- E como você se sente com isso, Natália?
Era mais um dia de encontro com Lígia, sua psicóloga. Natália vinha cheia de novidades, ou talvez seria uma única novidade, dessas tão entusiasmante, que você sente que aconteceram um milhão de coisas ao mesmo tempo?
- Olha, Lígia, eu não sei dizer. Tem horas que me sinto muito bem, feliz, caminhando pro meu objetivo de voltar a viver, mas tem horas que a culpa cai sobre a minha cabeça como uma bigorna de desenho animado. E eu fico lá embaixo amassada, imóvel, sem conseguir me levantar.
- Isso ainda tem a ver com o Bruno?
- Sim, eu acho que sim. Não consigo me livrar o sentimento de culpa que me invade quando penso que ele não viveu e não pode mais viver a vida dele, enquanto eu tô aqui... e isso piora quando encontro as meninas, olhar pra elas me faz lembrar dele quase que de imediato. Menos a Carol, ela não me trás tanto essa sensação de pesar. Com ela é mais... leve, não sei...
- Carol foi uma das amigas que te acolheu nos primeiros dias pós o acidente, certo?
- Sim. Ela mesma.
- E como é estar com ela?
- É... aí Lígia, é leve. Não tem outra palavra, é leve, bom, acolhedor. Sempre foi assim, a Carol sempre foi essa pessoa na minha vida.
A expressão no rosto de Lígia era quase neutra. Quase porque, algumas poucas linhas que se formavam em seus olhos e ao redor de sua boca, denunciavam certa curiosidade por parte da psicóloga.
- Tem mais algum sentimento envolvido nessa relação de vocês? Amor? Desejo?
Natália ficou vermelha instantaneamente
- NÃO! Claro que eu amo a Carol, mas é um amor entre amigas, só isso.
Lígia não insistiu, continuo a sessão pelos quinze minutos que ainda faltavam, deixando que o pensamento de Natália dominasse a sala através de sua fala.
Ao final da sessão, depois de acompanhar sua paciente até a porta e ve-la sair em direção ao estacionamento, Lígia deixou que um sorriso singelo ganhasse seus lábios. Um sorriso de quem sabia o que estava acontecendo.
.....
Tem dias que eu saio dessa terapia mais confusa do que a hora que entrei. Não consigo acreditar que eu pago pra passar por isso. Cadê as chaves do carro...? Aqui!, estão aqui! Eu vou pra casa, tomar banho e dormir profundamente até essa sensação esquisita passar.
Natália se acomodou no banco, virou a chave no contato e deu partida em direção a rua.
Desejo... de onde Lígia tirou isso? A Carol é minha amiga desde... desde sempre! Desejo só se for de...
Parou. Não permitiu que aquele pensamento se formasse por completo. A verdade é que tinha medo do que poderia descobrir.
Preferiu o silêncio. Ligou o rápido para abafar seus pensamentos, mas foi em vão. Cada brecha de tempo, por menor que fosse, era suficiente para trazer de volta a pergunta de Lígia e as imagens de Carol nos últimos dias, a noite na casa dela, o café da manhã no dia seguinte, ela aparecendo do nada na porta de seu quarto convidando para um café.
Talvez se eu chamar a Adriana, ou a Renne, a Lara, qualquer uma delas... talvez me ajude a acabar com essa ideia de que a Carol... aí, quer saber, esquece! Tudo isso é culpa da Lígia. Botando caraminholas na minha cabeça. Vou pra casa.
Chegando em casa Natália mal falou com Pedro e Taís. Era noite, mas não noite o bastante para ir pra cama. Mesmo assim, Natália dispensou o jantar alegando muita enxaqueca, foi para o quarto e depois de longo banho regado a pensamentos incessantes, deitou na cama para dormir.
Ficou um bom tempo acordada, virando de um lado para o outro, até que finalmente pegou no sono e embalou em uma longa viagem pelo mundo dos sonhos. A certo ponto, porém, despertou nervosa, suando frio e sem saber direito onde estava.Olhou ao redor e segundos depois de identificar seu quarto, reparou que não estava sozinha.
Sentado nos pés da cama estava Bruno, a cara amarrada, o olhar baixo
- Não estou gostando disso - foi o que ele disse.
No mesmo instante e sem pensar duas vezes, Natália levantou, pegou a bolsa na cadeira e saiu em direção a garagem. Eram quatro e meia da manhã.
NOTAS DA AUTORA
Oie! Demorei, mas voltei. Estava tendo uma semana bem apertada no trabalho, por isso não consegui atualizar a fic antes. Esse final de semana vou tentar deixar mais capítulos prontos pra ir soltando aos poucos e não deixar vocês tanto tempo esperando.
Estou muito feliz com os comentários que tenho recebido e mais feliz ainda de saber que estão gostando da história. Obrigada por acompanharem até aqui 💞
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Os outros são os outros
FanfictionDepois de vinte e cinco anos da morte de seu irmão, Natália ainda se sente presa à fatídica noite que encontrou o corpo de Bruno sem vida. Após ficar internada pela segunda vez, uma reunião de boas vindas organizada pelo grupo de amigas da adolescên...