Entramos no quarto do Mohamed. Me lembro que o arauto estava analisando alguns papéis em sua escrivaninha e levantou-se num salto quando chegamos.
— Ai, deuses! O que aconteceu?! — Seus olhos castanhos estavam arregalados — O que...
— Depois, arauto. — Trofônio o calou, e deitou a menina na cama do rapaz. O rosto dela estava pálido. Os arranhões por seu corpo sangravam. Ela parecia ainda pior do que quando a resgatamos — Depois.
— Uma dríade? Mas por que vocês trouxeram uma dríade pra cá, gente? Pra quê...
— Mohamed. — Chamei sua atenção. Indo até a Mandrágora, arranquei de seu cinto uma das frutas amareladas e a ergui.
— Mas é... É uma...
— Sim. — Concordei — É uma mandrágora sim. E antes que me pergunte, Mohamed, eu não sei. Não faço ideia do que deu em mim pra eu ter aceitado resgatá-la. Mas a questão é: ela não tá bem. E já que você era botânico antes de ser arauto...
— Quer que eu cuide dela. — ele sorriu, hesitante, mas seus olhos brilhavam com fascínio — Deuses. — riu baixinho — Ela é tão linda. E tão jovem. — abrindo uma gavetinha, o arauto pegou alguns fertilizantes que eu nunca vira no Mundo Sem Magia e começou a misturá-los, como quem prepara uma poção — Será que sabe do que é capaz? — Com calma, ele a faz ingerir a mistura... e as coisas acontecem como mágica. De um jeito tão rápido, que é difícil até de visualizar essa cena outra vez enquanto escrevo: quando o tal fertilizante tocou seus lábios, ela passou por um processo de cura extraordinariamente rápido. De repente, os arranhões sararam; a cor voltou á sua pele. As flores que adornavam sua cabeça (outrora murchas) desabrocharam de novo, novas e belas e aí... ela abriu os olhos. Como se o sopro da vida a tivesse atingido.
— Impressionante. — Sorri.
— Hum. — Trofônio cruzou os braços.
Recuperando totalmente a consciência, a menina recuou pela cama, assustada, quando seus olhos pousaram em Mohamed. Eu me perguntava o que estava se passando na mente dela naquele Instante. Imaginei que ela estivesse pensando que saira de uma prisão e estava entrando em outra. Talvez pensasse que o arauto iria maltratá-la. Talvez pensasse que aquele homem a trancaria numa cela e faria atrocidades com ela, assim como o Homo Canibalis fizera. Eu poderia ler a mente dela. Poderia descobrir
quais eram os pensamentos conturbados que giravam em sua cabeça, mas... eu me contive. Me contive, porque tivera a mente invadida há poucos minutos, e não foi uma experiência nada legal.
— Ei... — Mohamed aproximou-se devagar e sentou-se na ponta da cama — Calma. Eu não vou machucar você. — ela continuava encolhida. Tremendo. As mãos próximas aos frutos amarelos em seu cinto — Calma. — seu tom de voz era suave. Desprovido de medo e transbordando de paz — Meu nome é Mohamed. Mohamed Nigthgale. — estendeu a mão — Ninguém aqui vai te fazer mal, minha querida. Pode ficar tranquila, tá bom? Vamos. Vamos ver se tem forças o suficiente para andar. Venha. Não tenha medo. — ela por fim aceitou sua mão estendida. Meio relutante, deixou que ele a ajudasse a ficar de pé e caminhou, meio cambaleante, pelo quarto. As mãos segurando firmemente o braço forte do rapaz — Isso. — ele sorriu gentilmente e a ajudou a sentar-se na cama novamente — Muito bem.
— Parece que ela gostou de você. — Concluí.
— Ele era botânico. — Trofônio deu de ombros — Você esperava o quê?
O arauto riu. Ele agora estava sentado ao lado da Menina-Mandrágora. Um dos braços em volta dos ombros dela em um gesto carinhoso e protetor.
— Estou feliz por ter conseguido ajudá-la. — ele olhou-a nos olhos. Um sorriso trêmulo surgiu nos lábios dela — Mas e quanto ao... — Seu sorriso se desmanchou. Na mesma hora entendi o que ele quis dizer. Fernando. Como ele reagiria ao saber que havia uma das plantas que quase o mataram... ali, no palácio? Como...
— Eu já sei. — Todos nós viramo-nos em direção á porta. Em direção á voz. Zaphenath estava lá, de pé no vão da porta aberta. Os olhos verdes brilhavam com lágrimas. As mãos estavam cobrindo o diamante. O medalhão negro. Seu corpo inteiro tremia com pavor — Eu já sei.
— Ah, Fernando... — fui até ele e o envolvi num abraço. Ele continuava tremendo. Chorando. E eu entendia o motivo. Mandrágora. Mesmo com o amuleto que lhe tornava imune contra os efeitos que aquela planta/garota tinha sobre ele, o medo ainda o dominava. Medo de ser afetado. Medo do seu diamante sobreaquecer. Medo de queimar de dentro para fora enquanto seu corpo ardia em febre e dor. Talvez a minha segunda prova não fosse resgatar a Mandrágora daquela sala. Talvez minha verdadeira prova fosse ver o medo nos olhos do Zaphenath. E, sinceramente, aquela era a prova mais difícil que eu poderia enfrentar.
— Porque trouxeram ela pra cá? — ele ergueu os olhos cheios de lágrimas para mim.
— Nós precisávamos, querido. Tínhamos de salvá-la, está bem?
— Ela... Ela não é ruim como as outras? — e para a Mandrágora — Você não é ruim?
A garota negou com a cabeça, então abriu a boca para falar, mas nada saiu além de um ruído baixo semelhante a um grunhido. Em busca de ajuda, ela olhou para Mohamed.
— Nenhuma mandrágora é ruim, Fernando. O grito delas é só um modo de defesa. E elas só te afetam porque você é alérgico. Só isso. Não precisa ter medo.
— Sério? — Fernando sorriu, vacilante.
— Sério. — o soltei e beijei seu rosto.
Trofônio revirou os olhos.
— Você realmente me enoja, Fernando. — e apontou para ele um dedo ameaçador — Esse seu medo me dá vontade de arrancar esse diamante e sugar sua essência inteirinha.
Fernando recuou com um arquejo.
— Dá para você parar de ser assim?! — gritei para Trofônio, com raiva, e tomei o músico pela mão — Deixe-o em paz.
— O seu problema, Searcher... — o Sombrio virou as costas para mim — É que você nunca vê os defeitos dessa erva daninha fragilizada...
De repente, ouviu-se o som de uma porta se abrindo ruidosamente, mesmo que a porta do quarto já estivesse aberta. E, materializando-se em nosso meio, o deus das portas e escolhas surgiu.
Entretanto, ver Jano surgir ali do nada não era a parte assustadora. A parte assustadora disso tudo era... era que ele estava chorando. As duas faces estavam. O terno risca de giz bege estava surrado e rasgado em algumas partes. Os cabelos castanhos estavam emaranhados. Seus olhos caleidoscópicos (tanto os dourados da face direita quanto os cinza-tempestade da face esquerda) brilhavam com duas coisas que eu nunca achara que o Jano
seria capaz de sentir em seu coração divino: tristeza... e culpa.
— Jano?! — senti meu coração disparar quando corri até ele. Entendam uma coisa, leitores: Jano e eu temos uma ligação. Sempre tivemos. Quem vocês acham que me treinou nos seis primeiros meses em que frequentei a Terra da Imaginação? Quem vocês acham que me ensinou tudo que sei sobre esgrima e arquearia? Quem vocês acham que me ensinou a manter a calma e a ser prudente nas minhas escolhas? Ele o fez. Ele foi meu mentor. Meu professor. E se teve uma coisa que eu nunca o vira fazer... Fora chorar. Ele nunca chorava. Mas agora... ele se banhava em lágrimas. Lágrimas que estavam me rasgando por dentro — Ah,
minha nossa! — o segurei pelos ombros — O que houve?! — sacudi-o suavemente quando não obtive resposta — O que houve?!
— Eu não quero fazer isso! — Clamou a face direita.
— Não posso fazer isso... — Pranteou a esquerda.
— Fazer o quê? — enxuguei-lhe as lágrimas — Ei... Olhe para mim. O que aconteceu? Quem fez isso com você? — Olhei-o de cima á baixo.
— Ele quer... — Começou a face direita.
— ... Que eu te obrigue a escolher. — continuou a face esquerda — Mas eu sou o deus das escolhas necessárias! Não das absurdas!
— Escolher o quê?
— Eu... Eu gosto de você. — a face direita me olhou com carinho — Amo você. Como uma... Como a minha... família. Como a garotinha que eu treinei!
— E eu não quero te machucar. — os olhos cinzentos da face esquerda brilharam com compaixão (e acreditem: ver compaixão nos olhos da face esquerda é quase impossível. Enquanto a face direita é um consolador que sempre apoia os mortais, a face esquerda quase sempre irá sorrir se te vir urrando de desespero. Completos opostos) — Não quero fazer seu coração sangrar. Não quero...
— Shhh... Shhh... — o apertei mais em meu abraço — Está tudo bem. A culpa disso não é sua. Nunca foi, tá bom? Tá bom?
— Você não sabe... — disseram as faces — Não sabe...
— Seu idiota! — Uma voz ribombou por todo o quarto — A única missão que te dei foi entregar as provas á menina, E VOCÊ FALHA NA ÚLTIMA DELAS?! — Do chão, raízes brotaram e cercaram o deus, que se debatia na tentativa de escapar.
— Eu não vou fazer isso só porque você quer! — bradaram as duas faces. Suas vozes duplicadas causando um arrepio coletivo — Eu me importo com a menina! Me importo com essas pessoas ao contrário de você que não se importa com ninguém além de si mesmo!
— CALE-SE! — Outro movimento, e o deus de duas faces foi puxado para baixo por aquelas raízes. Sugado pelo chão.
— NÃO! — Conjurei minhas espadas luminosas. Um passo atrás de mim, estavam Fernando, Trofônio, Mohamed e a Mandrágora. A dríade tentando se esconder no abraço do arauto da rainha — Deixe meus amigos em paz! — gritei — É a mim que você quer! TESTE-ME!
O deus riu. E foi um som pavoroso. Como se milhares de árvores rissem ao mesmo tempo. O observei: ele era como um bode. Um Bode-Homem bem mais alto e forte que os outros sátiros que eu já vira. Os olhos azuis de cabra brilhavam de um jeito selvagem. Eu o conhecia. O conhecia dos livros que lera. Pã. O Sátiro. O Senhor
Supremo das Florestas. O mestre de todos os espíritos da natureza. Então era ele quem duvidava da minha lealdade. Era ele quem queria me testar. Mas esses testes já estavam passando dos limites.
— Décima Quinta. — estremeci ao ouvi-lo me chamar por aquele nome — O seu maior defeito é... é que você se importa demais com os outros. Isso te torna fraca, sabia?
— Eu não pedi sua opinião! — Grunhi.
— Que adorável. Em todo caso... Vou fazer o que tenho que fazer. Vou fazer o que aquele estúpido do seu professor não conseguiu fazer.
— Se tocar em um fio de cabelo dele, saberá bem do que eu sou capaz, Pã. — Saquei a adaga que Trofônio me dera.
— Então está na hora de me mostrar do que você é capaz, Flautista. Porque não será só o Jano quem vai sofrer agora. — Como que dando ênfase às suas palavras, ele agiu. Em movimentos rápidos, o próximo que ele deteve foi Trofônio. Antes que eu pudesse piscar, o Vidente das Trevas estava atado em grilhões luminosos. Grilhões da Luz. O completo oposto dos Grilhões da Escuridão. Amarras de aço dos deuses, capazes de queimar qualquer ser das sombras.
— Eu te encontro no Beco das Ciladas, Oráculo de Egyptum. — Com passos cautelosos, ele caminhou até a Mandrágora e agarrou-a pelos cabelos, puxando-a com força. Mohamed tentou salvá-la, mas foi arremessado com tudo contra uma das paredes do quarto e caiu, imóvel, no chão. E não satisfeito... o deus se aproximou de Fernando — A sua Última Prova começa... — antes que eu pudesse impedir, Pã arrancou o medalhão do pescoço do músico e o efeito foi instantâneo. Agora desprotegido, Fernando estava completamente exposto aos poderes da dríade, e os poderes agiram nele mesmo que a garota não quisesse. Numa fração de segundos, ele empalideceu. O ar começou a lhe faltar. Suas pernas cederam. Enquanto eu gritava por ele, eu o vi chorar de dor. O vi perder suas forças. O vi ser nocauteado pela febre mortal que o
afetava agora pela segunda vez — ... agora. — E tendo dito isso... o Sátiro sumiu, levando consigo meus amigos. Deixando em minhas mãos uma prova e em meu coração uma chama de fúria.
Quando fiquei só no aposento, corri até o arauto caído. Não estava ferido (ainda bem), mas a pancada contra a parede devia ter sido forte.
— Mohamed — dei tapinhas em seu rosto — Mohamed!
— Hã...? — Ele abriu os olhos e engasgou.
— Graças a Deus... — Suspirei — Você está bem? Se machucou?!
— Estou bem. — murmurou, sentando-se — Onde estão os outros? E... E a Mandrágora?!
— Eu vou salvá-los. — garanti, determinada — Vou salvar todos eles. E você, — o ajudei a levantar — Vá à enfermaria. Pode ter tido uma contusão.
— Tem certeza que vai ficar bem?
— Não. — admiti. Oráculos não podem mentir, certo? Então eu não ia mentir — Mas vou me arriscar mesmo assim.
Dizendo isso, saí do seu quarto. Passei pelo corredor. Desci as Escadas. Cruzei o Pátio e os portões. E com a determinação pulsando em meu peito e o fogo da coragem queimando em meus olhos, eu segui para o Beco das Ciladas.
Segui até o Sátiro.
Segui até meus amigos
Segui... até a última prova.
● ● ●
O sangue rugia em meus ouvidos enquanto eu corria em direção ao Beco. No céu, o sol já poente banhava tudo com uma estranha luz laranja. E enquanto eu corria, as palavras do Sátiro se repetiam na minha cabeça várias e várias vezes, fazendo minha raiva aumentar. Não era mais apreensão que eu sentia. Não. Eu sentia vontade de ver o sangue divino daquele Homem-Bode jorrar. Sentia vontade de incinerar a alma dele, para que ele ardesse eternamente nas chamas. Ou melhor ainda: a vontade que eu tinha era de execrá-lo. De cravar a Adaga de Trofônio em seu peito e assistir enquanto ele se desfazia em pó.
Parei diante do Beco. O lugar estava perturbadoramente silencioso. As mandrágoras não gritavam. Os espíritos da natureza não se moviam. Era quase como se o Uthog tivesse voltado e devorado tudo mesmo dessa vez.
Mas não. Não era o Uthog. Era algo pior. Era o peso daquela prova. Era o poder daquele Sátiro. Era aquela tal escolha absurda que eu teria de fazer que estava pesando sobre tudo ali como se fosse uma nuvem de sombras.
Meu coração batia acelerado quando, ainda parada na entrada, peguei meu arco e prendi uma flecha nele, pronta para atirar naquele bode velho se ele tentasse qualquer coisa.
— Eu não me importo de ser disparado se tu me prometeres que vais me acertar bem no coração dele. Tu prometes?
Quase gritei. Às vezes eu me esqueço que uma das minhas flechas fala.
— Desculpa, Shakespeare. — Sussurrei, tirando-o do arco.
— Meu nome não é... — suspirou, o que fez toda a sua haste tremer. Ele parecia tenso. Preocupado. Eu me perguntava se era realmente
comigo — Esqueça. Chame-me do que quiser.
— Você tá bem?
— Não. Porque sei que tu também não estás bem.
— Não quero fazer isso.
— Eu sei, criança. Mas nem tudo é como queremos. Siga adiante. Escolha. E se não conseguir, eu ainda posso perfurar o traseiro daquele bode.
Sorri.
— Valeu, Shake.
— Siga.
Respirando fundo, o prendi no cabelo e fui adiante.
Aquele era, sem dúvida, o pior cenário com o qual eu poderia me deparar. E eu não tô falando isso só porque se tratava do centro do Beco das Ciladas. Estou dizendo que aquele era o pior cenário de todos... por ser tão assustadoramente familiar.
Havia um grande círculo desenhado no chão. No centro dele, quatro estacas. Próximo às estacas, me olhando com seus olhos frios de cabra, estava Pã. E presos nas estacas, como se fossem prisioneiros prestes a serem queimados numa grande fogueira, estavam meus amigos.
Senti meu estômago revirar. Porque aquilo tinha de ser tão familiar?! Porque tinha de se parecer tanto com o dia em que Fernando e eu quase fomos executados no palácio do sol?! Por que as lembranças relacionadas àquele período sempre tinham que me perseguir?! Droga de lembranças!
Droga de lembranças!
Droga de lembranças!
DROGA DE LEMBRANÇAS!
— Eu vou matá-lo! — gritei, avançando na direção de Pã — VOU MATÁ-LO, SEU IMUNDO! SEU VERME! SEU...
Em resposta á minha fúria, ele apenas riu e deu um passo para trás.
— Sua raiva não me amedronta, Décima Quinta. Nem um pouco. Escolha. Qual deles deve morrer?
Cuspi em sua cara feia.
— Você deve morrer. — Foi minha resposta.
— Eu não estou para brincadeiras! — Rosnou — ESCOLHA! Caso contrário... — Movendo sua destra, ele fez o projétil que eu prendia em meu cabelo pairar no ar e incendiar-se. Enquanto as chamas consumiam a madeira, eu pude ouvir o grito de dor. Pude ouvir o grito do Bosque de Dodona. Pude ouvir o grito do seu filho preferido. Do Eplégmeno. Do meu Shakespeare.
— Shake, NÃO! — Gritei. Meu coração ardendo como se eu estivesse em chamas — PARE! — implorei — PARE! PARE! PA...
Com um gesto de desprezo, o deus fez a chama se extinguir. Fez a flecha voltar, intacta, para minhas mãos.
— Estou bem. — Murmurou Eplégmeno. A voz se perdendo como que levada pelo vento. Trêmula. Eu sabia que o fogo era seu pior momento. Seu maior medo, considerando que Molguart incendiara o bosque quando tomou posse da Caverna dos Reflexos. Eu sabia que o sentido da frase "Estou bem" dita por ele era meramente físico. Ele não podia mentir. E não estava mentindo. Aquele "Estou bem" era o mesmo que "Não fui incinerado. Mas não queira saber como estou por dentro".
— Eu vou escolher. — Declarei, rendendo-me, e me posicionei diante das estacas. Em minha destra, eu apertava a adaga negra com força.
Me aproximei da primeira estaca, onde Jano fora firmementente acorrentado. As duas faces pálidas brilhavam de um jeito sinistro e ao mesmo tempo bonito á luz dos poucos raios de sol que ainda restavam no horizonte.
— Você não está com medo, está? — Perguntou-me a face esquerda.
Assenti, engolindo o choro. É CLARO que estou com medo, ué! Quem, em meu lugar, não estaria?
— Eu também. — Admitiu a face direita — É normal sentir medo.
— O que você não pode fazer... — a face esquerda olhou-me profundamente — É deixar esse medo te impedir de fazer a escolha certa.
— Eu não posso fazer isso... — Minha voz falhou.
— Mas pode fazer a escolha certa. — disseram as duas faces em uníssono — Então faça.
E eu obedeci. Lentamente, fui até a segunda estaca. Até a segunda opção. Trofônio. O Vidente das Trevas fora acorrentado com correntes luminosas. Grilhões da Luz. Embora estivesse claramente sentindo dor, seu belo rosto da cor da neve continuava calmo. Os olhos negros faiscando de raiva. Eu sabia que, se ele pudesse se libertar, ele poria a cabeça de Pã numa bandeja.
— Faça isso logo. Me poupe de discursos, Searcher.
— Cravar esta adaga no seu peito seria o mesmo que esfaquear uma parte do meu coração. — Sussurrei, pousando uma das mãos em seu rosto. O contato com sua pele macia e gelada fazendo um arrepio percorrer meu corpo.
— Por que você tem que tornar as coisas mais difíceis? — sussurrou de volta, seu cheiro de lavanda me envolvendo — Pode fazer o que quiser comigo, Flautista. Ser execrado por você seria...
O calei com um beijo.
— Não complete essa frase. Por favor. Não complete. — Deixando-o, segui até o próximo prisioneiro — Ah, Zaphenath... — comecei a chorar. Ver o estado em que ele se encontrava só me deixava ainda pior. Ele já não estava mais consciente. O corpo ardia igual fogo. A respiração era difícil. Quase imperceptível. Seus choramingos baixos de dor estavam perfurando meu coração — Eu não posso matar você... — as lágrimas pareciam ser infinitas. Brotavam dos meus olhos como uma cachoeira. Erguendo seu rosto, o beijei — Não consigo fazer isso...
— Seu tempo está acabando! — Pã cantarolava, então gritou — ESCOLHA! ESCOLHA! ESCOLHA!
— CALA A BOCA! - Disparei, congelando logo em seguida. Sentindo em meu peito uma pontada dolorosa de culpa ao perceber o que eu tinha que fazer. Quem eu devia escolher. Quem eu tinha que sacrificar. Culpa. Oh, sentimento cruel! Com um aperto em meu peito que já me sufocava, parei diante dela. Da última prisioneira. Da minha escolhida. Da garota que eu resgatei das garras do Homo Canibalis. Da menina tímida a quem o Mohamed se afeiçoou. Da planta que estava fazendo o Fernando sofrer mesmo que não quisesse. Era isso. Se eu quisesse acabar com o sofrimento do Fernando, se quisesse livrar o Jano deste local de sacrifício onde ele não deveria estar, se quisesse libertar o Sombrio da luz que naquele instante queimava-lhe o ser... eu tinha de tirar a vida da Menina-Mandrágora — Eu sinto muito. — Sussurrei ao me aproximar dela — Eu prometi que não te machucaria e... Ah, Deus! Eu menti! Não vou me surpreender se os Três Criadores se unirem para me destruir a qualquer momento. Mas... Mas entenda que, se eu não fizer isso, você matará o Fernando lentamente e... e meus amigos logo morrerão com ele se depender desse... — eu ia xingar Pã de novo, mas a Mandrágora me calou com um aceno de cabeça. Faça, dizia aquele gesto, Eu aceito meu destino, Oráculo. Apenas faça.
E eu fiz. Enxugando minhas lágrimas, beijei a testa dela em sinal de despedida... e cravei a adaga bem fundo em seu peito.
As coisas que se sucederam simplesmente não estavam na lista de coisas que eu esperava acontecer. Quando retirei a adaga negra do peito dela, (o objeto cortante voltou encharcado de seiva vermelha) a estaca onde ela estava irrompeu em chamas. Chamas verdes que se espalharam por seu corpo e incendiaram-na. E enquanto queimava, enquanto sentia a dor ardente do fogo, ela não gritou. Não chorou. Não emitiu um ruído sequer que demonstrasse seu sofrimento. Ela apenas queimou. Morreu. Aceitou seu destino. Os olhos negros em seu rosto pacífico não pararam de brilhar um só instante com determinação... até as chamas cessarem. Até
elas cessarem e não restar nada da Mandrágora além do aroma de suas flores que haviam virado pó.
— Muito bem! — O Sátiro bateu palmas — Vejo que você é mesmo leal. Não duvido mais. Meus parabéns. — E se aproximou…
— Não encosta em mim! — Fiz uma bola de fogo surgir em minhas mãos e ameacei atirá-la contra ele.
— Ora! Por que tanta raiva?
— Por que tanta raiva?! POR QUE TANTA RAIVA?! Olhe ao seu redor, seu verme divino! OLHE PARA MINHAS MÃOS! — dei um tapa brutal em seu rosto. Minhas mãos estavam vermelhas, tingidas pelo sangue da Mandrágora — Eu derramei sangue inocente! Meu melhor amigo está morrendo! Você OBRIGOU meu professor a fazer suas vontades! E VOCÊ ME PERGUNTA POR QUE ESTOU COM RAIVA?! Liberte meus amigos! Liberte-os, E SUMA DA MINHA FRENTE ANTES QUE EU CORTE SUA CABEÇA!
Para piorar tudo, ele apenas me olhou calmamente.
— Essa sua explosão de raiva não me assusta, Décima Quinta. Você só está perdendo seu tempo. Bem... Em todo caso, você cumpriu as Três Provas. Por isso... eu vou te conceder um desejo. — abriu os braços — Vamos. Pode pedir qualquer coisa.
Um desejo. Ai, nossa! Eu poderia pedir qualquer coisa, e... tinha tanta coisa que eu queria! Poderia pedir a cura do Fernando, poderia pedir capacidade de escolher entre os dois garotos que eu mais amava, poderia pedir que o antigo Oráculo de Delfos voltasse á vida (Ah, Oráculo... Pensar nele fez um aperto surgir em meu peito. Me fez pensar no manto escarlate que eu usava em volta do meu corpo nas noites frias, só para me lembrar do seu familiar cheiro de incenso e antiguidade) ... Mas, lá no fundo, eu sabia que não era isso que eu queria pedir. No fundo, eu sabia que o que eu queria mesmo era trazer a garota de volta. Queria aliviar este sentimento de culpa que ardia em meu coração. O que eu queria mesmo, era entregá-la nos braços do Mohamed onde eu sabia que ela estaria segura. Onde eu sabia que o poder dela não alcançaria o Fernando, já que o quarto do arauto era o mais distante em
comparação aos outros aposentos. O mais próximo á luxuosa suíte da rainha. Era isso que eu realmente queria.
— Eu quero que traga a Menina-Mandrágora de volta. Quero que traga-a de volta e envie-a em segurança até o Mohamed, porque eu sei que ele cuidará bem dela. E depois que fizer isso... desapareça.
— Tem certeza que é isso que quer? — Ele coçou o queixo — Eu poderia curar seu amigo se você quisesse. Vejo que ele está sofrendo muito.
— POR SUA CAUSA! — disparei — Então não ouse tocar nele se não quiser perder os dedos ou pior!
— Certo! Certo! — Recuou, as mãos erguidas em rendição.
— Apenas faça o que pedi. Tente algo a mais, Pã... e eu sei muito bem como enviá-lo para as profundezas do Tártaro.
Assim, ele fez. Através de uma visão projetada por ele, (visão essa, que eu sabia ser verdadeira. Se ele estivesse mentindo, eu saberia. E aí, leitores... vocês certamente teriam churrasco de bode para o almoço) eu vi a Mandrágora surgir, viva e maravilhosamente saudável, nos aposentos do arauto. Os vi se abraçarem. Vi a felicidade estampada no rosto dos dois e só não sorri involuntariamente porque a minha situação ainda não me permitia isso. E tendo acabado seu trabalho, o Senhor da Floresta sumiu, levando consigo suas estacas e amarras e libertando os outros. Naquela hora, a noite já cobria todo o reino.
— Ai, meu Deus... — ajoelhando-me ao lado do filho de Vigart que jazia agora no chão de gramíneas altas, o aninhei em um abraço. Seu corpo inerte ardia. Seu diamante sangrava — Meu Deus...
— Ele... — Começou a face direita.
— Não. — Foi Trofônio que respondeu, com certa reprovação — Ainda não. Mas está sofrendo, embora não consiga demonstrar. Em outra situação, eu estaria rindo disso, mas... não é hora.
— Você não ousaria, considerando que estou com sua adaga. — Falei num tom baixo e ameaçador, indicando a adaga em meu cinto.
Ele apenas grunhiu em resposta.
— Isso... A febre — questionou a face esquerda — tem cura?
Senti as lágrimas ardendo em meus olhos quando balancei a cabeça e voltei meus olhos para Fernando. Eu não sentia mais seu pulso. Sua respiração era quase imperceptível. A joia cravada em sua pele começara a fumegar e a carne ao redor havia inflamado. Infeccionado.
— O... O antídoto de Ilius não existe mais. — solucei — Eu usei o único que tinha...
— Eu mereço. — Trofônio revirou os olhos — Parem de drama vocês dois, e segurem-no firme.
Jano (suas duas faces) e eu nos entre olhamos.
— Hã? — Fiz uma careta — O que você vai...
— Segurem-no. Porque se esse imbecil tentar me atacar, eu acabo de matá-lo. Agora não perguntem mais nada e segurem-no!
Nós obedecemos. Mesmo que o músico não tivesse forças sequer para respirar direito, Jano e eu o contemos. O agarramos com a força de quem tenta conter um louco enraivecido. (Ah, pronto! Pra quê que eu fui fazer essa comparação? De verdade, leitores: para mim, não é tão difícil imaginar o Fernando como
sendo "um louco enraivecido", considerando que durante os nove meses, em seus ataques, ele agia mesmo como um. Droga de lembranças!) Quando se certificou de que o filho de Vigart estava bem contido, Trofônio o tocou. E bastou isso, bastou este simples gesto, bastou que o Vidente das Trevas pousasse suas mãos pálidas no diamante do músico, para se iniciar uma das cenas mais pavorosas que meus olhos já viram.
Ao seu toque, Zaphenath começou a se debater convulsivamente e a gritar de dor. Seu corpo se contorcendo em tremores violentos. Sua boca espumava com uma saliva sangrenta.
— MATE-ME! — gritou. Chorou. A saliva o fazendo engasgar e vomitar — MATE-ME LOGO DE UMA VEZ!
— Estou com vontade, Fernando. Acredite. — disse, calmamente, o Oráculo das Sombras, mesmo que seus olhos brilhassem com uma chama de ódio. E para nós — Não o soltem. Não importa o que ele diga. Eu obriguei as sombras a curá-lo, mas elas vão tentar controlá-lo. Então não o soltem!
— Por favor! — implorou, voltando-se para mim. Quase gritei ao notar que seus olhos verdes agora estavam completamente negros. Eu quase podia ver as sombras se agitando dentro dele — Tire-me deste tormento!
Tire-me deste tormento. Essa frase fez meu estômago revirar. Foi a mesma coisa que ele me implorou quando o encontrei naquela cela no Palácio do Sol. Sua mente ainda em coma, e seu corpo ativo, em um ataque de fúria.
— Eu amo você. — devolvi num tom firme — Mas eu juro que se repetir essa frase... — Lancei-lhe um olhar tão afiado quanto uma faca.
— Jano — ele olhou para o deus — Jano, solte-me. Solte-me. Você sabe o quanto é horrível ser contido! Solte-me!
— Eu vou te soltar, Fernando. — disseram as duas faces — Mas eu vou fazer isso, quando for realmente você. Isso daqui que eu tô contendo não é você.
Vendo que suas súplicas não eram atendidas, ele gritou. As sombras gritaram. Sua voz se mesclando com o grito agudo e perturbador da escuridão. E, como ápice do horror, seus olhos
e nariz começaram a sangrar. Tudo nele começou a sangrar. As sombras saindo do seu corpo como um enxame fantasmagórico e se dissipando no ar. Assim, tão rápido quanto começou, aquilo acabou. Agora, segurado por Jano e por mim, havia apenas um rapaz inconsciente, coberto de sangue, mas cujo coração agora batia forte e cuja respiração agora era regular e calma, quase como se ele apenas dormisse. Com certa relutância, abri um dos seus olhos e fechei-o novamente. Verdes. A cor habitual. O sinal de que
aquele sim, era meu Zaphenath. O rapaz que eu conhecia.
— Ele vai melhorar. — Trofônio disse, finalmente, quando permitiu com um aceno que nós soltássemos o rapaz — Vai ser uma melhora lenta, e ele vai precisar de cuidado médico, mas... ele não corre mais risco de vida.
— Obrigada, Trofônio. — Lancei-lhe um sorriso tênue.
Ele apenas suspirou.
— Eu nem sei porque eu ainda faço isso. — Foi tudo que ele disse antes de desaparecer; seu cheiro doce de lavanda sendo a única prova de que ele esteve ali.
Com um suspiro, me pus de pé e tomei o jovem Domador de Melodias nos braços.
— Precisa de ajuda? — Perguntou-me a face esquerda.
Balancei a cabeça negativamente.
— Eu estou bem, Jano.
— Mas... — O deus indicou meu amigo.
— Ele vai ficar bem, acho. Eu só tenho certeza... de que não vou dormir bem esta noite.
— Se precisar de ajuda... — Começou a face direita.
— ... Sabe que pode contar conosco, não sabe? — Concluiu a face esquerda.
— Sei sim. Até mais, Jano.
Voltei para o palácio e fui para a enfermaria. Pela primeira vez, Zaphenath não parecia tão leve quanto realmente era. Era quase como se seu peso estivesse sendo somado ao cansaço e á preocupação que também pesavam em meus ombros. E a maior prova da minha exaustão, foi que quando o Filipe disse que eu podia ir descansar que ele e Will cuidariam de tudo, eu simplesmente me levantei da poltrona ao lado da maca, beijei o rosto do Fernando uma última e saí, atirando-se na minha cama ao chegar no meu quarto.
Mas, apesar do cansaço, eu não consegui dormir. Acho que tudo pelo que passei nesses últimos dias acabou deixando meu cérebro ativo. Por isso, fiquei deitada na cama, enquanto um furacão de pensamentos girava furiosamente na minha cabeça.
— Não é só com o Fernando que você está preocupada, é? — Quase
pulei da cama. Eu não esperava que o Espírito Oracular fosse falar comigo justo naquela hora. Mas, dessa vez, a voz dele não soava na minha mente como de costume. Estava mais próxima. Mais física, como no dia em que ele me ajudou no deserto de Egyptum. Olhei para ele. O Orador de Rá continuava exatamente do jeito que eu me lembrava: o mesmo jovem de pele branca, cabeça raspada, túnica simples, (de um tom bege dessa vez) pés descalços e vários amuletos pendendo em seu pescoço, o último deles ostentando o nosso símbolo. Mas... algo estava diferente nele. Ele parecia cansado. Doente. A aura brilhante ao seu redor tremeluzia, como se quisesse se apagar. Seus olhos incandescentes continham uma pontada de dor e cansaço, os ombros estavam caídos. Acho que se ele fosse humano, certamente estaria exibindo olheiras — Eu sei das coisas que te afligem... — Ele vacilou para frente. Com uma rapidez que eu nem sabia que tinha, o amparei, mesmo sabendo que, se ele caísse, não se machucaria. Enquanto eu ainda sustentava seu corpo, o senti tremer, como se uma corrente de ar frio o atingisse persistentemente.
— O que houve?! — perguntei quando o soltei e ele praticamente desabou na minha cama. Estava ofegante — Meu Deus! O que houve?! Você está bem?!
— Eu... — ofegou — não sei. É como se... — ele gritou de dor quando o toquei, quase como se o contato com minhas mãos o tivesse ferido...
Gelei. Mas... Mas aquilo não era possível! Não podia ser isso! Se fosse, quem raios o faria?! E como, meu Deus?! Como esse alguém conseguiu...
— Veneno de luz. — o toquei de novo, sendo respondida por outro urro de dor — Mas isso não tá certo! QUE DROGA! — Peguei a primeira coisa que vi mais próxima de mim (uma xícara em cima do criado-mudo) e atirei-a na parede. O objeto se estilhaçou — Isso não devia te afetar! Veneno de sombra sim, mas... luz?! Cara, você é um ser da luz! ORÁCULO! — o sacudi quando percebi que ele não se movia mais. O rapaz engasgou — Não desmaie, homem! Senão eu vou acabar desmaiando também! Vínculo! — Eu simplesmente não conseguia parar quieta. Se eu já estava estressada antes... minha preocupação e estresse aumentaram pra mil.
— Eu vou tentar... — Sua voz parecia querer sumir.
— Você não devia ter sido afetado. Luz não enfraquece luz. A não ser que...
"A não ser que esta luz seja conjurada por um ser das sombras"
Aquela voz reverberou no meu ser inteirinho e fez uma onda absurdamente forte de pavor me atingir.
— Você. — Grunhi — SAIA DA MINHA MENTE! E DEIXE O ORÁCULO EM PAZ!
"Ah, não, Décima Quinta. Eu não vou sair. E também não deixarei o Espírito em paz. Ele sofrerá. Você sofrerá até que se renda e se entregue a mim."
— DESAPAREÇA!
— Deixe a menina. — ordenou o Espírito, muito embora essa ordem dita em sua voz exausta e carregada de dor tenha soado mais como uma súplica.
Isso fez o Homo Canibalis rir.
"O que te faz pensar que eu vou te obedecer?" A partir daí... as coisas pioraram. Como que sendo agarrado por algo invisível, o Espírito Oracular foi erguido no ar, o que me fez ser lançada nos ares também. Ao redor dos pulsos dele, Grilhôes da Escuridão surgiram, queimando sua pele luminosa e fazendo-me sentir como se estivesse ardendo. E enquanto nós dois gritávamos ao sermos submetidos àquela dor excruciante, nosso algoz continuou a falar "No dia do seu aniversário, você sofrerá. Sofrerá tanto, que desejará a morte! E quando você morrer... o Espírito Profético de Egyptum morrerá com você!"
Com essas palavras, ele fez um portal se abrir e puxou o Orador de Rá para dentro. Meu corpo foi tomado por um frio mortal. Me senti sufocar. Minha boca inundou-se com o gosto metálico do sangue... E o mundo ao meu redor escureceu.
● ● ●
Acordei em um leito na enfermaria. Filipe estava em pé ao lado da cama, me olhando de cenho franzido. Na cama ao lado, o músico ainda dormia (Que Deus o permitisse acordar logo! Eu não suportava mais vê-lo assim) e era constantemente monitorado por Will e pelas enfermeiras. Em seu sono conturbado, ele murmurava frases desconexas, mas não completamente sem sentido. Ouvi-lo dizer "Tire-me deste tormento" quando estendi a mão e toquei seu braço quase me fez chorar.
— A febre baixou um pouco, mas ele ainda está fraco demais. Ainda sente dor também. E, aparentemente... Os delírios não passaram. — Explicou Filipe, me fazendo olhar em seus olhos azuis — Mas... e você? O que... O que houve? Eu te encontrei desacordada lá no quarto. Você estava tão gelada que pensei estar morta.
— Tiraram uma parte de mim, Filipe. Raptaram o Espírito Oracular e o envenenaram. Me envenenaram.
— Quem? — o jovem médico segurou minhas mãos. A preocupação e o medo transparecendo em seu rosto — Quem fez isso?!
— Acredite, Filipe... — Fechei os olhos e suspirei — Você não vai querer saber.
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As Aventuras de Laíres e Fernando na Terra da Imaginação: Do Fim ao Recomeço
FantasyApós ter descoberto a Terra da Imaginação, ter vivido as mais incríveis aventuras ao lado de Fernando e ter passado pela dor de uma grande perda, Laíres tenta levar uma vida normal. Mas, mal sabe ela que seu passado como heroína da Terra da Imaginaç...