Ressurreição

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Narrado por: Fernando

As palavras escritas em um livro têm poder. Um poder tremendo. Têm o poder de criar e destruir, de abrir portas e de fechá-las, de fazer o bem e o mal, de enlouquecer e devolver a lucidez, de matar... e devolver a vida. Isso depende... de como você às interpreta.
Já havia se passado uma semana desde o ocorrido. Laíres já estava completamente recuperada. No lugar do corte, havia apenas uma cicatriz que marcava aquele dia terrível. Às vezes eu ainda me pergunto se essa recuperação milagrosamente rápida também aconteceu com a mente dela.
Estávamos na sala do trono. A rainha Milena sentava-se ao trono diante de todos nós que morávamos no castelo. Seus olhos focaram em Laíres e ela sorriu. Acho que os outros ali presentes entenderam aquilo como uma demonstração de alegria pela garota estar bem. Mas eu não vi isso. Sabem, eu cresci vendo meu pai servir a Milena, e quando eu era criança, acreditava que éramos livres. Que meu pai fazia aquilo porque amava! Mas agora... eu tinha minhas dúvidas. Às vezes, eu tinha a impressão de que ela me olhava como se eu fosse uma praga que devastou seu jardim. Mas, talvez... Talvez fosse só impressão. Talvez fosse só um pensamento infantil. Talvez.
— Vejo que decidiu voltar para o mundo dos vivos, Flautista. — disse ela, dirigindo a palavra a Laíres — Seja bem-vinda.
— Obrigada, Milena. — Laíres respondeu retribuindo o sorriso. Será que ela não via o mesmo que eu? Ou talvez... fingisse que não via.
— Por que nos chamou aqui? — meu pai quis saber — Algo importante?
— Nossa! — a rainha deu de ombros — Por que estão tão sérios? Eu só quero comemorar o fato da nossa heroína estar bem! Só isso! — Ela foi até a estante de livros e pegou um que estava na última prateleira. Bem no alto — E para isso, eu gostaria de...
— Ah, não! — me pus de pé — Não mesmo!
— Mas o que deu em você, rapaz? — a rainha cruzou os braços — É só um livro.
— Não, Milena. — meu pai também se pôs de pé — Meu filho está certo. Não acho que isso seja seguro. Esses livros já nos trouxeram problemas demais.
— Ora, pare com isso, Vigart. Não vai acontecer nada de mais. E eu não vou lê-lo. — ela se aproximou de Laíres — Aqui está. Um presente.
— Muito obrigada. — a garota recebeu o livro com certa relutância.
E é a partir desse momento que essa história começa. Naquela mesma noite, Laíres leria aquele livro e, no dia seguinte, mesmo após ter passado por maus bocados há uma semana, ela embarcaria em mais uma jornada.
                        ●●●

(Fernando: Laíres?)
(Laíres: Oi.)
(Fernando: Quer narrar?)
(Laíres: Claro. Narro sim. E a propósito... eu queria deixar claro que eu só aceitei o livro e tratei a rainha bem porque eu queria evitar problemas, Fernando. Mas eu também não vou com a cara dela. Nem um pouco.)

De fato, eu terminei de ler o livro naquela noite e... senti algo que nunca sentira antes.
A história falava de um tesouro escondido na c
Caverna do Reflexo. Um tesouro que podia trazer sorte ou azar para aquele que o conseguisse. Mas não foi isso que mais me chamou atenção. E sim, um trecho da história que dizia: “Por entre as moedas de ouro e as pedras preciosas, existe um espelho com poderes extraordinários. Aquele que conseguir encontrá-lo sem não se deixar levar pelo brilho das outras joias, terá a oportunidade de pedir ao espelho tudo aquilo que desejar. Mas apenas um pedido poderá ser feito, antes da magia do espelho acabar. E se algo enfim fores desejar, deseje só o bem, ou o bem não virá."
Qualquer coisa. Eu poderia pedir qualquer coisa. Mas havia algo... havia algo que há muito eu desejava. Enquanto eu lia, estava envolta no manto escarlate. No manto que ele usava antes de morrer. Percebi então o que eu mais queria: queria sentir aquele cheiro de incenso outra vez. Queria sentir o calor daquela pele pálida mesmo que não pudéssemos ficar juntos. Queria apenas sentir a presença dele. Saber que ele estaria ali se eu precisasse. Meu maior desejo... era que o antigo Oráculo de Delfos voltasse à vida.
Aquele pensamento me envolveu como uma manta enquanto eu dormia. E se aquilo fosse possível? Digo... Se a Rainha da Neve e Kaapack eram reais, talvez esse tesouro, a única chance que eu tinha de trazê-lo de volta, também fosse.
Acordei com uma batida no vidro da minha janela. Um jovem chamava por mim do lado de fora enquanto pairava no ar com sandálias aladas. Sammy, o filho do mensageiro dos deuses e da dríade que protegia a caverna espelhada, me aguardava do lado de fora.
Saltei da cama e corri para abrir a janela. Eu supunha que ele ia entrar habilidosamente como seu pai faria. Em vez disso, ele perdeu o controle das sandálias e caiu numa pilha de livros que eu sempre deixava ao lado da cama.
— Ai! — ele reclamou — Quem colocou esses livros aqui?!
Ri.
— Fui eu. Desculpa.
— Isso não tem graça. — ele resmungou. Mas é impossível você parecer sério, quando tem a aparência de um elfo travesso.
— Tem sim. — segurei o riso — Enfim... O que faz aqui?
— Vim saber se estava bem. Eu soube do que aconteceu.
Meu sorriso se desmanchou.
— Estou bem, Sammy. Obrigada. — sentei-me na cama — Escuta, — eu disse, ansiosa para mudar de assunto — Quer embarcar em uma aventura comigo?
— Opa! Espera lá! O que você está planejando?
— Vou trazer alguém de volta à vida.
Ele empalideceu.
— E esse alguém... é o antigo Oráculo de Delfos?
— É. — eu disse simplesmente.
— Negativo! — ele recuou — De jeito nenhum! Pode esquecer!
— Ah! Vamos! — implorei — Vai dar certo! Além de quê... Não vamos sozinhos.
— Sério? Quem vai conosco?
— Eu! — a porta se abriu e Backnamut entrou saltitando. Não segurei o riso diante da sua empolgação.
— Backnamut?! — Sammy recuou aos tropeços — Isso é sério?!
— É! — Disse o jovem. Seus olhos azuis cintilaram.
— Pronto. — Sammy revirou os olhos — E meu dia se tornou, em um estalar de dedos, uma confusão. Deuses! É melhor irmos logo com isso, antes que meu irmão caçula resolva estragar tudo.
— Seu o quê?! — olhei para os dois com espanto — Backnamut! Você e Sammy são...
— Sim, senhora! — ele quase derrubou Sammy com um abraço — Somos irmãos! Isso não é demais?
— Ai, meus deuses... — Sammy resmungou — Meu dia tinha que ficar mais bagunçado do que já estava!
E nós três partimos rumo à Caverna Espelhada. Rumo à realização de um desejo... ou ao fracasso absoluto.
                                 ● ● ●
Eu insisti em irmos andando. Sim! Eu sei! Eu poderia usar meus poderes e... Sammy tinha as sandálias. Mas eu não sabia o que poderíamos enfrentar! Deveríamos guardar recursos de defesa para a hora certa... E essa “hora certa” não demorou para chegar.
  Eu achava que conhecia bem aquela floresta. Quer dizer... a única parte que antes eu não conhecia, agora eu já havia explorado com Kaapack. Eu não esperava surpresas da parte da floresta.
E este foi meu maior erro.
Não esperar.
As surpresas sabiam que eu não às esperava...
E vieram. Vieram da pior forma.
Nós caminhávamos seguindo a mesma trilha que eu já fizera por três vezes: a floresta era sombria. O sopro do vento parecia ser uma canção cantada pela morte. Até o próprio sol evitava entrar ali. Logo enxerguei os espelhos (um de cada lado) que separavam a floresta comum e o bosque sagrado de Dodona. Não havia nada que nos impedisse de entrar. Dodona era meu aliado agora. Ele confiara á mim um de seus filhos. Seu preferido. Ele jamais impediria que eu passasse. Jamais impediria que eu entrasse em sua fauna.
Facto. Ele não me impediu de entrar. Mas os outros...
Quando Sammy e Backnamut tentaram entrar, um abismo se abriu aos seus pés. Eles teriam caído. Teriam caído se Sammy não tivesse segurado a mão de seu irmão no último segundo e dado ordem às sandálias para subirem.
— Não! — fiquei a poucos centímetros da ponta do abismo que nos separava — Vocês estão bem?! — gritei.
— Estamos! — Sammy gritou de volta — Vamos tentar atravessar voando!
E eles tentaram. Backnamut segurou-se firmemente enquanto as sandálias de Sammy tentavam carregar os dois até onde eu estava, mas um vento forte os manteve onde estavam.
— Deixe-os do outro lado. — disse uma voz familiar. E quando digo “uma voz", ponho ênfase na palavra ”uma". Aquela era a voz do bosque. Mas estava unificada. Não era como se várias pessoas falassem em coro. Mas sim, apenas uma — Por favor, criança... Deixe-os do outro lado.
Virei-me e tomei um susto. Diante de mim, havia um rapaz. Alto, moreno e sério. Sua pele era marcada por finas cicatrizes semelhantes às do caule de um carvalho. Seus olhos eram tão verdes quanto as folhas das árvores. Aquele era o bosque. Era o Carvalho Central. Mas... em forma de homem.
— Como isso é possível? — Eu o olhei da cabeça aos pés.
Ele não respondeu. Apenas continuou.
— Siga sozinha, minha criança. Consiga o que quer.
— Não! — Disse outra voz. Uma voz feminina desta vez. Uma voz que eu também conhecia — Eles são meus filhos! — ela empurrou o homem. O “bosque" — São meus filhos!
Era ela. A mesma dríade que me ajudara a encontrar o antídoto. A mesma dríade da Caverna Espelhada. E, por incrível que pareça, a mãe de Sammy e Backnamut.
— Pouco importa quem são! — disse ele rispidamente — Eu deixei a garota entrar por ela ser minha aliada. Eu não vou permitir que estranhos entrem e me dominem, assim como... — ele calou-se. Senti sua tensão quando Shakespeare tremeu em minha aljava — como aquela mulher está tentando dominar meu filho.
Gelei. Que mulher? E como assim tentando dominar o Shakespeare? Será que era isso? "Não enquanto minha mente me pertencer." Será que essa tal mulher estava tentando dominá-lo e depois... e depois tentaria dominar o bosque? Mas eu não perguntei. Não perguntei, porque prometi ao Shakespeare que ele não precisava mais falar disso. E eu também não obrigaria seu pai a falar.
— Ei... — Ergui uma das mãos — Eles não farão isso. São filhos de uma das suas filhas, e são meus amigos.
— É difícil confiar em alguém hoje em dia. — disse — Eu confiava naquela mulher antes de tudo, e agora ela quer me controlar. E eu não posso deixar que Eplégmeno ou qualquer um dos meus filhos seja controlado!
Uma seiva esverdeada escorreu por seu rosto. Lágrimas.
— Não. — respondi — Não será mais assim. Não enquanto eu estiver viva. Você confia em mim?
— Confio. Eu...
— Então deixe os filhos da dríade entrarem. Eles estão comigo. Nada te acontecerá.
— Que seja. — Ele acenou, e uma ponte de terra surgiu onde antes havia o precipício. Os rapazes o atravessaram sem problemas.— Você sempre terá lugar aqui. Entre. Se precisar de mim, eu estarei aqui. — ele fez sinal para a dríade — Os acompanhe. Não permita que nada os impeça.
— Obrigada, meu pai. Obrigada! — ela o abraçou.
— Certo. Agora vá.
E nós entramos na caverna. Aquele lugar que antes enchia meu coração de medo, agora me revestira com a armadura da esperança. Eu teria a chance de trazer de volta alguém de quem eu gostava. E eu o traria de volta.
A dríade guiou a mim e aos seus filhos por uma parte estreita e escura que depois se abria para uma câmara iluminada e extensa. Três portas de ouro surgiram.
— Chegamos na parte difícil. — disse ela.
— Mas vamos conseguir! — Backnamut saltitou — Vamos ressuscitar o Oráculo, não vamos? — ele olhou para nós três com um olhar que transbordava de esperança — Nada vai dar errado. — ele olhou fixamente para mim — Não é, senhora?
Eu não queria estragar a esperança dele. Mas a verdade é que aquilo tinha 50% de chances de falhar.
— É claro que vamos, irmão. — Sammy me poupou de responder aquela pergunta.
— Agora — a mãe deles se virou para mim — escolha uma das portas. Se acertar, vocês três seguem. O tesouro estará lhes esperando.
— E se ela errar? — Sammy olhou para a mãe. Seus olhos azuis demonstravam liderança. Astúcia. Esperteza.
— Se você errar... — disse ela para mim. Ela olhou para Backnamut por uns instantes como se o que ela fosse dizer em seguida, tivesse a capacidade de feri-lo como uma espada — Se errar, você morrerá.
— Senhora! — Backnamut me abraçou apertado. Seus olhos se encheram de lágrimas — Não pode matá-la! — gritou — Não pode!
— Filho...
— Não! Ela me acolheu quando você me deixou naquele palácio! Ela é mais minha mãe do que você!
— Irmão... — Sammy interveio — Deixe que Laíres escolha.
— Não! E se ela errar?!
— Backnamut... — retribui o abraço — Eu vou ficar bem, tá? Vai ficar tudo bem.
— A senhora promete? — Seus olhos me olharam de modo suplicante.
— Eu prometo. — Suspirei.
Ele finalmente me soltou. Me deixou ir até as portas.
Eram todas iguais! Como eu saberia qual escolher?! Eu me sentia de volta ao dia em que eu havia ido até aquela caverna para conseguir o antídoto: eu estava em um mundo de espelhos. Tudo era igual ali. Tudo...
“Nem tudo é o que parece ser ” disse o Espírito Oracular “Lembre-se de quando você precisou achar o antídoto. Todas as flores eram iguais, mas a certa era especial e você soube disso, na hora que a viu. Faça o que seu coração disser.”
“Obrigada.”
“Disponha" E ele calou-se.
Andei até as portas e às toquei.
A primeira delas era fria. Fria e sem vida. Algo gritava lá dentro. Gritava de dor. De desespero.
Recuei aos tropeços. Aquela não era a porta da esperança. Não era a porta que eu deveria abrir. Era a porta do sofrimento.
Restavam duas opções. Era agora ou nunca. Se eu errasse, morreria.
Respirei fundo e senti um calor emanar das minhas mãos. Apenas a porta do meio emanava o mesmo calor. Era aquela. Aquela era a escolha certa.
— É essa. — apontei.
— Você tem certeza? É sua escolha final?
Sem responder, estendi a mão. A porta iluminou-se. Em seu centro, meu símbolo brilhava: o sol com um olho azul em seu centro. A porta abriu-se sem precisar que algum de nós tocasse na maçaneta.
Havia um vale do outro lado. Mas não era sombrio como o Vale do Rio Sem Fundo. Pelo contrário! Era lindo! Flores dos tipos mais diversos cobriam o chão que assumia um belo aspecto multicolorido. Em seu centro, havia um baú de prata.
Era ele. O baú que guardava o espelho que concederia meu desejo.
Eu corri na direção dele, seguida por Sammy e Backnamut. Eu estava quase lá. Estava prestes a pôr minhas mãos no objeto que traria o Oráculo de volta para o mundo dos vivos. De volta para mim.
Eu tentei abri-lo. Tentei abri-lo de todas as formas... mas ele não abriu.
— Deve ser outro teste. — Supôs Sammy — Deixe-me tentar.
E ele tentou. Tentou várias vezes. Usou a força, a agilidade e a esperteza... mas não conseguiu abri-lo.
— Posso tentar? — Backnamut sorriu.
— Mas se nem Laíres nem eu conseguimos abrir...
— Por favooor... — Ele uniu as mãos.
— Tá bom! Você venceu! — seu irmão rendeu-se com uma risada sincera — Sério... Como o Oráculo conseguia dizer “não” a você?
— Não sei. Ele era sério demais. — Backnamut pegou o baú. E para a surpresa de todos, em vez de tentar abri-lo a força, o jovem começou a falar com o objeto — Sabia que a gente precisa muito de uma coisa que tá dentro de você? É um espelhinho. Nada de mais. A gente precisa dele porque minha senhora quer ressuscitar o amigo dela. Ela tá com saudade. E tá muito triste.
— Hã... irmão? — Sammy chamou — Acho que isso não vai...
— Shhh. — levei o dedo indicador aos seus lábios — Deixe-o tentar da maneira dele.
— Por favor... — implorou Backnamut — É para uma coisa boa. Por favor... — ele uniu as mãos em uma súplica... e o baú abriu-se. O rapaz olhou para mim e sorriu — Aqui, senhora. — ele tirou o espelho do baú. De fato, era pequeno. Era feito de madeira de carvalho e entalhado com joias.
— Viu só? — sorri para Sammy — Às vezes, a inocência é a melhor chave.
Havia chegado a hora. Finalmente eu faria o pedido.
— Vamos lá, senhora! — Backnamut me encorajou — Faça o pedido! Faça! Faça!
Lancei-lhe um meio sorriso e me concentrei no espelho. Meu reflexo nele parecia mais malicioso. Mais ousado do que eu realmente era. Tomei coragem. Chegara a hora.
— Muito bem... — respirei fundo — Lá vamos nós. O que mais quero... é tê-lo de volta. Quero que o antigo Oráculo de Delfos volte para este mundo. Para o mundo dos vivos.
Ao som do meu pedido, o espelho se estilhaçou, me fazendo recuar com um grito e ficar olhando para os estilhaços. Será que ele não queria conceder meu desejo? Será que...
— Senhora? — Backnamut tocou meu ombro e me incentivou a olhar para trás.
Meu coração disparou. Era mesmo ele! O antigo Oráculo pairava no ar. Seus olhos estavam fechados. Seu corpo estava inerte. Uma de suas mãos estava sobre o peito. Estava manchada de sangue.
— Oráculo... — Sussurrei ao me aproximar. Meus olhos se encheram de lágrimas quando notei que sua pele ainda estava fria. Que seu coração não batia. Que ele não respirava. De fato, ele voltara para mim. Seu corpo voltara. Mas sua alma... sua alma não estava lá — Por que ele ainda está morto? — perguntei à dríade.
Ela mordeu o lábio. Pela primeira vez eu à vi nervosa.
— Criança... esse espelho... ele concede desejos sim. O que você leu não estava errado. Mas tem uma coisa que aquelas páginas não te contaram. Para que um desejo seja realizado — sua voz tremeu — um sacrifício deve ser feito. Dessa forma...
— Alguém tem que morrer para o Oráculo viver. — completou Sammy. Sua determinação ao dizer isso me assustou.
— Sammy... — agarrei-o pela mão — Você não está pensando em...
— Ele era humilde de coração. — disse o filho de Hermes — Eu... Eu só vivo no Olimpo ao lado do meu pai porque o Oráculo me protegeu durante a guerra contra os titãs. Se hoje eu estou vivo e ao lado do meu pai, se hoje o Backnamut tá vivo... é tudo graças a ele.
— Sammy... — Lágrimas brotaram nos olhos de Backnamut — O que vai fazer?
— Ei... — Sammy abraçou seu irmão — Você se lembra de quando o Oráculo convenceu Hestia a te devolver o dom da fala? Ele quase foi incinerado.
— Lembro. Mas...
— Você quer que ele viva outra vez?
— Quero. Mas não quero perder você!
— Vamos nos encontrar um dia nos Campos Elíseos. — ele sorriu — Enquanto isso... Nosso pai te protegerá dos céus. E aqui na terra... sua senhora e o Oráculo vão cuidar de você. — ele beijou a testa do irmão uma última vez e se aproximou do corpo inerte do Oráculo — Cara... — ele corou — Cuida bem do meu irmão, tá? Se não fizer isso, eu volto dos mortos e roubo sua pedra só para te irritar. — ele sorriu e segurou a mão do Oráculo — Eu dou minha vida por você. Quando meus olhos se fecharem, pode desfrutar do sol outra vez.
  E tudo começou a acontecer. Um brilho dourado emanou do peito de Sammy e envolveu os dois rapazes. Sammy gritou de dor. Abracei Backnamut com força. O garoto chorava como nunca havia chorado. Um clarão cegou-nos. Quando tudo se fez ver novamente, O irmão de Backnamut desaparecera. Em seu lugar, no exato lugar onde ele dera sua vida para salvar outra, havia uma árvore de beleza inigualável: seu tronco era dourado. Tão dourado quanto a luz que cercara Sammy. Suas folhas, eram da cor dos seus cabelos castanhos; seus frutos, eram pálidos e tão perfeitos quanto a pele do filho de Hermes. E ao redor da árvore, corria um riacho de águas tão azuis quanto seus belos olhos.
O Oráculo jazia inconsciente ao lado da árvore. Desvencilhei-me do abraço de Backnamut, corri até lá e me ajoelhei ao seu lado.
— Estou com saudades. — sussurrei e levei a mão ao seu peito. Não havia mais sangramento. Havia apenas um movimento constante... uma pulsação...
Então ele ofegou. Seus olhos se abriram. Negros como a noite. Tão penetrantes quanto eu me lembrava. Vivos.
— Eu... também estava. — sua voz soou rouca, mas pareceu música para meus ouvidos. Ele voltara! Havia mesmo voltado à vida!
— Você está vivo! — Não contive a emoção e o enlacei em um abraço — Ah, Oráculo...
— Clitos. — Disse.
— Hum...?
— Meu nome... é Clitos.
Sorri.
— Clitos. — repeti — Meu defensor.
Meus olhos pousaram novamente em Backnamut e meu sorriso se desfez.
— Sammy... — o jovem chamava, como se repetir o nome do seu irmão pudesse trazê-lo de volta — Sammy...
Clitos levantou-se ainda meio cambaleante e foi até o jovem.
— Eu sinto muito, Back... — ele sussurrou.
Back. Eu nunca vira ninguém chamar o Backnamut assim. Nem eu o chamava assim. Só então percebi o quanto Clitos e ele eram próximos.
— Você vai mesmo me proteger? Como Sammy disse?
Clitos enxugou as lágrimas do rapaz.
— É claro, Back. — eles se abraçaram — Você é como um filho para mim. — ele sorriu gentilmente — É um pouco irritante, mas... Ok! Você é muito irritante. Mas eu gosto de você mesmo assim.
Os dois riram.
   Apesar da perda de alguém amado, nosso objetivo foi cumprido. Clitos estava de volta. Havia voltado dos mortos. A partir dali, uma nova história seria escrita. Novos rumos seriam tomados. Backnamut superaria a morte do seu irmão. Logo, a dor da perda se transformaria apenas em uma saudade boa. Porque eles sempre seriam irmãos. Sempre iriam se amar. E nem mesmo a morte poderia mudar isso, pois um dia, eles se encontrariam novamente em outro mundo. Em outro tempo. Em outro lugar.

As Aventuras de Laíres e Fernando na Terra da Imaginação: Do Fim ao Recomeço Onde histórias criam vida. Descubra agora