Capítulo 14 (Bianca) - Absurdo

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— Um verdadeiro absurdo!!!!! —  eu disse, quando ouvi sobre a tal proposta de estágio

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— Um verdadeiro absurdo!!!!! — eu disse, quando ouvi sobre a tal proposta de estágio. Respirei e baixei o tom — Isa, você é muito mais feliz em Curitiba! Morar em Valeiros ia te fazer muito mal, você sabe disso tão bem quanto eu.

— É, eu gosto muito de morar lá — Ela estava mesmo confusa, e isso era bom. Era só eu usar os argumentos certos e ela ia acabar concordando comigo.

— Nossa vida é lá, não é mesmo?

— Apesar que aqui tenho um amigo. E a mamãe. E um estágio! — se ajeitou no sofá, sentando agora com as pernas dobradas.

— E lá tem a Clara, vocês podem ser boas amigas, lembra? Também tem eu, a biblioteca... as corridas no parque, o seu forno novo!! — eu estava ficando sem fichas, joguei muitas de uma vez.

— E quanto ao estágio, Nica? Como vou fazer?

— Eu vou te ajudar! Prometo que até final do mês a gente encontra alguma coisa. Um estágio em projetos, como você sonha. Melhor ainda, em home office!!! — boa sacada, achei que essa ia convencer.

Ela me olhava muito séria, e eu sentia uma onda de vertigem, me recostei no encosto do sofá e fechei os olhos. Como eu poderia garantir conseguir um estágio para ela em Curitiba? Ela vem tentando há anos, sem sucesso!

A mamãe veio descendo as escadas, vestindo calça de alfaiataria e uma blusa alinhada, quase pronta para sair para o trabalho.

— Estão combinando a mudança da Isa? — mamãe estava confiante em ter a filha de volta.

— Mãe, ela ainda não se decidiu.

— Nica... — a Isadora falou baixinho, quase sussurrando, sem me olhar — na verdade, só tenho uma opção. Vou aceitar o estágio.

Foi como tomar um soco na cara. A vertigem voltou com tudo, foi como se o chão tivesse se deslocado um metro para baixo de uma vez só. Respirei.

— Está bem, a gente vem morar aqui então. Pelo tempo de estágio.

Decidi vir junto! Vou falar com a minha chefe, acho que alguns meses em home office não vai ser o fim do mundo. Não posso deixar a Isa sozinha, afinal.

Minha mãe sorriu, sentada na poltrona enquanto calçava os sapatos scarpin de bico arredondado, feliz em pensar nas duas filhas morando em casa de novo.

Mamãe deu um beijo em cada filha e saiu. A Isa levantou o sofá, pegou o celular, que estava sobre a mesa de jantar, e começou digitar. Perguntei o que ela estava fazendo. Sem tirar os olhos da tela, respondeu que estava enviando mensagem à psicóloga, consultando se ela podia ter uma sessão virtual de emergência.

Fiquei admirada com a atitude da minha irmã. Mandando mensagens assim, por impulso, sem planejar o texto, sem pedir minha opinião... e procurando a terapia, quem diria!

Pelo jeito deu certo, ela foi para o quarto com o celular, sem me falar nada. Então saí para dar uma volta, esfriar a cabeça.

Andei até a praça onde daqui a uns dias vai acontecer a Valeiros Fest. Comprei uma cerveja gelada e sentei em um banco, pensativa.

Vi lá longe o Gabriel passando, de calças jeans destonada e camisa polo, alinhado mas totalmente fora de moda. Fui até ele.

— Bom dia, Gabriel! Está sabendo da novidade?

— Oi Bianca. Tudo bem? — lançou um olhar de estranhamento para a cerveja em minha mão, como quem diz "bebendo a essa hora?" — Se for a proposta de estágio que a Isa recebeu, estou sim.

Então parece que o Gabriel ficou sabendo antes de mim. Que beleza! Fui a última a saber.

Mantive a calma.

— Nós duas estamos ponderando aceitar a vaga e vir morar uns meses aqui.

— Vocês duas?

— Sim, a Isa precisa de mim, você sabe.

Ele colocou uma mão em meu cotovelo e, com a outra, apontou para o banco da praça, indicando que deveríamos nos sentar para essa conversa.

— Bianca, a Isadora é uma mulher adulta, ela pode sim se responsabilizar pelas próprias decisões e viver a própria vida, você não acha?

— Não é isso. Aliás, é sim. Ela está progredindo, você sabia que eu consegui uma excelente terapeuta para ela? Mas ainda é cedo para ela ficar sozinha.

— Ela não estará sozinha. Ela tem a mãe de vocês e tem a mim. Você não confia em nós?

"Não", pensei em responder, mas acabei dizendo:

— Vocês não entendem... Eu... ela... nós nunca ficamos afastadas. Não daria certo isso. Eu sinto que... — não soube completar a frase.

Meus olhos encheram de lágrimas, mas segurei, olhei para cima e disfarcei.

— Bianca, olha para mim. Me fala, o que você sente?

— Medo! — me surpreendi com a minha resposta.

— Medo de quê?

— Não sei, nem sei se é medo a palavra certa.

— Você sente medo de cachorro, certo? Me conta, se ficar longe da Isa fosse um cachorro, seria um cachorro grande ou pequeno? Ele estaria te ameaçando de que forma?

Ponderei...

— Eu não sei de que forma os animais me ameaçam. Só sei que não gosto de estar perto deles porque eles são totalmente... imprevisíveis.

Gabriel me olhou por um momento.

— Bianca, você sente medo do imprevisível?

— Claro! Quem não sente? É terrível não ter controle nenhum sobre a situação.

— Controle... pense sobre isso. Você sente que precisa controlar a Isadora?

— Não é isso!! Você não entende!!! Você está me acusando. Parece que quer proteger a minha irmã de mim, o que é um absurdo, já que sempre fui eu que a protegi! — eu já estava bastante incomodada com a conversa.

Levantei, terminei minha cerveja em um longo gole, e fui embora, deixando as lágrimas de raiva escorrerem no caminho.

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