capítulo 14 - sobre acender as luzes

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- Oi! - disse Natália com seu jeito único assim que Carol abriu a porta do apartamento.

- Oi... - respondeu a cientista, um pouco desajeitada dentro de si mesma.

As duas inclinar-se para frente na intenção de se cumprimentar com um encontro de bochechas mas, por dois segundos, seus rostos ficaram dançado na mesma órbitas de um jeito que suas bocas quase se encontraram. Natália pôs fim ao balé desferindo um beijo certeiro na bochecha de Carol, que sentiu a pele queimar com o contato dos lábios da amiga.

- Que bom que você veio - foi o que ela disse para sair daquele embaraço, enquanto via Natália se afastar na direção do sofá com a tranquilidade de quem se sente em casa - fica a vontade.

- Estou muito feliz pelo convite, Carol. Acho que vai me fazer bem passar um tempo com você.

- É...

Natália olhou fundo nos olhos de Carol, o que fez com que a anfitriã despertasse de seus devaneios antes que a situação ganhasse novos contornos embaraçosos.

- Quer beber alguma coisa? Eu separei um vinho bem levando, vai combinar com o almoço.

- Pode ser.

Carol sorriu timidamente e se encaminhou para a cozinha. Mesmo de costas para Natália, ia falando alguma coisa sobre... sobre o almoço? Natália não conseguia prestar atenção nas palavras que saiam da boca da amiga. Estava ocupada demais dando atenção a seus pensamentos, que naquele momento giravam em torno de admirar cada detalhe do comportamento de Carol.

O jeito que ela falava, o jeito que ela andava, o jeito meio que ela demonstrava sua preocupação e cuidado, o jeito que segurava as taças, o jeito que seus olhos tinham. Foi sua vez de ser chamada de volta a realidade por Carol, que estava sentada no sofá com a taça estendida na direção da amiga

- Obrigada - Natália disse como se estivesse funcionando no modo automático. Aceitou a taça e as duas brindaram antes de tomar seus goles.

- Como você está? - Carol perguntou depois de meio segundo de silêncio.

- Fiquei a manhã toda tentando desviar dessa pergunta...

- Natália, você não precisa me contar nada que não queria, eu só... só fico preocupada. Você já conversou com a sua psicóloga?

- Não, ainda não. Achei melhor deixar pra fazer isso pessoalmente na nossa próxima sessão. É bom que eu também ganho um tempo pra... processar tudo isso, né.

Carol não parecia convencida, Natália percebeu de imediato

- O que? Você acha que não vou falar nada pra ela? Eu sou maluca, Carol, mas não é pra tanto, ok? Acredite em mim, não tem ninguém que queria mais sair desse buraco do que eu!

- Eu sei, Natália, acredito em você. Talvez eu esteja só tentando me acostumar com isso tudo. Um dia minha vida era de casa pro trabalho e do trabalho pra casa e de repente ela ganhou mais movimento do que... do que as partículas de um átomo super aquecido.

- Que piadinha ruim - Natália pontuou dando mais um gole no vinho. Carol só pode rir do comentário, afinal, essa era a Natália que ela sempre conheceu.

.....

O almoço correu tranquilo e agradável. Boa comida, boa bebida e ótimas conversas iam compondo aquele quadro vivo que se formava bem ali, na casa de Carol. A essa altura ela já não se sentia mais tão nervosa quanto no começo, exceto nas vezes em que, por descuido ou de propósito, Natália encostava sua mão na da amiga, provocando uma corrente elétrica no corpo da cientista.
- Aí, Carol... - Natália apoiou a cabeça em uma das mãos - eu acho que nem te agradeci por... bom, por ter ido atrás de mim ontem. Quando eu vi você ali, abaixada, me olhando, eu senti uma paz tão grande. Eu estava tão assustada, tão, tão nervosa e ver você foi assim...

- Oh Natália - foi a vez de Carol procurar as mãos da amiga para segura-las com firmeza - não, não precisa agradecer. Amigos servem pra essas coisas, né?

- É... - a resposta soou vaga, como se Natália estivesse parcialmente desligada da conversa - posso te dar um abraço?

Numa fração de segundos que pareceram durar uma eternidade, Carol ponderou, sentiu o coração perder o ritmo, olhou a amiga e com um gesto de abrir os braços a convidou para repousar em seu ombro. Automaticamente as mãos de Carol se dirigiram ao topo da cabeça de Natália e ali permaneceram, sem um movimento de cafune nem nada, apenas estáticas. Algum tempo se passou até que ela pode notar que Natália estava chorando

- Natália... - disse se afastado para olhar no rosto da amiga.

- Eu estou bem, tô bem - ela ia limpando os olhos rapidamente, tentando retomar sua postura. No segundo seguinte, voltou a ter os olhos marejados - aí sabe... porque, porque precisar ser tão difícil assim, Carol? Porque.

Carol se manteve em silêncio. Sentiu que não era hora de dizer nada, apenas ouvir. Uma comunicação telepática se estabeleceu naquele momento, pois imediatamente Natália disparou a falar. Um longo e dolorido desabafo que não trazia em si nada de novo. O fantasma de Bruno precisava ser exorcizado. Esse era o único pensamento que rondava a mente de Carol. Era quase como se pudesse ve-lo ali, em pé, sugando a energia vital de Natália. Que raiva!

- Enfim, nem sei direito porque falei tudo isso pra você. Agora pensando bem foi super estranho. Vou pegar uma caneca, você quer uma caneca?

Ela se levantou e caminhou até o balcão da pia. Carol manteve o silêncio por algum tempo, antes de se levantar também para ir atrás da amiga.

- Natália...

- Olha, essa aqui é... sua mãe que trouxe é? Canadá! Ela foi...

- Natália... me escuta. Olha, tá tudo bem! Tá tudo bem ter falado o que você falou. Tá tudo bem.

Antes que ela retomasse a falar mil palavras de uma vez para desviar o assunto, Carol puxou-a para si com delicadeza e a envolveu num abraço, agora bem mais confortável do que o anterior.

Ali, de pé, sentindo a respeito da amiga bater-lhe na nuca, Natália sentiu algo que só uma criança em um filme sobre Natal seria capaz de entender. Uma pequena chama de acendeu em seu coração

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