Egyptum

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Eu não queria aceitar. Não queria aceitar o que Trofônio dissera. Não queria aceitar que me tornaria um Oráculo. Entendam, leitores: eu achava a ideia de prever o futuro e de carregar o peso da dúvida de um monte de gente nas costas
simplesmente APAVORANTE. Já não bastava carregar o peso da
responsabilidade que eu tinha para com o Fernando? Já não
bastava ser a Flautista Mágica? Por que raios eu iria querer mais trabalho?! Mas acontece... que nem tudo é do jeito que nós queremos. O destino sempre acha um jeito de contrariar nossas vontades.

  Fui acordada pelos raios de sol que entraram suavemente pela
janela do meu quarto e tocaram meu rosto. Um novo dia. O dia
do tal evento no Olimpo. Por já me sentir revigorada, me
levantei, me arrumei e fui para o quarto do filho de Vigart.
Espero que ele esteja bem. Pensei. Eu não queria deixar de ir a
esse evento. A curiosidade era mais forte do que eu.
— Antes que me pergunte... — ele abriu a porta. Já vestia um
moletom amarelo de algodão, uma calça comprida de um roxo claro, uma capa esverdeada que lhe cobria os ombros e uma
boina da mesma cor da capa, que o deixava parecendo um pintor francês — Sim. Eu estou ótimo!
Comecei a rir.
— Você não dormiu? Desde que horas está arrumado?
— Hã... Eu não sei. Que é? Fiquei ansioso.
— Percebi. Está tudo bem mesmo?
— Ora, vamos! É claro que sim!

Assenti.

— Ótimo. Então nós tomamos café da manhã e vamos direto
para o Olimpo.
— Isso! — Ele seguiu à minha frente e desceu as escadas
correndo. Eu simplesmente não sabia se ria ou se ficava
preocupada ao ver toda aquela felicidade. Não sabia se tudo
aquilo era um sinal de que aquele seria o melhor dia de nossas vidas ou se era um aviso de que logo tudo iria dar errado. Em todo caso, nós comemos algo e fomos para o lado externo do
castelo.
— Tá... E agora? — olhei ao redor — Como a gente vai chegar lá em cima? Não estamos contando com as sandálias do Sammy dessa vez.
— Eu posso usar minha música. — Propôs ele, fazendo o alaúde
surgir em suas mãos. Em parte, aquilo ainda me assustava.
Domador de Melodias. Menestrel Douradiano. Será que aquele
seu poder melódico era seu único segredo? Mesmo o
conhecendo há uns dois anos, eu ainda não desvendara todos os
seus mistérios. Será que um dia eu viria a desvendá-los? — Mas
eu vou tocar de olhos fechados. Não quero nem ter que olhar
para baixo.
— Fernando, o Corajoso. — Fiz uma reverência.
— Ha-ha. Pronta?
Segurei-o firme pela cintura.
— Pronta.
— Então lá vamos nós! — e, fechando os olhos, ele começou a tocar. Era impressionante como, mesmo sem enxergar, nenhuma nota lhe escapava. Ele tocava fervorosamente, sem errar sequer um acorde. Ao som de sua música, nossos corpos foram erguidos do chão e nos começamos a subir... e subir. Quando alcançamos as nuvens, olhei maravilhada para baixo. A visão aérea do Reino Dourado e da fronteira que ele possuía com o Reino Jamysteri era simplesmente deslumbrante. Logo, chegamos ao lar dos
deuses. Quando o filho de Vigart parou de tocar, pousamos na
magnífica estrada de ouro onde Hermes já nos aguardava. Sendo
conduzidos por ele, nós seguimos em direção ao palácio de Zeus e lá entramos, sendo recebidos com alegria pelos demais olimpianos.
— Bela Dama! — o Oráculo saiu da plateia e veio até nós.
Sorrindo, abraçou-me. Era estranho olhar para ele e ver um belo rapaz de pele pálida e olhos escuros. Era estranho vê-lo
disfarçado quando eu já conhecia sua verdadeira aparência —Fernando! — soltando-me, ele estendeu a mão para o rapaz. Relutante, o músico apertou-a — Que bom que vieram.
Chegaram bem na hora.
— Hora de quê? — o brilho de empolgação voltou aos olhos do Domador de Melodias.
— Das apresentações. — ele indicou o palco. E aí... as maravilhas se mostraram. Revezando-se, as divindades começaram a apresentar uma variedade de performances. Desde dança até apresentações teatrais. Desde demonstrações dos seus poderes até duelos musicais.
Quando todos acabaram, Zeus e Posseidon foram até o palco.
Todos os olhares foram direcionados aos Dois Grandes.
— Agora, Laíres e Fernando... — Zeus sorriu para nós — O que
prepararam?
Nós nos entreolhamos.
— Olha, Zeus... — comecei — Na verdade, nós não temos...
— Já sei! — Fernando me puxou pela mão até o centro do palco.
— O que você tá fazendo? — cochichei.
Sem responder, ele se pôs a tocar e cantar. A música era animada e conhecida. Eu me lembrava bem de quando ele cantara aquilo no dia das crianças. Encorajada por sua animação, o acompanhei
na cantoria. Nossas vozes combinadas deixando a música ainda mais cativante. O público vibrou e se pôs a cantar junto. E qual não foi minha surpresa, quando o Oráculo de Delfos uniu-se a nós e completou nosso número com a dança mais magnifica que eu já vira. Eu não conhecia os movimentos. Era como se ele estivesse inventando cada passo naquele exato momento. Entretanto, seu corpo moveu-se de modo leve e perfeito, fazendo até com que eu esquecesse que ele era uma múmia.
Quando terminamos e nos curvamos em agradecimento, o salão explodiu em aplausos.
— Isso foi DEMAIS! — Apolo elogiou, vindo até nós — Vocês
foram... BRILHANTES!
— Hã... Obrigado. — Fernando enrubesceu.
— Valeu! — ri nervosamente.
— E desde quando você sabe dançar, Oráculo?
— Minha... Minha mãe era dançarina, milorde.
— Faz sentido. Bem... Isso foi fabuloso. Como dizem, o melhor
vinho sempre fica para o fim da...
— Esperem, pessoal! — disse um dos deuses, aproximando-se.
Pelas vestes sujas de fuligem e pela aparência, deduzi que aquele fosse Hefesto: o deus das forjas. Enquanto caminhava até o centro do salão, ele arrastava consigo uma espécie de cabine
móvel, toda feita de vidro. E em uma de suas mãos, havia algo
que se assemelhava a um controle remoto.
— Estou com um mau pressentimento. — senti um frio na barriga.
— Eu também. — O Oráculo estremeceu.
— Essa não... — a felicidade deixou o rosto do Menestrel — Se as coisas já eram estranhas quando só Delfos tinha esses
pressentimentos... Imagine agora.
— Senhoras e senhores! Deuses e Deusas! Mortais e Oráculos! —
Hefesto chamou nossa atenção — Eu tenho a honra de lhes
apresentar minha mais nova invenção! Esta máquina, promete levar qualquer um a qualquer lugar nos Três Universos num passe de mágica! E para provar a eficácia deste fabuloso invento... preciso de um voluntário.
— Eu vou. — dei um passo adiante.
— Não, Laíres. — o Oráculo segurou minha mão — Por favor... não. Estou sentindo que algo vai dar errado. Não quero que você...
— Eu amo essa sua preocupação. — beijei sua bochecha, mas me
arrependi no segundo seguinte quando o olhar de Fernando
encontrou o meu. Foi quase como se eu o tivesse esfaqueado
— Fernando...
— Esquece. — ele mordeu o lábio inferior e evitou olhar para
mim. Droga! Por que eu tinha que amar dois rapazes?! Por que
meu coração não conseguia escolher?! Suspirando, entrei na tal máquina de Hefesto.
— Boa viagem, minha jovem! — disse ele, antes de ligar a
máquina.
A sensação de entrar ali foi uma das piores. Quando a porta da
cabine fechou-se, aquela coisa começou a girar e girar. Sentindo meu estômago embrulhar, apoiei-me em uma das paredes de vidro e olhei através dela. O que vi foi algo pavoroso e fascinante ao mesmo tempo: o cenário ao meu redor mudou numa rapidez avassaladora. Enquanto eu olhava, o palácio de Zeus desapareceu e, em seu lugar, um deserto estendeu-se. Toda aquela multidão deu lugar ao vazio. Os aplausos dos deuses foram substituídos pelo silêncio perturbador. E o clima
agradável... deu lugar ao calor insuportável. Sem conseguir
suportar a alta temperatura, senti meu corpo ceder. A sede e a exaustão me vencendo e me fazendo cair nos braços escuros da inconsciência.

As Aventuras de Laíres e Fernando na Terra da Imaginação: Do Fim ao Recomeço Onde histórias criam vida. Descubra agora