Pronto! Era bom demais para ser verdade mesmo. A Isadora já quer desistir da terapia. Em vez de estar a caminho do consultório, já que faltam 5 minutos para o horário dela, a garota está no quarto chorando, com a porta trancada. Quer dizer, eu acho que ela está chorando, já faz uns minutos que parei de escutar os soluços e as palavras de desespero.
De novo, ela insistiu que eu fosse, me passando por ela. De novo, tive que dizer que não, que ela ia ter que encarar, assim como era importante ela encarar o estágio se quiser se formar engenheira. Aí pronto, começou o ataque de pelanca.
Logo agora que ela está progredindo, já até conseguiu conversar com aquela garota na biblioteca! Mesmo que tenha sido fingindo ser eu, o que achei muito engraçado. Queria ter visto a cena.
Não quero que ela perca a sessão. Essa terapeuta foi muito bem recomendada por um colega meu da revista digital onde trabalho, diz que ela faz milagres, que resolveu a vida da irmã dele. Parece que ela tinha pavor de sangue, mas encasquetou em fazer faculdade de medicina. Então dá para imaginar a dificuldade, né? Diz meu colega que a moça desmaiou algumas vezes nas aulas teóricas, eu disse teóricas, então não tinha a menor condição de ir para as aulas práticas. Agora, depois de algum tempo na terapia, ela está fazendo residência em cirurgia, dá para acreditar? Milagre!!
Mas eu não entendo. O que essa pessoa, que não podia ver sangue, foi querer com medicina? Seria o mesmo que eu me meter a estudar veterinária, sendo que não gosto de animais. Ok, ok, "não gosto" é pouco, eu morro é de medo de tudo que é bicho! Não é que eu não goste deles, ou queira seu mal, é que acho os animais irracionais totalmente imprevisíveis, e isso me deixa bem estranha.
Mas voltando à Isadora, o que eu faço? Será que devo bater de novo na porta do quarto dela? Será que eu ligo para essa psicóloga? Ou para nossa mãe? Ou para aquele amigo dela, o Gabriel? Ah não, melhor deixar para lá, semana que vem espero ela esteja mais calma e vá na sessão, e ela que se explique. Preciso aprender a não me meter tanto, não posso continuar resolvendo tudo pela minha irmã. Os meus problemas ninguém resolve.
E olha que tenho mil problemas no momento para resolver, não tenho nem tempo para ficar lidando com as crises da Isadora. Meu instagram anda às moscas (só postei duas vezes esta semana), e estou com duas matérias para a revista atrasadas, minha chefe já mandou três mensagens hoje perguntando onde estou. Meu contrato até prevê a possibilidade de passar alguns dias da semana em casa, trabalhando em homeoffice, mas quando as entregas estão atrasadas isso pega muito mal. Só que com a Isa desse jeito, não consegui sair de casa ainda, nem seria certo deixá-la sozinha aqui desse jeito.
Além disso, preciso planejar a minha ida à fazenda, já que, por algum motivo que não compreendo, decidiram que eu seria a responsável pela matéria sobre "bem estar animal na pecuária". Por que eu? O assunto não tem nada a ver comigo, óbvio! Mas o pessoal da revista não sabe que eu tenho minhas questões com os bichos. Eu não quis parecer vulnerável e não falei nada, só aceitei e fingi costume. Talvez pela primeira vez eu tenha que pedir para a minha irmã se passar por mim.
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Nossos Medos
Ficción General"Nossos Medos" conta a história de duas irmãs gêmeas idênticas. Isadora luta contra uma intensa fobia social que a impede de se relacionar normalmente com as pessoas. Ao longo dos anos, Bianca assumiu o papel de "protetora" da irmã, frequentemente s...