Algumas boas horas se passaram sem que nenhuma das seis percebesse. Entre contar novidades e rememorar os velhos tempos, o grupo seguiu em prosa afiada, quase sem tempo para respiros ou silencioso. Natália estava mais calada do que as outras, é verdade, mas também não era como se esperassem dela, logo ela... imagina, uma enxurrada de palavras. Seu silencio, naquela situação, podia sem muito bem ser um sinal de que tudo estava ok.
- E a Helena? - foi uma das poucas perguntas feitas por ela naquela noite - não quis vir?
- A Helena está fora da cidade - Lara disse em tom cauteloso - foi cuidar da saúde.
- Também... com um pai igual o dela - Adriana disse num sussurro que só não escapou dos ouvidos de Carol.
Lara prosseguiu falando, sempre com muito cuidado na escolha das palavras
- Ela se sentiu muito... fragilizada com tudo que aconteceu nos últimos meses. Decidiu tirar um tempo pra tratar suas emoções.
- Poxa, que pena - o comentário de Natália gerou uma série de expressões confusas e sobrancelhas levantadas nos rostos das amigas - mas, pelo menos agora eu não sou a única maluca do grupo, né?
Carol tentou segurar a risada, mas seus lábios se esticaram e mostraram parte dos dentes brancos. Havia algo naquele humor de Natália que seduzia e ia completamente de encontro com ela.
Por volta das dez horas, a casa tinha retomado seu silêncio habitual. Pedro, que durante todo o tempo esteve longe da sala pra não atrapalhar o encontro das amigas, tinha se retirado para deitar, deixando Natália e Taís acordadas sozinhas.
- Sentimos sua falta, Natália - Taís disse se aproximando e colocando a mão de dedos longos sobre o joelho da cunhada - eu senti sua falta.
- Ham, não sei como uma pessoa que passa a maior parte do tempo em silêncio pode fazer falta, mas tenho que admitir, também senti falta daqui... e de você! - as últimas palavras estamparam um sorriso no rosto de ambas, Natália segurava as mãos de Taís e olhava fundo em seus olhos - obrigada por esse cuidado
- Você merece, meu amor - elas se abraçaram por alguns segundos, até Natália se desvencilhar ainda com um sorriso tímido no rosto.- Acho que eu vou... tomar um banho, dar uma descansada.
- Vai, meu bem, vai lá...
As duas se separaram e Natália seguiu para o banheiro, onde passou longos minutos em completo silêncio. Somente o som da água batendo no chão preenchia o ambiente. Mas, se tudo estava calmo do lado de fora, por dentro, a mente de Natália se parecia com um salão enorme, sem mobília, e com milhões de vozes falando ao mesmo tempo. Estava completamente confusa em relação aos sentimentos despertados pela visita das meninas.
Um lado seu, dominado pelo orgulho, não estava disposto a dar o braço a torcer e admitir que tinha sido bom rever aqueles rostos. Outro, sentia-se culpado, afinal, todas elas despertavam lembranças do dia em que Bruno tinha morrido. Natália também não queria admitir, mas sentia culpa porque acreditava na ideia de que estava traindo seu irmão ficando na presença delas, que tinham lidado de maneira tão amena com aquela perda abrupta.
Tudo bem, elas não gostavam do Bruno. Ninguém gostava do Bruno. Só eu. Mas hoje eu sei, não tenho problema lidar com o fato de que ele era mesmo um cara muito detestável. Mas também era um dos poucos que não pegava no meu pé me chamando de esquisitinha. Era meu irmão. É meu irmão! Sempre vai ser. Mas, não posso deixar que ele se torne tão grande assim, não posso viver no rastro desse fantasma.
Natalia saiu do banho direto para o quarto e trancou a porta. Sua cabeça continuava a mim por hora.
Foi bom ver as meninas. É difícil admitir isso, mas foi bom ver as meninas! Afinal, a vida seguiu... a vida delas todas. Eu quero que a minha siga também. Eu preciso que ela siga. E preciso das pessoas, mesmo que elas sejam todas chatas, caretas, sem graça. Preciso delas.
Os rostos das meninas ainda frescos em sua memória traziam a tona lembranças importantes. O dia em que a Renne, ainda muito jovem, compartilhou seu verdadeiro eu e nasceu pra ela mesma. O dia que a Dri contou do noivado com Jonas. Quando a Taís foi chamada pro primeiro trabalho de modelo. A Lara, que tinha tomado o cuidado de pensar em uma forma de celebrar o dia, aquele mesmo dia, que Natália tinha decidido voltar a vida.
De repente foi invadida pela epifania de perceber que estava vida. E por algum motivo, ao sentir o peito vibrar, Natália pensou em Carol.
.....
No carro, voltando para casa de carona com Adriana, Carol não se sentia mais tão sozinha.
Tinha reencontrado aquele grupo que, apesar do tempo, ainda conservava em si muito do que aquelas meninas de vinte e cinco anos atrás traziam de mais bonito.
Era um tipo de felicidade diferente que estava sentindo.
- Sabe amiga - Adriana vinha falando sobre como foi difícil lidar com toda a situação envolvendo Jonas, Helena e Giovanni - no final de tudo eu entendi que o que mais importava era o amor. O amor da minha filha e da minha tia, e o amor que eu sinto pelo Jonas. Só com isso muito perto de mim era possível passar por essa situação.
- Aí Dri, eu nem imagino amiga. Queria poder ter estado mais perto de você nesse momento
- Não, amiga, que isso. A gente tava afastada a muito tempo, você vivendo sua vida, tendo mil e uma funções, exercendo um trabalho importante, lindo! Estamos aqui agora e isso que importa
- Você tá certa. E que bom né? Que a Lara teve essa ideia, ela sempre tão cuidadosa. Que bom também que a Natália gostou, ou pelo menos, fingiu muito bem.
Entre risos, Adriana respondeu
- Acho que ela gostou sim. Faz muito tempo que conheço minha amiga, sei como ela fica quando esta incomodada.
Carol assentiu rindo também e o assunto seguiu por outros caminhos até o carro parar diante da casa do prédio de Carol. Se despediu de Adriana com um abraço caloroso, prometendo que não ia levar mais vinte e cinco anos pra voltar a vê-la. Em seguida, subiu para deu apartamento, mergulhou no silêncio de sua própria companhia e trancou a porta.
Nem sabia que sentia falta daquela sensação. Melhor, nem sabia direito que sensação era aquela.
Tão bom estar com as meninas, lembrar que a vida pode ser mais do que trabalho, trabalho, trabalho. Sentiu-se bem, e sem se dar conta, pensou se Natália também se sentia bem com aquilo. Lembrou do momento em que seus olhos se encontraram, muito antes de seus corpos se abraçarem. Foi invadida outra vez pela sensação de familiaridade que sentiu no exato segundo que sua cabeça passou por cima do ombro de Natália.
Ficou mais tempo do que conseguia contar divagando entre memórias vividas pelo grupo e se deliciando com elas, sentindo uma alegria extremamente genuína brotar de seu peito. Ela só não conseguia perceber que, a cada dez lembranças boas que lhe acertavam em cheio, nove, de alguma forma, estavam relacionadas a Natália. Também não se deu conta quando pegou no sono.
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Os outros são os outros
FanfictionDepois de vinte e cinco anos da morte de seu irmão, Natália ainda se sente presa à fatídica noite que encontrou o corpo de Bruno sem vida. Após ficar internada pela segunda vez, uma reunião de boas vindas organizada pelo grupo de amigas da adolescên...