Por HadesOs primeiros meses de casamento passaram mais rápido do que eu gostaria. Durante esse tempo eu conhecia cada vez mais Perséfone, e mesmo que me parecesse impossível ela me prendia cada vez mais. Minha esposa era uma mulher doce, mas possuía uma rebeldia muito sedutora, era inteligente e observadora. Era comum que passasse muitas horas do dia em silêncio, refletindo, e as conclusões que chegava geralmente me surpreendiam. E a essa altura já conduzia os julgamentos comigo com total aptidão, pois possuía um senso de justiça aguçado.
Um de seus passatempos prediletos era cuidar daqueles campos, ela fazia brotar, ervas, flores e frutos de espécies que eu jamais havia visto. Comumente me trazia em bandejas suas novas criações, ansiosa para que eu as provasse, esses momentos me enchiam de alegria. Perséfone também fabricava incensos de alecrim e sálvia para queimar durante os julgamentos, segundo ela trazia clareza à mente para que tomassemos boas decisões. Eu adorava observá-la, me contando despretensiosamente esses detalhes, sobre sua vida antes de me conhecer ou qualquer outro assunto que surgisse.
Outra característica que me surpreendeu nela era o quanto podia ser exigente. Como rainha ela passou a organizar os servos e algumas tarefas do reino, tomou essa decisão por vontade própria, e percebi que a agradava muito deixar um pouco de sua essência nos detalhes do reino também. Eu notava as pequenas mudanças que ela realizava, me perguntava se tornaria mais fácil ter essas provas evidentes de sua existência quando ela estivesse na superfície.
Mas nada poderia me preparar para a falta que ela faria quando não estivesse dividindo a cama comigo. Perséfone se revelou uma amante apaixonada e até atrevida. Era fácil para ela me seduzir com suas palavras e gestos provocantes, poucas foram as noites que não nos amamos. Esta deusa me tinha na palma de sua mão. E eu não reclamaria de ser subjugado por ela. Afinal eu prometi ser devoto quando a pedi para ser minha, e eu cumpro minhas promessas.
Naquele dia em particular minha esposa estava mais silenciosa que o costume, observando o julgamento de uma senhora solitária que não casou e nem teve filhos. Viveu preocupada em atender seus patrões, trabalhando até a morte e esqueceu-se de sua família. O belo rosto de Perséfone estava concentrado nas imagens do rio que refletiam a vida vazia daquela senhora. Sem dizer uma palavra.
- Tem algo a perturbando? - questionei a retirando de seus pensamentos, ela levantou o rosto para mim com expressão de quem não tinha escutado
- A mim? - ela ponderou - estava apenas refletindo
- Sobre o que? - insisti
- Antes de me conhecer, você pretendia se casar um dia? - questionou
- Estava pensando que eu seria solitário como aquela mulher? - eu ri
- Na verdade não - ela mordeu os lábios como se estivesse tentando segurar as palavras - quando cheguei aqui, este trono já existia, por acaso teria sido feito para outra dona, ou era só uma mobília feita por capricho?
- Perséfone, nunca houve outra mulher a quem eu entregaria seu trono - esclareci - eu o fiz quando decidi trazê-la para cá
O olhar de Perséfone me encarou desconfiado
- Nunca mesmo? Nem a Minthe? - ela questionou a voz arrastada estalando a língua nos dentes
Aquela conversa certamente se estenderia, então levantei minha mão em sinal para que interrompesse o fluxo de almas para os julgamentos.
- Do que está falando? - questionei - não negarei que antes de conhecê-la eu me envolvi com esta ninfa. Mas meu coração só pertence a você
Ela respirou fundo, estava nitidamente desconfortável.
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Perséfone - da luz à escuridão
Romans"Meus olhos demoraram para acostumar com a falta de luz, mas quando finalmente pude enxergar cada brilho singelo e frio daquelas pedras, eu me transformei. Antes de você eu estava condenada a ser esquecida como uma ninfa das flores, mas você notou o...