tivesse acabado de comer três pratos de feijoada. Juntei as mãos e comecei a torcer os dedos, procurando um jeito de responder aquela pergunta. Abri e fechei a boca umas três vezes, até que a garota quebrou o silêncio, dizendo:
— Peraí, você não é aquela moça do instagram, que entrevista as pessoas na rua? Acho que estou entendendo, você quer que eu apareça no seu instagram?
Se eu já não sabia o que responder antes, nessa hora congelei ainda mais. O que dizer, o que dizer, o que dizer? Então eu respondi da maneira que achei mais fácil na hora:
— É... isso, isso mesmo, sou a... Bianca. Na verdade, estou procurando alguém, uma garota, que goste.... que esteja lendo Orgulho e Preconceito para participar do meu podcast. Vou fazer um... episódio sobre esse livro, minha irmã já leu três vezes e...
— Mas o seu podcast não é sobre moda?
— É, sim, mas vou, quer dizer, estou pensando ainda, mas a ideia é fazer, é... um quadro sobre livros... livros que estão na... moda???
A menina estranhou, disse que não sabia que Orgulho e Preconceito estava de novo na moda, mas ficou interessada, sorriu discretamente e eu até percebi suas bochechas corando assim como as minhas. Então anotei o telefone dela, me levantei, me despedi e saí andando e torcendo para que ela não reparasse na minha bunda suada.
Fui embora feliz por ter conseguido conversar um pouco, e assustada por ter, pela primeira vez, me passado pela minha irmã e não o contrário.
Cheguei em casa e contei para a Bianca. Ela riu tanto!!! Mas pareceu genuinamente feliz pela minha alegria; eu parecia uma criança saltitando de orgulho e felicidade.
Minha irmã então disse:
— Quando vamos gravar o episódio?
— Como assim, Nica? Não posso me passar por você no podcast, eu não saberia o que dizer, nem como...
— Não precisa se passar por mim, bobinha... você e a garota da biblioteca serão as minhas convidadas para falar sobre o livro. Nisso, você finge que está conhecendo ela só no dia da gravação, e quem sabe se tornam amigas? Acho que seria bom para você ter uma amizade assim, que também frequente a biblioteca e tal...
Só de ouvir a ideia, eu senti uma onda de nervosismo. Imagina isso, eu participando de um podcast! Nem pensar, não tem como. Eu morreria de vergonha de as pessoas me ouvirem falando.
Mas a Bianca é fogo, ela acabou me convencendo! Falou que o programa não é ao vivo, e que se eu não gostasse ela nem publicaria o episódio. Seria como uma conversa entre amigas. Ligou pra Clara (a menina da biblioteca) e marcou de gravar o episódio na semana seguinte. E agora? Como vou sair dessa?
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Nossos Medos
Ficción General"Nossos Medos" conta a história de duas irmãs gêmeas idênticas. Isadora luta contra uma intensa fobia social que a impede de se relacionar normalmente com as pessoas. Ao longo dos anos, Bianca assumiu o papel de "protetora" da irmã, frequentemente s...