Onde Estão Os Oráculos?

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Certo. Isso foi deprimente. Eu sei, leitores! Eu não deveria entediá-los com minhas dúvidas amorosas, mas... eu precisava desabafar com alguém. Espero que me entendam. Entretanto, este não é exatamente o assunto principal deste capítulo. Na verdade, vou lhes contar pelo que passei poucos dias após ter vivido toda aquela confusão.
Era noite na Terra da Imaginação. Uma noite estranhamente fria. No ar, pairava uma estranha sensação. Um estranho pressentimento de que, naquela noite, a semente de um grande problema seria plantada... e cresceria numa rapidez absurda. Após jantarmos, subi as escadas em silêncio. O sangue rugindo em meus ouvidos. “Algo está errado”, dizia o Espírito Oracular “Muito errado". Bem... eu sabia disso. Sentia isso. Não precisava que ele me avisasse. Mas... O quê?
— Laíres? — só naquele instante me lembrei que Fernando estava ali — Você tá bem?
Neguei com a cabeça.
— Tem alguma coisa errada. — murmurei, andando pelo corredor e parando diante da porta do meu quarto — Você não sente, Fernando?
— Hã... — ele girou em seu dedo o anel que Vigart lhe dera. A frase “Volte para nós, guerreiro!” gravada ao redor da pedra branca apareceu e desapareceu á medida que o anel rotacionava — Não. O que eu deveria sentir mesmo?
— Esquece. — Suspirei — Boa noite, Zaphenath.
— Hã... Tá. — seu corpo estremeceu — Boa noite, então.
Deitando na cama, fechei meus olhos. Eu sabia que elas viriam. Sabia que teria alguma visão. Mas, pela primeira vez, eu quis que ela viesse. Quis que me explicasse o porquê dessa aflição crescente em meu peito. E acontece... que meu desejo foi atendido.
“Eu estava no submundo Egyptiliano. No Duat. Diante de mim, uma fortaleza pálida se erguia imponente. Fortaleza essa... que nunca estivera ali antes. Á medida que eu me aproximava, eu me perguntava como Set a construíra tão rápido. Claro, ele tinha seus poderes divinos e uma horda de seres malignos ao seu dispor, mas... ainda assim... aquilo era grande demais para se construir em apenas três dias. Com essas perguntas e um medo sufocante girando dentro de mim, eu adentrei aquilo.
E, lá dentro, eu vi algo simplesmente apavorante.
Quatro celas e uma aljava de ouro. Nas celas, Herófila, o Oráculo de Delfos e Trofônio haviam sido aprisionados. Na aljava, uma flecha de carvalho com belas plumas verdes. Shakespeare.
— Pegamos todos, Set! Todos! — Disse o homem que caminhava ao lado do deus. Zorrino de Noáh. Só de ver aquele rosto eu já pude sentir a raiva explodindo em meu peito. (O que ele fazia ali? Fora escravizado por Set ou o estava bajulando para não ser morto? Sinceramente, se o Set o matasse eu o agradeceria umas mil vezes).
— Não. — ele apontou para uma última cela. Estava vazia. As grades eram feitas de ouro puro — Falta um. E esse... eu faço questão de torturar até a morte.
Epa! Espera lá! Se Set havia capturado todos os Oráculos... e só faltava um... Eita! Era eu!
— Acho que Rá não gostaria se...
— Meu pai é só um velho! — Ele praticamente cuspiu essas palavras — Quando a Sabedoria do Deserto for capturada, eu poderei controlar o destino!
Assim, tudo se desfez, ao som da gargalhada cruel da personificação do mal.”
— Laíres! Laíres! Acorda, por favor... — abri os olhos e me deparei com olhos verdes apavorados. A quanto tempo ele estava tentando me acordar?
— Eu preciso salvá-los. — saltei da cama — Preciso ir agora mesmo.
— Sal... Salvá-los? Salvar quem? O que...?
— Os Oráculos. — expliquei, pegando uma túnica longa e um manto no guarda-roupas — Eles foram capturados. E eu... sou a próxima.
— Então não pode ir! Eles... Eles vão te raptar! Laíres, por favor...
— Eu preciso. — acariciei seus cabelos — Eu voltarei. Salvarei os outros... e voltarei. Voltarei para você.
— Toma cuidado, tá? — ele me abraçou apertado.
— Eu vou tomar. — e soltando-o devagar, deixei que saísse do quarto. Após me vestir, usei meus poderes para me tele transportar.
Surgi no reino de Egyptum. Em frente ao meu templo. Por que meu poder sempre me fazia ir parar ali? Por que não fui direto para o Duat? Seria tão mais fácil! É, Oráculo... Acho que você vai ter que aprimorar suas habilidades.
— É claro que as coisas não iam ser fáceis. — Resmunguei antes de seguir caminho pelo deserto. Fazer aquele trajeto a pé só me lembrava das coisas que eu mais queria esquecer do dia em que Set quase me matou... e do fim dos nove meses, naquele dia 20 de dezembro de 2015, quando tive de enfrentar o calor mortal daquele lugar para salvar o Fernando das mãos de um cretino.
Droga de lembranças!
Elas insistiam em vir com flashs ofuscantes. Achei até que, se eu não tivesse adquirido uma tolerância muito maior ao calor desértico depois que me tornei Oráculo, eu certamente estaria vendo miragens. Miragens que retratariam aquelas lembranças que giravam em meu cérebro enquanto eu caminhava.
DROGA DE LEMBRANÇAS!
Droga de lembranças!
Droga de...
— Eu posso saber onde pensa que está indo, Oráculo?
Girei rápido nos calcanhares e me deparei com Anúbis. Naquela hora, o deus dos funerais assumira uma forma bem mais... humana: diante de mim, havia um homem alto e jovem. De uns 20 anos, aproximadamente. A pele era branca e os olhos escuros eram penetrantes. Ainda continham aquele mesmo olhar afiado de chacal. Usava roupas longas e negras que o faziam parecer um padre, e os cabelos de um preto tão escuro quanto o ébano estava despenteados e deixavam á mostra orelhas levemente pontudas que o faziam parecer com um elfo selvagem.
— Uau... — pisquei, boquiaberta — É...
— Eu vou perguntar de novo: onde pensa que vai?
— É o seguinte, Chacal. Isso... — ajeitei meu capuz — Não é da sua conta. — Um sorriso torto dançou em meus lábios.
— Oráculo... — Rosnou. Seu olhar afiado me fazendo sentir um calafrio — Diga.
— Submundo! — admiti — Duat! Vou salvar os outros Oráculos! Satisfeito?!
Ele suspirou.
— Você não tem jeito mesmo, não é? Acorde, Oráculo! — segurando-me pelos ombros, me sacudiu — Se seguir com isso, meu pai vai te matar!
— SE EU NÃO SEGUIR COM ISSO, TODO MUNDO VAI MORRER! — devolvi, aos gritos — Que droga, Anúbis! Se eu não for, seu pai e Zorrino controlarão o destino e o Primeiro Criador! Enxerga!
O filho de Set recuou. Aparentemente, minhas palavras o haviam mesmo feito repensar.
— Tenho medo que meu pai te faça algo. Você sabe o quanto...
— Eu vou é chutar o traseiro dele. E vou transformar o Zorrino em churrasco. Acredite.
Aquele comentário o fez rir.
— Eu não duvido. Está bem. Vamos. Eu a guiarei até a fortaleza. E lutarei com você se…
— Essa luta é minha.
— Que seja, então.
Começamos a caminhar. Quilômetros e mais quilômetros de areia se estendiam adiante. Eu até cheguei a perguntar, enquanto andávamos, por que Anúbis não nos levava direto para o Duat já que ele tinha esse poder. Mas, tudo que recebi foi um “Continue andando". Sério: Por que Rá mandara aquele chacal me proteger? Eu sabia me cuidar! E caso eu precisasse de uma ajuda maior, poderia invocar o Josué se quisesse. Então, porque logo ele?!
Seguimos adiante até vermos algo ao longe. Um ser que só de olhar já dava arrepios. De medo? Não, Leitores. Me dava arrepios, por ela ser a criatura mais CHATA que já cruzara meus caminhos.
— Ah, pronto! — parei, cruzando os braços — A gente tinha que topar com essa aí.
— É o quê?
— A Esfinge. — resmunguei– Essa antipática só vai nos fazer perder tempo.
Seus olhos brilharam com raiva.
— Oráculo! Está proibida de falar assim dela!
— De quem? Dessa doida aí? — ri — O que sente por ela?
Ele enrubesceu.
— Nada! Ora essa! O que te faz pensar que sinto algo?
— Tem razão. — fiz uma careta — Isso seria... Eca!
— Laíres!
— Tá bom! Já parei!
A Esfinge nos aguardava como se fossemos duas apetitosas presas. Não! Retiro o que eu disse! Ela me olhava como se eu fosse uma presa. Para o Anúbis, ela olhava com raiva e... Opa! Aquilo era afeto nos olhos dela? Céus! É o apocalipse! Por que não gosto dela? Bem... Essa é uma história tão longa que vocês iam passar um século lendo isso aqui. Então, vou poupá-los desse pesadelo.
Ao pararmos diante dela, a criatura me lançou um olhar fulminante.
— Oráculo. — Grunhiu.
— É. Eu. Em carne, osso... — dei uma rodadinha — e beleza. Feliz em me ver?
— Eu vou esmagar seus ossos! — Rugiu, avançando.
— Eita! — recuei, olhando para Anúbis — Viu só?! Eu não fiz nada! Ela começou!
— Explique-se! — Ordenou ao deus.
— O que... — ele estremeceu — Quê?!
— Uh! — dei pulinhos — O amor está no ar!
— CALA A BOCA! — Disseram em uníssono.
— Tá bom! Calma, pessoal! — ergui as mãos — Não precisam me matar!
— Tô com vontade, Verme do deserto. — Os olhos ferozes dela reluziram.
— É Oráculo do Deserto, seu monte de esterco.
— Vocês duas QUEREM PARAR?! Lance logo seu enigma! Eu não tenho tempo para brigas infantis!
— O que vê nessa...
— Ei! — resmunguei — Sem xingamentos!
— Lance... o enigma. — Anúbis parecia querer mumificar nós duas.
Com aquele olhar faminto de antes, ela olhou para Anúbis, para mim e para Anúbis de novo antes de recitar, numa voz feroz e sinistra:
“Eu era muito novo, mas a morte decidiu me levar. Anúbis guiou-me ao Salão do Julgamento antes mesmo de adulto eu me tornar. Mas minha maldição, famoso me tornou. Não há um ser na Terra que meu nome nunca escutou. Quem sou eu?”
Os olhos de Anúbis faiscaram.
— Traição! — ele parecia irritado — Por que o mencionou?! Se quiser me ferir, crave essas suas presas em meu peito! ACHA QUE EU QUERIA LEVÁ-LO?! Ele era só... um garoto!
— Eu sei que você escolheu o chacal como seu animal sagrado pelo hábito que ele tem de desenterrar os mortos. Então, filho de Set... — ela se aproximou — Eu acabei de desenterrar algo também. Uma lembrança. — seus olhos me encontraram — Vamos lá, Oráculo. Se desvendar, te deixo seguir. Mas, se errar... — abrindo a boca, o ser mostrou seus dentes afiados: Os que estavam mais á frente, e outro conjunto de dentes tão afiados quanto uma navalha que ficavam bem no seu palato duro. Aquilo me fez estremecer — eu farei seu corpo em pedaços e você será meu almoço.
Pensei um pouco. Quem na história de Egyptum morrera tão novo? Quem fora chamado “rei-menino"? Quem fora o jovem faraó cuja maldição lançada em sua tumba matara várias e várias pessoas?
— Já sei! — estalei os dedos quando uma luz se acendeu em minha mente — Você é o rei Tut!
— Mas que droga! — eu vi a raiva cercá-la.
— Nunca duvide de um Oráculo! — Anúbis sorriu — Agora... deixe-nos passar.
— Que seja! Passem! Mas se eu te vir de novo, Oráculo... — devagar, ela começou a andar em minha direção — Se ousar dirigir uma palavra sequer a mim... eu estraçalho seu corpo.
— Mas... e a parte em que você se joga de um penhasco quando alguém acerta sua charada? — fiz biquinho — Eu queria taaanto ver isso!
— SAIA!
"Estraga prazer." Disse o Espírito Oracular. Aquilo me fez rir alto enquanto Anúbis me puxava, forçando-me a seguir adiante.
Seguimos o restante do caminho completamente calados. O único som que rompia o silêncio ensurdecedor era o do vento uivante. À medida que nos aproximávamos da entrada do submundo, minha ousadia começava a dar lugar ao medo. E... eu não temia por mim. Temia pelos outros. Temia pelo Primeiro Criador. Temia pelos Imaginary. Temia... pelo Fernando. O que seria deles se Set governasse?! O que seria...
Gritei quando a areia sob meus pés moveu-se e começou a me sugar para baixo. O que tá acontecendo?! Tentei usar meus poderes para controlá-la, para fazê-la me largar, mas nem o deserto quis me obedecer. Agindo com rapidez, Anúbis cercou minha cintura com faixas de linho que (sei lá como ele faz isso) começaram a sair de suas mãos e tentou me puxar. Por ordem dele, fantasmas surgiram do nada e agarraram-me com suas mãos geladas, tentando a todo custo me puxar para cima... mas nada adiantou. A areia acabou abrindo-se como uma fenda e eu caí... caí... caí... até chegar no meu destino. Até chegar no Duat. Mas... não exatamente da maneira que eu planejava.

As Aventuras de Laíres e Fernando na Terra da Imaginação: Do Fim ao Recomeço Onde histórias criam vida. Descubra agora