* Você tem sangue? *

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     E aqui estou eu novamente

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     E aqui estou eu novamente. Às 23:30, chegando do trabalho.

   Mas desta vez, a noite é quente, mesmo que haja vento, sopra como uma chama ardente.

   Chego em casa de mansinho, sorridente, tão inofensivo como um ursinho.

  Quando acendo a luz, ouço alguém gritar.

   "Ah! Por favor! Apague isto. Já não basta o calor?"

   
  Penso em me desculpar, mas apenas obedeço, sem reclamar.

   "Quem é você?" Digo, mas acho que já sei o que irá me dizer.

  "Não vê?" Parece curioso.

    "Não. Mandou-me apagar a luz, não consegue se lembrar?"

   Ele dá uma gargalhada ao dizer: "Sou um vampiro, ora, pequeno ser. Ou não vistes o meu ver?"

  Rio com ele, mesmo sem entender. Sinto então a necessidade de fazê-lo ficar, talvez eu devesse chamá-lo para jantar.

  Abro um sorriso ao me expressar, quase acendo a luz sem pensar: "Sente-se, nós podemos conversar. Pode me contar como chegou aqui, se não se incomodar?" A esperança toma conta do meu olhar.

    Ele suspira.

"Não estou afim de relaxar. O fantasma me disse que aqui seria, para mim, um belo lar." Revira os olhos com desdém.

    Sua linguagem me parece informal, creio que não quer impressionar alguém.

"Ah, sim, o fantasma. Ele chegou em mal hora. O tempo estava fechado, chovia e certamente fazia muito frio. Realmente uma má hora, o meu lar não tinha uma aparência dahora."  Tento parecer descolado, mas acho que parece um tanto abobalhado.

  "Queria eu ter chegado no momento em que ele chegou. Olhe para você agora, se esforçando sem saber se ficarei ou irei embora."

   Mordo os lábios. Esperava que fosse mais amigável.

    "Claro, claro.Quer um pouco de chá para conversar? Se for ficar." Acrescento antes de hesitar.

     "Você tem sangue?" Seu olhar é vazio, mas diferente do olhar do antigo monstro, ele é sedento, até arisco se você estiver desatento.

   
  "Não. Mas tenho chá, tem certeza que não quer ficar? Se você se sentar, podemos conversar."

    Mais uma vez, a esperança surge em meu olhar ao vê-lo hesitar.  

   Talvez tenha decidido ficar.

   "Ah, me desculpe, mas não poderei ficar."

  "Por quê? Eu já reformei o meu lar! Agora você pode entrar!"

     A solidão parece querer gritar no meu peito, com medo de ter que ficar, de não poder se aposentar.

  "Porque você não tem sangue. Não gosto de chá, não curto conversar e muito menos tirar um cochilo da tarde. Não sou fã de sonhar." Dá de ombros.

    Suspiro.

  "Além do mais, isso daqui está arrumado demais para mim, não gostei deste lar. Não me é familiar."

  "Você prefere como estava antes?" Procuro saber.

  "Não!" Ele se apressa em dizer. "Só acho que não precisa de tanta luz. Pode trocar a cor das paredes em vermelho traria maciez."
 

  "O que acha da luz do Sol? Acha que seria melhor cobrir a janela com um lençol?"

   Ao ver sua expressão, o meu brilho sumiu tão rápido quanto o Sol que nesta manhã se abriu.

   "Talvez... Talvez devesse colocar mais cor, mais amor."

   Minha esperança volta a radiar. Respondo, sorrindo e com um brilho no olhar: "Isso! Vou trocar agora mesmo! Pode esperar? Irei arrumar para você ficar."

  Ele morde os lados mais uma vez.

  "Você sabe, não tens sangue. Tens muito a me oferecer, mas não tens o que eu tanto desejo ter. Sendo assim, até gostaria de ficar. De conhecer o seu novo lar. Mas acho que o fantasma se enganou. Me trouxe ao lugar errado ou me trapaceou. Não foi isso que eu o disse desejar encontrar, foi algo um tanto... peculiar, visitar o seu lar."

   Ele se apressa até a porta mas eu a tranco, entro na frente como um amador franco.
 

  Acendo a luz.

  "Espere! Ele não lhe trapaceou! Ele esteve aqui, sim! Só que estava tudo meio bagunçado, entende? Meio desleixado..."

  "Mas havia sangue! Agora só há chá, talvez essa carência te acompanhe nesse blá blá blá, sem querer lhe desrespeitar. Mas o que eu preciso já se foi, então queira deixar..."

  "Não!"  Interrompi. "Ainda há sangue no meu lar, você pode provar!" Aponto para o lado esquerdo do peito.

  "Não há o suficiente. Deixe-me ir ou terei de pular a janela, e se for preciso, a porta arrombar!"

   "Não pode fazer isso com o meu lar!" Grito, a raiva irradiando.

   "Não me deixou outra escolha..." E então, com um estrondo a porta é arrombada, mas com a leveza de uma folha.

  Ele quebrou a porta do meu lar.

   Como poderia dizer a ele que o restinho de sangue que eu tenho é tudo o que posso dar?

   Não deveria ter lhe dito que tinha, não deveria ter lhe dito que o fantasma me pediu companhia.

  
  

Os Monstros do meu LarOnde histórias criam vida. Descubra agora