Quatro dias. Quatro dias de silêncio absoluto. Natália já tinha começado a roer os cantos das unhas. Pior que isso, estava começando a ficar sem recursos para disfarçar sua angústia e, cada vez mais, chamava atenção de Pedro e principalmente de Taís, que desde aquela fatídica noite, já alimentava desconfianças.
Ao abrir os olhos naquela manhã, Natália sentiu o fardo de suas escolhas. Teria sido bem mais fácil se tivesse mantido tido em segredo, ela pensou, mas não se deteve nisso para não alimentar culpas. Aparentemente, esse era o grande desafio que vinha junto com a sincero: aguentar o fardo.
Esperava ansiosa pela chegada dos próximos dias, quando poderia encontrar Lígia e contar a ela tudo que tinha acontecido. Contar para alguém que ela tinha, intencionalmente, beijado sua melhor amiga. A mera lembrança lhe trazia um arrepio na espinha, por isso evitava o máximo possível pensar a respeito. Mas ao logo do dia, por acaso ou destino, sempre tinha alguma coisa que trazia a imagem de Carol de volta ao trapézio dos seus pensamentos. Ali ela se balançava para frente e para trás, deixando Natália tonta.
Naquela dia, especificamente, tinha acordado sozinha em casa, o que lhe deu tempo e liberdade suficiente para viver a manhã com calma. Passou café, comeu, tomou um banho para despertar e caminhou para o jardim com seus equipamentos de fotografia a fim de distrair sua imaginação com um teste de luz.
Ficou completamente envolvida no trabalho e mal se deu conta que Taís tinha voltado. Estava parada observando cada movimentação da cunhada.
- Taís! Quer me matar de susto!
- Desculpa, desculpa! Você estava tão concentrada que não quis atrapalhar. Tudo bem?
- Tudo. Tô aqui, testando a luz. Praticando. Sei lá.
- Deixa eu ver o que temos - Taís disse se aproximando da câmera para ver os registros de Natália. Eram poucos, mais muito bonitos. O céu, um pássaro, as flores do jardim - estão ótimas, Natália!
- Obrigada.
- Você já almoçou? Eu tava pensando em sair pra comer algo. Me acompanha?
- Claro! Vou só trocar de roupa.
.
Não foram muito longe, tanto pela fome, quanto pela preguiça. Escolheram um pequeno restaurante, bem arejado e simples, que servia ótimos pratos tropicais, o ideal para dias quentes como aquele. Era a primeira vez de Natália ali.
- Que lugar agradável, Taís! Ótima sugestão.
- Não, a hora que chegar a limonada com hortelã você vai entender do que eu tô falando. Sério, esse lugar é ótimo. Agora, Natália, eu, bom...
- Ih, lá vem... o que foi agora?
- Não quero parecer invasiva, ok? Não precisa nem responder se não quiser, mas não é de hoje que tenho te sentido... diferente, quase como se tivesse fora de órbita. Acontece alguma coisa?
De novo essa maldita pergunta. Quantas vezes não tinha escutado ela nos últimos meses. Quantas vezes já não tinha respondido. Olhou nos olhos de Taís e ponderou se deveria ou não contar a ela. A cunhada, por sua vez, não demonstrou nenhuma reação que denúnciasse expectativas em torno da resposta. Talvez estivesse certa de que não as receberia.
O garçom chegou com a jarra de limonada e serviu dois copos cheios com o líquido. Taís levou o bocal aos lábios imediatamente e, quando sentia o amargou escorrer pela garganta, foi surpreendida
- Eu beijei a Carol.
Parte do líquido escapou da boca de Taís em pequenas partículas velozes, que molharam os braços de Natália. Algumas pessoas olhavam curiosas na direção das duas
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Os outros são os outros
FanfictionDepois de vinte e cinco anos da morte de seu irmão, Natália ainda se sente presa à fatídica noite que encontrou o corpo de Bruno sem vida. Após ficar internada pela segunda vez, uma reunião de boas vindas organizada pelo grupo de amigas da adolescên...