6 - Anjos Lamentadores

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- Você confia naquele cara, mesmo sem saber quem ele é? Legal, você sonhou com eles inúmeras vezes, mas não é como se o conhecesse de verdade. - A Liah falava, enquanto eu abria a velha lata onde a chave do alçapão estava escondida.

- Não, Liah. Eu sinto como se realmente o conhecesse, de outras épocas, apenas não consigo lembrar delas. - Olhei para ela, há muitos anos éramos amigos, contudo, parecia que eu conhecia o Doutor muito mais que a ela própria. Fixei meu olhar nos olhos negros dela e levantei minha mão direita, já com o que procurávamos em punho. - E tem mais, tenho a leve impressão de que ele sabe sim o que aquelas coisas querem.

- Como você sabe da existência dessa tal sala de balé?

- Se lembra que eu disse que consegui um emprego? Então... - de fato, eu estava trabalhando na loja de roupas L&C.

Ela me abraçou, o sempre apertado abraço com o qual eu estava acostumado. Escutei nossos corações descompassados entrarem em sintonia e logo em seguida seus lábios contornando os meus, um beijo macio e saboroso, porém, desconfortável.

Sempre tive consciência dos sentimentos que habitavam as profundezas do coraçãozinho dela, e eu juro, juro que queria corresponder-la, mas isso jamais seria possível, e ela sabia disso.

- Sempre juntos? - Perguntei.

- Sempre.

Segurei a mão suada da minha amiga e nos levei de volta ao primeiro andar, onde Suzane e o Doutor olhavam sem piscar os anjos.

- E agora? - A bibliotecária questionou.

- Corremos, sem olhar para trás. - O Doutor respondeu, como se lê-se meus pensamentos.

Nós corremos, pegando o caminho por baixo da escadaria, não podíamos olhar para os nossos perseguidores, eles tinham que nos seguir até o salão. No meio do caminho escutamos um grito, algo agudo e doloroso. Ao olharmos nossa retaguarda, lá estava, esparramado no chão, o corpo da Sra. Suzane, bem aos pés dos anjos. Sua cara era uma mistura de dor e medo e seu pescoço, tombado para o lado, quebrado.

Liah caiu no chão ao ver a mulher sem vida, mas o pior foi vê-la levantar e começar a falar. A voz da bibliotecária parecia com a de um robô, sem sentimentos, sem ritmo. Agora nossa amiga servia de interfone para as estátuas, e não parava de repetir:

- Você não vai conseguir Doutor. Ele é nosso e somente nosso, cometeu o mesmo erro de novo. Parece que nunca aprende, erra e erra, e erra novamente. - Ela não parava de repetir aquilo e eu já me questionava qual era esse tal erro.

- Continuem! - Ele gritou, não me dando chance de fazer uma pergunta sequer.

Nós três seguimos, comigo na dianteira e os dois na retaguarda. Abrimos uma porta antiga e azul no final do corredor, entramos e deixamos a porta aberta para que eles pudessem entrar também. Eu andei na direção do conhecido alçapão de madeira, velho e pesado, e o abri, convidando todos a descer a pequena escada que levava ao seu interior.

Lá dentro uma luz fraca vinda de uma mínima cavidade na parede esquerda refletia nos muitos espelhos do salão, fazendo com que a sala inteira ficasse iluminada. Nos esprememos contra uma barra de metal, enquanto os anjos entravam um por um na sala e paravam em seguida.

- E agora? - Liah perguntou.

- Se eu estiver certo, eles não irão se mexer por tempo suficiente para os colocarmos em circulo, um de frente para o outro. Liah, não tire os olhos desses três, ok? - Observei ela assentir e continuei: - Doutor, você vira o quarto anjo para a parede esquerda, enquanto eu o observo, sabe, só para prevenir.

E assim foi, até termos virado os quatro anjos, um de frente para o outro. Depois o Doutor disse:

- Adeus, Anjos Lamentadores.

A Busca Pelo DoutorOnde histórias criam vida. Descubra agora