XIV

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Os primeiros meses se passaram e o verão chegou, minha mãe empregou todo seu poder para fazer a terra se encher de novo. Nós duas viajamos por várias cidades abençoando as plantações por onde passávamos. Recebemos homenagens e oferendas. Ela me levou até seu mais novo templo em Elêusis, era belíssimo, uma honraria extraordinária até mesmo para um deus.

Os humanos já contavam a minha história, e me pediam que abençoasse suas colheitas e também seus mortos. Ouvi toda a espécie de pedido, desde de ajudar recém casadas a terem filhos, deixar uma mulher perfumada para atrair um marido, até que desse alguma erva para curar algum doente. Os idosos me pediam para falar bem deles quando chegassem até Hades. Eu fiz o possível para atendê-los. A sensação era semelhante a de ser honrada pelas almas nos campos Elíseos.

Os artistas prometeram retratar minha beleza em quadros e estátuas, e os poetas que escreveriam minha história. Eu os disse que quando retornasse do submundo iria buscá-los para apreciar minhas homenagens. Eu estava impressionada com o quanto minha história e meus feitos haviam se espalhado. Até mesmo sobre Minthe os humanos já comentavam.

A noite eles preparam uma grande festa, com um altar para mim e minha mãe. E na mesa as oferendas para nós incluíam romãs, diversos grãos, ervas e outras frutas. Como forma de homenagear meus símbolos e os de minha mãe. A festa durou muitas horas, as mulheres humanas dançavam em volta da fogueira ao som da música agitada dos bandolins.

Comecei a pensar como no último ano eu conheci mais sobre o mundo e sobre mim mesma do que em toda minha vida. Eu me transformei completamente. Fui de donzela, pura e virginal, a rainha do mundo mortos. Sai de meu belo vale ensolarado e florido, para entrar nos confins da terra e descobrir o amor.

Naquele momento uma pequena lágrima no canto de meu olho teimou em surgir. Eu estava condenada a viver eternamente sentindo saudades. Eu amava dois mundos distintos que jamais poderiam coexistir. Meu destino era ser dividida e ter o meu coração partido constantemente. Mas não poderia dizer que era infeliz, ao contrário, eu me sentia plena sendo duas. Uma hora eu era Koré, um hora eu era Perséfone.

E agora apreciando aquela festa em minha homenagem, eu desejava que Hades pudesse me ver. Eu gostaria de contar para ele pessoalmente como foi ser honrada dessa forma e como os humanos já contavam nossa história. Mas já estava ansiosa para escrevê-lo contando tudo em detalhes em minha próxima carta. Eu guardava com carinho as lembranças dele em uma caixa em meu quarto, as cartas, o meu broche de abelha, e uma mecha de seu cabelo que pedi para que ele cortasse e me desse de presente.

- Minha filha - minha mãe chamou minha atenção - está tão silenciosa, não está feliz com a festa?

- Oh sim - respondi saindo dos meus pensamentos - estou adorando, está lindíssimo

- Não parece tão feliz - mencionou - está pensando nele não é? - apenas maneei a cabeça e minha expressão confirmou a resposta

- Por favor, aproveite os momentos comigo, sei que o coração jovem e apaixonado é um tanto dramático - ela colocou as mãos em meus ombros - mas tenho certeza que se você for dançar em volta da fogueira ia se animar

- Pode ser uma boa ideia - afirmei sorrindo para ela

- Venha comigo - falou animada e me estendeu a mão

Virei o último gole de vinho da minha taça e me levantei com ela. Os humanos bateram palmas e se agitaram quando começamos a girar e pular juntas. Dançamos por horas, bebemos e rimos. A festa era semelhante às que fazíamos nos campos Elíseos frequentemente. E eu pude mesmo que por poucas horas aproveitar e me divertir plenamente.

No dia seguinte, quando minha mãe e eu retornamos para casa, os humanos realizaram um belo cortejo jogando flores e grãos por onde passávamos até a saída da cidade. Se me contassem eu jamais acreditaria o quanto nós duas passamos a ser cultuadas, e quanto minha história se tornou relevante para os humanos. Eu era importante, eu trazia a primavera.

Perséfone - da luz à escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora