Era uma noite de segunda-feira, e "Cheias de charme" estava passando na televisão. Anita não gostava muito dessa telenovela, mas assistia com dona Lina para lhe fazer companhia, não apenas para dona Lina, mas para os seus gatos, que se chamam: Escassez e Ermo (o nome deles não condizem nada com eles, muito menos com o ambiente que vivem. Dona Lina é meio doida)Dona Lina sorriu gentilmente enquanto se acomodava ao lado de Anita, preocupada com a saúde da jovem devido à clavícula exposta com a regata que usava. Com delicadeza, questionou se Anita estava se alimentando adequadamente, recebendo como resposta o costumeiro "Sim, dona Lina, estou merendando direito". Era assim que dona Lina se referia à alimentação de Anita: "Está merendando direito, querida?". Mesmo repetindo o questionamento conforme seu roteiro habitual, dona Lina não acreditava totalmente nas respostas de Anita, pois a modelo sempre recusava comida quando estava presente. Embora compreendesse a necessidade de Anita seguir uma dieta, dona Lina acreditava que um cházinho não faria mal algum.
Obviamente Anita se alimentava quando não estava sob o olhar de dona Lina, que geralmente oferecia apenas chá. Entretanto, o que Anita detestava acima de tudo era justamente o chá, especialmente os de erva cidreira e melão-de-são-caetano, os quais dona Lina insistia em oferecer com frequência.
Porém, hoje dona Lina lhe ofereceu uma fatia de bolo, e Anita fez algo que não costumava fazer: aceitou.
— Que milagre, voce não está borocoxô hoje! — Falou entusiasmada, antes de dar um gole em seu chá, dessa vez, era o melão-de-são-caetano. - Saiu pra bailar ontem, foi? Vi você chegando toda animada...
Anita riu, ainda meio pensativa desde a tarde anterior, quando sentiu a respiração de Verônica tão; tão pertinho do seu rosto...
— Dona Lina... — Chamou-a baixinho.
— Pode falar, meu bem.
Anita, com curiosidade brilhando em seus olhos, se aproxima gentilmente da mulher idosa, cuja sabedoria é tão evidente quanto os sulcos em seu rosto. Com um sorriso terno, ela pergunta com reverência — Os olhares... os olhares falam também? — Perguntou timidamente, em hesitação.
— Como assim?
— Alguém pode falar comigo através dos olhares? Ou vice-versa, sei lá... — Mastigava.
— Bom... os olhares podem "falar" de várias maneiras. Eles podem transmitir emoções, expressar interesse, comunicar desejo, mostrar afeto ou até mesmo revelar segredos. — Explicou, antes de levar a xícara até os lábios. — Às vezes, um olhar pode dizer mais do que mil palavras. Posso saber o motivo da pergunta?
— Nada demais, apenas curiosidade... e sonhos, os sonhos falam também? — Perguntou curiosa.
— Você não tem falado português mais? Já tem uns dias que você tem me perguntado se é possível alguém falar com você através de outra coisa que não seja a boca. — Dona Gonçalina riu, antes de dar um gole em sua bebida quente.
Anita riu com o comentário da mais velha. É, talvez Anita estivesse endoidando de vez, ou talvez só estivesse tentando entender o que estava sentindo. Talvez paixão?
Ela não sabia ao certo, mas sabia que Verônica vinha sendo o único motivo dela passar em frente à praia quase todo dia, apenas para vê-la.
E quando Anita se aproximava do quiosque, Verônica acenava para ela e de vez em quando, uma das duas verbalizavam um "Oi" ou um "E aí", mas não passava disso. Entretanto, passavam o dia todo conversando por mensagem.
— Eu acho que não vejo a hora de descobrir como falar através da boca, dona Lina. — Anita confessou sem pensar, jogando no ar, deixando dona Lina com uma pilha de dúvidas ao ouvir a frase, mas não questionou. — Essa juventude é esquisita. — Lamentou a idosa dando um gole em seu chá.
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Sol loiro ✶ Veronita
RomanceEm meio às contrastantes realidades do RJ, Anita, uma jovem de classe alta da zona sul, conhece Verônica. Enquanto enfrentam dificuldades e resistência de seus mundos, descobrem que o verdadeiro amor é capaz de superar qualquer barreira. [✶ 31.03...