O Sumiço do Tridente de Posseidon

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Eu estou de volta. Essa frase foi a deixa para que os problemas e as coisas bizarras começassem a acontecer. E dessa vez, eu tive de ir parar no fundo do oceano por causa do roubo de uma das armas divinas mais poderosas que o mundo jáconheceu. É... acho que eu nunca vou ter férias.
Um dia de domingo. Apenas o barulho do mar, do vento e da
respiração de seu melhor amigo quebram o silêncio agradável.
Eu amava tudo isso. Naquele momento, enquanto Zaphenath e eu estivéssemos abraçados sentindo a areia macia ao nosso
redor, o resto do mundo não tinha importância.
— Eu queria que isso durasse para sempre. — o filho de Vigart sorriu para mim. Ver o brilho daqueles olhos de esmeralda outra vez era a melhor coisa do mundo.
— Eu também. Ah, meu amigo... Não faz ideia do quanto senti
sua falta. — sentei-me e escrevi nossos nomes na areia.
— Senti sua falta também, sabia? — disse, recostando a cabeça
em meu ombro — Hades me pedia para cantar para a esposa dele quase todo dia, mas... eu não conseguia. Não conseguia,
porque pensar na distância que me separava de você sempre me fazia chorar... e desafinar.
— Mas as lágrimas nunca mais te farão desafinar, tá bom? — o
incentivei a olhar-me nos olhos e acariciei seus cabelos — Eu não vou deixar que nada me separe de você, Fernando. Nunca mais.
Nossos lábios iam se tocar. Depois de todo aquele tempo, eu beijaria novamente aquela boca perfeita. E dessa vez... seria um
beijo de verdade. (E não igual àquele “beijo" desesperado que
tive de dar-lhe quando ele quase morreu afogado). Mas aí... algo
nos interrompeu.
No mar outrora pacífico, uma onda gigante formou-se. Parecia ter uns dez metros de altura. Instintivamente, Fernando e eu
corremos para o lugar mais alto. A onda arrebentou e o mar
acalmou-se extraordinariamente rápido, como se aquela onda
gigante nunca tivesse existido. Porém, o mais espantoso não foi a mudança repentina do mar. Mas sim, o que foi trazido pelas ondas. Ou melhor dizendo... quem foi trazido por elas. Na área de arrebentação, uma garota, de uns dezoito anos
aproximadamente, jazia inconsciente. Seus cabelos dourados e longos espalhavam-se ao seu redor na areia, sua pele era pálida e sem nenhuma imperfeição.
— Meu Deus! — Corri até ela e Zaphenath seguiu-me.
Ajoelhando-se, ele apoiou a cabeça da moça em seu colo e
checou sua respiração.
— Ainda está viva. — e debruçou-se sobre ela, fazendo
respiração boca a boca. Ver aquilo me fez sentir náusea. Por que isso tinha que ser tão semelhante ao dia em que eu tive de fazer
isso?
A jovem tossiu e gemeu baixinho.
— Como acha que ela veio parar aqui?
— Não faço ideia. E nem sei quem é. Mas, seja quem for...
acabou de ser salva. — então observou-a mais atentamente... e empalideceu — Ai, droga. Ai, droga! — disse, levando uma mão trêmula aos lábios.
— Fernando? O que houve?
— Essa aí é a... — ele não conseguia falar. Parecia alarmado — Eu... Eu já sei de onde ela veio.
— De onde?
A música profética foi ouvida ao longe. — ele recitou. Parecia que já ouvira aquilo umas mil vezes — A jovem dos cabelos de ouro foi banhada pela sabedoria solar. Mas, o cruel destino em sua sabedoria a aprisionou. E fez a doce melodia em palavras amargas e incompletas se transformar.
— O que isso quer dizer? — minhas mãos tremiam — Música profética? O que...
A jovem tossiu. O que interrompeu meu pensamento
instantaneamente. Seus olhos se abriram. Eram de um dourado
tão resplandecente e magnifico quanto o de seus cabelos.
— Ele… está furioso. — Disse. A voz estava rouca.
Fernando mordeu o lábio. Estava pálido.
— Eu não tô acreditando… — afastando-se rápido da garota, ele se pôs de pé — Não tô acreditando…
— Quem? — questionei. Era a que estava mais calma, afinal —Quem está furioso?
— P… P… Posseidon. — a garota tremia. De frio… ou de medo?
— O quê...? — subitamente, Fernando pareceu esquecer-se do pânico que outrora o tomara — Mas... Por que, Síbila? Por quê?
Síbila? Aquilo era sério? A Síbila de Eritreia estava mesmo ali?!
— O Tridente foi roubado, Menestrel. — explicou ela, e eu vi o medo se instalar nos olhos do músico de novo — Eles o
roubaram.
— Quem? — Foi minha vez de perguntar.
— Foram os... — então, ela sufocou. Ofegou. Ela se esforçava, como se quisesse dizer... não. Dizer não. Cantar algo. Entretanto, a única coisa que saiu dos seus lábios foi um rouco sussurro — Nove letras. Começa com T. — e desapareceu tão rapidamente quanto surgiu. Bem diante dos nossos olhos, como se tivesse se
misturado com os grãos de areia.
— Ai, meu Deus! Isso foi... — O filho de Vigart caiu sentado na
areia.
— Impressionante. —Completei.
— Eu ia dizer aterrorizante. Mas impressionante também serve.
— Muito bem... — respirei profundamente — Acho que temos uma missão a cumprir.
— Oi?! — ele levantou-se em um salto e limpou a areia das suas
roupas — Ah, não. Não, não, não e não. Laíres, nós mal
superamos o que houve lá no submundo! Aí você quer embarcar em outra aventura maluca?! Pode esquecer!
— Tudo bem, Sr. Corajoso. Se não quer me seguir, eu vou
sozinha, então. — Comecei a andar em direção ao mar.
— Espera! — sorri quando o vi correr e me tomar pela mão — Eu não quero ficar sozinho.
— Que bonitinho. — Eu ri, puxando-o pela mão. Só paramos quando a água já cobria nosso peito.
— Para! — Ele choramingou.
— Você não vai se afogar. — falei ao ver o terror em seu rosto —Lembre-se: podemos respirar nos domínios de Posseidon. E
aconteça o que acontecer... eu vou estar com você, tá?
— Você promete?
— Dou minha palavra. É só não soltar a minha mão, está bem?
Ele assentiu... e nós mergulhamos.

(Laíres: Você quer narrar, Fernando?)
(Fernando: Para evidenciar meu pânico naquela hora? Não.
Obrigado.)
(Laíres: Ora, vamos! Só um pouco, sim?)
(Fernando: Tá bom! Eu narro, então!)

Como descrever da melhor maneira o que senti ao mergulhar naquele mar de águas geladas sem parecer um medroso? Digamos que o que senti foi... Tá bom! Não tem como esconder! Me chamem de medroso se quiserem! Mas a verdade é que eu estava EM PÂNICO! Quando Laíres mergulhou e me puxou
junto, eu senti imediatamente meus pulmões se fecharem.
Enquanto uma parte de mim dizia “Você pode respirar”, a outra gritava Eu vou me afogar! Vou me afogar! Vou me...”
— Fernando — Laíres me segurou pelos ombros e me sacudiu. Estávamos mesmo no fundo do mar. No meio de toda aquela biodiversidade que incluía criaturas que vocês aí do Mundo Sem Magia nunca sonharam que poderiam existir — Fernando! — eu sentia que ia sufocar e desmaiar se continuasse prendendo a
respiração — Pelo amor de Deus, criatura! Você PODE respirar!
Acalme-se, tá? Só... respire. Respire.
E eu soltei o ar que estava prendendo. De fato, meus pulmõesnão se encheram de água. Eu não me afoguei, afinal. De fato... eu conseguia respirar.
— Desculpa. — falei, respirando profundamente de novo — É só
que…
— Tá tudo bem. — e tomou-me pela mão outra vez — Vamos.
Seguimos o restante do caminho em silêncio. Ela, nadava na
frente, puxando-me consigo. Nadava rápido, de modo que me esforcei para continuar segurando sua mão. Aí, por fim... ela parou. Parou diante de um imponente palácio feito de conchas, onde monstros marinhos e (desviei os olhos ao notá-las) sereias montavam guarda.
— E aqui estamos. — falei em um sussurro — O Palácio de
Posseidon.
Os que guardavam os portões abriram passagem para nós. Será que Posseidon já sabia que iríamos até ele? Será que ele enviara a Síbila? Tive de guardar essas perguntas para mim.
Os grandes portões se abriram. A sala do trono do deus dos
mares era exatamente como eu vira nos livros da Biblioteca
Dourada: chão de pedras magnificas e raras; teto de estrelas marinhas (quase um céu subaquático) e no centro do esplendor, sentado em um trono todo feito de conchas. Posseidon olhou-nos com seus olhos azuis tempestuosos. O longo cabelo branco e a barba também grisalha flutuavam de um modo sinistro. Não deixei de notar a impressionante semelhança entre ele e Zeus.
— Tá... — Laíres deu um passo adiante — Chegamos. E aí?
Impressionante a sua formalidade, Flautista! Tá vendo que eu ia chegar pra um deus e dizer “E aí? Tudo em cima?” Nem louco! Eu ainda quero ter minha cabeça sobre os ombros, viu?
— Vocês vão recuperá-lo.
— Simples assim? — ela rebateu — Se parece algo tão fácil, por
que você mesmo não faz?
Mordi o lábio. Pronto! É agora que a gente morre.
— O que... O que ela quer dizer é que... hum... — gaguejei —
Nós... Não sabemos.
— A Síbila não lhes disse?
Negamos em conjunto.
— Ela só disse... — explicou Laíres — Que o nome das criaturas que roubaram começa com a letra...
Aí, de súbito, ela congelou. Ficou imóvel. Suas pupilas dilataram
até ficarem do tamanho de duas moedas.
— La... La... Laíres? — senti o medo me dominar de novo. Ela
não me respondeu. Continuou imóvel. Focando o espaço — Po... Pode me ouvir?
Sem resposta. Ela continuava paralisada. Como que em transe. Como se visse algo além de tudo que havia ali.
— O que há com ela, rapaz? — Questionou Posseidon.
— Não sei! Eu... — senti lágrimas de medo queimarem em meus
olhos. Então, quando pensei que o desespero ia me tomar o ar
outra vez, ela piscou e cambaleou. Amparei-a depressa quando quase caiu.
— Eu... Eu já sei quem roubou seu tridente, Posseidon. — disse ela ao recuperar o equilíbrio. Suas mãos tremiam e estavam
estranhamente quentes — Já sei quem roubou e sei onde estão
mantendo.

(Fernando: Sua vez.)
(Laíres: Eu te deixei assustado?)
(Fernando: É o quê?! Fiquei apavorado!)
(Laíres: Medroso.)
(Fernando: Laíres!)
(Laíres: Quê? Você é.)

Eu entendo que ele tenha sentido medo. Muito embora eu esteja provocando ele... eu também senti. Tudo... Tudo aconteceu tão de repente! Eu simplesmente não esperava!
— O que... O que ela quer dizer é que... hum... Nós... Não sabemos.
Ah, Fernando! Se fosse eu, teria dito simplesmente que eu não
tenho a obrigação de saber onde os deuses perdem seus
brinquedinhos. Que é? Não é verdade?
— A Síbila não lhes disse?
Nós dois negamos.
— Ela só disse que o nome das criaturas que roubaram começa com a letra...
E foi aí... que as coisas ficaram estranhas.
A voz sumiu da minha garganta. De repente, os sons ao meu
redor ficaram abafados. Lentamente, aquele palácio de conchas desapareceu e deu lugar a um castelo (também subaquático) em ruínas. No centro daquela construção destruída, o tridente reluzia em um pedestal. E embora não se visse ninguém
próximo dele, eu sentia aquela presença e pude ver coisas se
movendo nas sombras. Foi aí... que o nome delas surgiu em
minha mente. Então senti o toque do Menestrel Douradiano e a visão se desfez.
Sentindo uma fraqueza súbita, perdi o equilíbrio. Fernando amparou-me com rapidez. Os olhos de esmeralda
brilhavam com pavor... e dúvidas.
— Eu já sei quem roubou seu tridente, Posseidon. — declarei — Já sei quem roubou e sei onde estão mantendo.
— Quem?! — o deus se levantou abruptamente — Onde?!
— Foram os Telquines. Estão se refugiando nas ruínas do seu
antigo palácio. — os olhos dele faiscaram de fúria — Mas nós o recuperaremos.
— Mas espere! — ele nos deteve antes de sairmos — Como você
soube? Como soube onde o tridente estava?
Senti meu sangue gelar.
— Eu... apenas vi.
E puxei o filho de Vigart para fora daquele lugar antes que o
deus dos mares me fizesse mais alguma pergunta.
— Wow! — ele exclamou — O que... O que foi aquilo?
— Hum...?
— Como você soube assim de repente?
Dessa vez, fui eu que senti dificuldade para respirar
— Não sei. Eu... vi. Só isso. Eu simplesmente vi.
— Viu? — Fernando continuou. A vontade que eu tinha era de
gritar para que calasse a boca — Tipo... Teve uma visão? Mas só
um Oráculo poderia ter uma visão tão precisa! Laíres, você tem ideia do que...
— DÁ PRA VOCÊ CALAR A BOCA?! — Me exaltei e larguei-o bruscamente — Que droga, Fernando! Eu NÃO SOU um
Oráculo, tá legal?! Você pensa que eu quero prever o futuro?!
Acha que quero isso para mim?!
Ele baixou a cabeça. Senti-me culpada na mesma hora. Ele não tem culpa. Você teve mesmo uma visão. E se ele estiver certo? E
se você estiver mesmo prestes a se tornar um Oráculo?
— Eu... — seus olhos não me alcançaram — Me... Me desculpe. — A voz tremeu.
— Vem cá. — o puxei para um abraço — Sou eu que peço
desculpas, tá bom? Você não tem culpa por isso estar
acontecendo comigo. Eu só... me exaltei. — e tomei-o novamente pela mão — Vamos. Vamos acabar logo com isso.
                   ● ● ●
A sensação de chegar àquele palácio em ruínas não foi nada
boa. Assim que paramos diante do refúgio dos Telquines, a água pareceu escurecer mais que o normal. A magia que outrora nos mantinha respirando pareceu enfraquecer. Ainda respirávamos, mas parecia ser questão de tempo até que ficássemos sem ar.
— Vamos. — Falei, tentando controlar minha respiração.
— Não... consigo. — Zaphenath parou. Estava ofegante. Se eu
tentasse adivinhar qual de nós perderia o ar primeiro,
certamente diria que seria ele.
— Aguente firme. — segurei sua mão com mais força — A gente
vai conseguir.
E adentramos o local.
A parte boa, o tridente estava mesmo no pedestal e não havia
ninguém o guardando. A parte ruim... eu ainda sentia aquela
presença. Eles sabem que estamos aqui.
— Não... Não podemos só pegar o tridente e...
Num movimento rápido, tapei sua boca.
— Não fale, Fernando. — sussurrei — Não se mova rápido demais também. Eles sabem que estamos aqui.
Ele assentiu. Devagar, tirei a mão de sua boca e mandei-lhe uma mensagem silenciosa com os lábios: "Não fale”.
Afastando-me dele, nadei com cautela até o valioso objeto e
peguei-o rapidamente. Naquele instante, a presença ficou mais
forte. Eles sabem que peguei o tridente. Estão só esperando para atacar.
Quase que por instinto, joguei o tridente para o filho de Vigart.
Ele agarrou-o desajeitadamente. Íamos conseguir. A arma de
Posseidon fora recuperada com êxito. Nós só tínhamos que...
"Eles vão atacar", disse uma voz dentro de mim. E certamente...
não era a voz da minha consciência.
— Fuja, Fernando! — Gritei. Meu coração batia acelerado.
— Mas...
— FUJA!
E ele afastou-se o mais rápido que pôde. Não sabia nadar, mas usou o tridente para tomar impulso. Estava quase fora do
palácio. Quase em segurança. Quase em um território onde ele poderia respirar bem, mas...
— Vocês não vão a lugar algum. — Disse uma nova voz. De
repente, tanto eu quanto Zaphenath ficamos paralisados. Os pulmões fechando-se lentamente. E aí... eles surgiram.
Como descrever os Telquines de uma maneira menos... bizarra?
Bem, infelizmente... essa maneira não existe. Logo, aquelas ruínas encheram-se de criaturas que eram uma mistura esquisita entre cachorro, foca e homem. Cada um deles carregava uma
lança e rosnava para nós dois, como se fôssemos suas mais
novas presas. E... tinha a mulher também.
Ela surgiu do nada por trás do Filho de Vigart e tomou o tridente das suas mãos; usando-o para prendê-lo logo em seguida.
— Se fizer algo a ele, — ameacei. Os músculos do meu corpo já
começavam a doer. A respiração estava cada vez mais difícil —
Eu vou fazer você se arrepender de ter nascido.
— Sabe com quem está falando, garota? — grunhiu a mulher.
Com a ponta do tridente, ela tocou o diamante do músico.
Ele ofegou. Foi como se aquele gesto tivesse dificultado ainda
mais sua respiração
— Eu sou Hália, irmã dos Telquines! Irmã dos forjadores deste tridente. Portanto... — e largou Zaphenath. O rapaz caiu de joelhos — Ele me pertence.
Livrando-me da paralisia que me continha, corri até ele. As mãos tremendo de raiva. Essa mulher mexeu com a pessoa errada.
— Eu não tô nem aí para quem você é. — grunhi. Meus braços
envolvendo o Menestrel Douradiano, que agora lutava para respirar — Se tocar nele de novo, eu te empalo com essa droga de tridente e degolo cada um desses seus irmãos imundos!
Hália e seus irmãos gargalharam.
— Vai ser divertido matar vocês dois. Posseidon escolheu uma
boa dupla para me enfrentar. — e olhou para os homens/focas/cachorros — Eles são todos seus, meus amados
irmãos!
Dito isso, os monstros avançaram...
"Use a luz", disse aquela voz de novo. Era uma voz antiga.
Parecia ser de algo milenar.
“Luz?” indaguei mentalmente.
"Transforme-a em arma".
E foi isso que eu fiz.
Os monstros estavam chegando perto. Eu já podia sentir seu
hálito pútrido. Mas aí...
Elas surgiram. Surgiram magicamente em minhas mãos quando me afastei de meu amigo e encarei minha adversária. Agora, eu portava duas espadas luminosas. Suas lâminas curvas brilhavam tanto quanto o sol do meio-dia e emitiam tanto calor quanto a mais quente das fornalhas. Sem me perguntar como raios eu fizera aquilo, eu ataquei. Giros rápidos, golpes fatais, calor mortal. E não demorou muito até que os cinquenta monstros que ocupavam aquelas ruínas fossem esquartejados. O sangue negro deles manchou a água, tornando-a ainda mais escura.
— O que você fez?! — Os olhos azuis de Hália brilharam com
ódio. Seus longos cabelos loiros estavam manchados com o
sangue dos irmãos — Sua bruxa! O QUE VOCÊ FEZ?!
— Te dei o que merecia. — com um meio sorriso em meus lábios, eu tomei o tridente de suas mãos e esfaqueei sua garganta. Bem
na jugular. Para que engasgasse com o próprio sangue divino —
Para que sinta como é se afogar. Apodreça no Tártaro.
E eu a vi se desfazer em pó. Vi o que sobrou dos Telquines se
dissipar na água. E por fim... vi as espadas luminosas
desaparecerem das minhas mãos. Eu segurava apenas o tridente agora.
Quando tudo acabou, corri para o filho do feiticeiro. Estava
semiconsciente. Meus pulmões também não aguentariam por
muito mais tempo se eu continuasse ali.
Por isso, sem pensar duas vezes, eu nos tirei dali. Levei-nos de
volta às águasclaras. Aos domínios de Posseidon. Sentir o ar enchendo meus pulmões outra vez foi a melhor sensação do
mundo. E aparentemente... isso revigorou o músico também.
— Ai, Deus... — ele murmurou, respirando profundamente.
Ainda estava um tanto atordoado — Eu... Como você fez?
— Como fiz o quê, Fernando? — Foi minha vez de suspirar.
— A coisa com as espadas! Como você...?
— A falta de ar mexeu com sua cabeça. — disfarcei — Está
delirando.
— Não! — protestou — Eu não tô não!
— Está sim. Anda. — amparei-o, sustentando o peso do seu
corpo — Vamos para casa.
Naquele fim de tarde, devolvemos o tridente para o deus dos mares e voltamos para o Palácio Dourado.
— Tem certeza que está bem? — Perguntei ao filho de Vigart
quando chegamos em seus aposentos e ele praticamente atirouse na cama.
— Eu estou bem. — disse — Posso respirar bem de novo, afinal. Mas, por favor, Laíres... — ele choramingou — Não me pede
para chegar perto do mar de novo. Essa... Essa missão só serviu para aumentar meu medo!
— Tudo bem. — Ri levemente.
— Mas... e você?
— Hum...?
— Está bem?
"Não.", eu queria dizer. Aquela visão ainda passava em minha
mente como um filme e eu ainda sentia o calor daquelas espadas
incandescentes em minhas mãos. E aquela voz... O que estava acontecendo comigo?!
— Eu vou ficar. — Foi tudo que eu disse antes de deixar o quarto e voltar para minha casa. Lá, já era noite. Através da porta do
meu quarto, ouvi minha mãe me chamar para jantar. Cansada,
apenas respondi que estava sem fome e que iria dormir mais
cedo.
Visões.
Uma voz antiga.
Espadas luminosas.
Enquanto dormia, uma parte de mim se perguntava o que estava acontecendo comigo. Qual era meu destino. E chegaria o dia...
em que as respostas viriam. E quando viessem... viriam do modo mais inesperado possível.

As Aventuras de Laíres e Fernando na Terra da Imaginação: Do Fim ao Recomeço Onde histórias criam vida. Descubra agora