Capítulo 3 (Isadora) - Meu amigo Gabriel

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Hoje eu falei com o Gabriel

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Hoje eu falei com o Gabriel. Fazia tempo que não nos falávamos. Estamos meio distantes ultimamente, por nenhum motivo específico, só a vida mesmo ocupando muito espaço. Ele tem o trabalho dele, e eu... bom, eu tenho minhas preocupações.

Mas hoje mandei mensagem, só pra jogar conversa fora mesmo. E ele respondeu NA HORA! Então foi ótimo, ficamos trocando mensagens a tarde toda.

Dei umas risadas altas, e acho que ele também. Ele me atualizou com as notícias (quer dizer, fofocas) sobre o povo lá da nossa cidade, no interior, onde ele ainda vive. Algumas eu já sabia, porque acompanho bastante pelas redes sociais. Mas as mais interessantes/chocantes são as que acontecem e ficam no mundo offline.

Com o Gabi eu consigo ser eu mesma. Ele é o único amigo que é mais meu do que da Nica. A gente se conhece a vida toda, então é como se fosse mais um irmão pra nós, ou pelo menos pra mim.

Nica é o apelido da Bianca lá em casa. Ela não gosta muito de ser chamada assim agora que virou adulta-jornalista-autoconfiante-pseudofamosa. Já eu continuo sendo a Isa para os mais íntimos, ou seja, meus pais, a Bianca e o Gabi. Até meu apelido é sem personalidade, 98% das Isadoras são Isas. O problema de ter um nome auto-apelidável é que as pessoas acham que já podem te chamar assim, mesmo sem saber se esse é realmente o SEU apelido, e sem ter a intimidade requerida para sair apelidando. Outra coisa ruim é quando alguém escuta outra pessoa me chamando de Isa e automaticamente DECIDE que meu nome é Isabela. Desde criança pelo menos uma vez por semana tenho que explicar que sou Isadora e não Isabela, que chatice!

Mas voltando ao Gabriel, lembrei agora que, quando vim pra Curitiba, fiquei com medo de a nossa amizade degringolar. Mas não. Tudo continua igual a quando éramos crianças. Juntos a gente fala muita besteira, ri, inventa histórias... Adoro o Gabi! Não entendo porque minha irmã não é tão próxima dele como eu. Ah sim, tem um motivo. O Thor. O Thor era o cachorrinho que a família do Gabriel tinha. Então a Nica nunca ia na casa dele junto comigo e a nossa mãe.

E era na casa dele que a nossa amizade acontecia. Normalmente era lá que a gente se encontrava. As nossas mães se reuniam todos os dias pela manhã no atelier da mãe dele, que fica em uma edícula nos fundos da casa onde eles moravam, para pintar quadros sem nenhuma qualidade, e fofocar com muita intensidade. E eu ia junto quase toda vez, pra brincar com o MEU amigo, já que a escola era só à tarde. Enquanto isso, a Bianca estava em todo tipo de atividades extracurriculares em que conseguia se inscrever.

O Gabriel é dois anos mais novo do que eu. Nós nos conhecemos desde que ele estava na barriga da mãe dele. Minha mãe sempre lembra do quanto eu gostava de entreter o Gabe quando ele era neném, fazendo caretas e outras gracinhas. Aí ele foi crescendo, e eu também, e sempre me senti confortável perto dele. Ele era uma criança daquelas super fofinhas, sorridentes e educadas, sabe? Os adultos sempre o elogiavam, e as outras crianças faziam fila para brincar com ele.

E ele sempre demonstrou gostar muito de mim. Eu também me esforçava para agradar, sabia que precisava dessa amizade. Topava brincar do que ele quisesse. Normalmente eram jogos de tabuleiro ou videogame, ele sempre teve uns gostos meio nerds, que combinam bastante com a aparência dele: alto, desengonçado e míope.

Depois, teve a fase dos livros, essa foi ótima! Ele é muito fã de literatura e acabou me apresentando a esse hábito que mantenho até hoje. Líamos juntos e ficávamos horas discutindo as histórias depois.

Mas teve uma época, quando ele tinha uns 13 anos e eu 15, em que ele fingia que não me conhecia na escola. Eu entendia. Quem iria querer admitir ser amigo da menina esquisita? Ainda mais ele, que passou por uma fase tentando manter a pose de garoto popular. Depois passou, ufa!

Olha só que ironia do destino: hoje o Gabriel é psicólogo. Mas eu nunca pedi para ele me analisar ou me ajudar com minhas inseguranças. Nunca, desde a infância, nós nunca conversamos sobre isso. Então não seria agora que eu ia correr o risco de deixar nossa amizade esquisita.

Mas hoje, no meio das conversas com ele, mandei: "Fobia social. Você acha que eu tenho isso??"

O Gabriel escreveu, apagou, escreveu, apagou, e repetiu isso meio que umas mil vezes, até que me deu uma resposta. Depois calculei, pelos horários das mensagens, que ele tinha demorado seis minutos para me responder. Mas na hora pareceu que tinha demorado umas duas horas. Duas horas nas quais eu não desgrudei os olhos da tela do celular, e balancei a perna milhares de vezes. Nesse meio tempo eu quis apagar minha mensagem, mas não adiantava, já que ele já tinha lido.

Aí veio a resposta: "posso te ligar?"

Meu coração quase explodiu, eu vi tudo girando, minhas mãos começaram a suar (assim como as axilas e, de novo, a bunda; coisa desagradável), e dessa vez fui eu que demorei a responder.

"Agora não dá, tô no estágio"

Depois de tanto pensar, eu podia ter inventado uma mentira melhor, né? Eu nem faço estágio! E será que eu comentei com ele que ainda não fazia estágio? Não consegui lembrar, minha cabeça estava bugada de um jeito diferente do que acontece quando preciso ter alguma conversa mais séria, ou falar com alguém conhecido.

A resposta do Gabriel foi que ele também não ia poder continuar conversando agora, porque o paciente chegou. Mentiroso!

Eu não devia ter puxado esse assunto. Degringolei nossa amizade. Que droga!

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