O mesmo ritual de sempre. Às 23:00h estou chegando em casa, caminhando pela rua fria e vasta.
Quando estou a quatro casas da minha, avisto algo brilhante. É O MEU GIRASSOL! Ele está ainda mais radiante!
Me apresso sorridente.
"Oi! Quanto tempo!" Ele sorri. "Por quê não entrou? Você poderia ter pegado um resfriado. Não precisava ter esperado."
"Eu te entreguei as chaves. Aliás, não saberia por onde tu vives."
Abro a porta correndo."O que aconteceu aqui dentro?" Olha espantado.
"Alguns monstros, nada demais." Corro arrumando tudo e recolhendo os jornais.
"O sofá..."
"Foi quebrado. Mas não há nada que não possa ser concertado."
"Mas nem há sol..."
"Eu sei, eu sei. Você é um girassol, precisa de sol. Vou resolver isso, vou torná-lo um compromisso."
( Vou fazer de tudo para que se sinta em casa comigo.)
"Eu..."
"As janelas? Posso abrir. Também posso arrumar o quintal ao invés da sala, se preferir.""Não é isso. É que..."
"Quer chá? Agora que voltou, podemos conversar. Você é diferente daqueles monstros idiotas, vai amar ficar."
"Na verdade..."
"Vou comprar um nova cama. Senti muito a sua falta, sabe? Acho que te amo mais do que você me ama..."
"JÁ CHEGA! ME OUÇA!" Grita.
Não digo nada.
"Não vim para ficar. Eu encontrei um novo lar. Não quero que o refaça, só quero que me ouça.
(...Encontrei um homem pelo qual me apaixonei...)
"Vim para saber como está o seu lar. Avisar que me lembrei dele esta manhã, quando eu caminhava para pegar um ar.
(Vim ver como está depois de tudo o que aconteceu, pois, afinal de contas, gosto de te manter por perto. )
"Dizer, também, que encontrei no novo lar uma boa sala de estar. Lá, o sol brilha tanto que chega radiar."
(O homem que encontrei é lindo e tem uma ótima conversa.)
Com as lágrimas nos olhos, pergunto:
"Não veio para ficar?""Sinto muito por fazê-lo esperar..."
"O meu Lar será melhor para você, eu posso provar. Aqui, o tempo passará. Se cantar às cinco e vinte e três da manhã, um pássaro voará."
(... Aqui, nossa conversa durará mais. Se voltar a ser como antes, me esforçarei para lhe dar tudo o que quiser.)
"Não quero força-lo a cantar. Não quero, os seus filhotes despertar."
(Não quero viver de modo forçado.)
Desesperado, busco um lindo quadro.
"Lembra-se deste dia? No riacho a cantar, ao meio-dia?"
Ele parece confuso.
"Não..."
"Como não se lembra? VOCÊ cantou, cantou para mim, riu, e, por fim, dançou. Dançou até adormecer, antes mesmo de para tu eu acabar de ler..."
(Como não se lembra do que vivemos?...)
"Eu me lembro apenas de lhe ouvir dizer gostar do sol e de amar conversar."
(Me lembro apenas de que você me amava e fazia de tudo por mim, mas não me lembro exatamente o que fazia.)
"Há tempos que odeio o sol."
(Há tempos que odeio tudo o que lhe agradava, como o próprio sol.)
"Por quê?""Me lembra você. Tu necessitas dele. O ama mais do que um dia me amou. Ele é um dos motivos do porquê você não ficou..."
(... Tu necessita de todos os seus gostos e luxos. Os ama mais do que um dia me amou. Seus vícios são um dos motivos pelo qual me abandonou.)
Vejo, então, que o sol está quase surgindo.
Ele olha para a janela.
"Preciso ir..."
"Fique." Sussurro, a dor a me consumir.
(Peço para que fique, pois o amo como jamais amaria alguém, Mas sei que não suportaria tê-lo comigo novamente.)
"Encontrei um novo lar, lembra?"
"Como não lembrar."
Ele está indo até a porta. Na minha última tentativa, grito:
"Espere!"
Ele se vira.
"Também me lembrei de você hoje."
Ele sorri.
"Como foi?"
"Desta vez, eu estava de carro, mas ele quebrou na estrada. Achei um saco ter que andar, mas me lembrei que você gostava de caminhar.
"Depois, me sentei olhando para a lua. A noite era escura, sombria e até mesmo vazia."
Na verdade, há pouquíssimos minutos em que não penso nele.
"Como lembrastes de mim pela lua?" Se irrita.
"Não, não. Não me lembrei desta forma. Lembrei que tu odiava o frio, detestava a ausência do calor e da cor."
"Como consegue me ver em tudo?"
Me sinto envergonhado.
"Não é que eu lhe veja em tudo, mas tudo me lembra seu mundo."
(Você tem seus vícios e as coisas que ama. Tu és meu vício mais perigoso e lhe amar é uma tortura.)
"Sinto muito por lhe fazer lembrar. Mas não poderia voltar..."
"Eu já sei, 'já tenho outro lar.' "
Ele morde os lábios.
"Preciso ir. Adeus."
Ele saí, leva com ele a minha alma e a bagunça do meu lar, a qual só por ele eu conseguiria arrumar.
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Os Monstros do meu Lar
PoetryEssa obra é um conjunto de poesias sobre um homem de rotina comum, vida comum, aparência comum, mas um lar muito extraordinário. Nessa jornada iremos acompanhar um homem fardo de viver a mesma vida todos os dias sem o seu girassol. Fardo de ter se...