O Bolinho de Carne de Tolkien

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A poucos anos atrás eu estava trabalhando em uma barbearia como atendente. Nessa época eu de vez em quando ia para o bar mais clássico que existe: sabe aquele boteco com todo mundo tomando cerveja em copo americano? Sempre uma dessas cervejas baratas da Ambev, é claro. As pessoas que frequentavam esse lugar eram pessoas mais velhas com a aparência meio surrada. Sim, um clássico barzinho de esquina. Acredite ou não, não tinha uma padaria naquela cidade que fazia um salgado melhor que o bolo de carne deles. 

(Era uma cidade pequena, eu fui em todas as padarias pra testar)

Só que um dia eles fecharam. Eu continuei frequentando o lugar para vê se algo substituía, mas não... e isso culminou em eu ver o Brasil perdendo a copa naquele lugar onde uma e-girl bonitinha me atendia com um lanche bem organizado; mas antes era comandado por um cara de regata com aquele bolo de carne que por algum motivo era tão bom. 

Eu sinceramente não me lembro de qual foi o último bolo de carne que eu comi. Não teve um momento que eu pensei: preciso aproveitar esse, esse é o último. 

Já deu para entender onde quero chegar, né? 

Então agora vamos para as palavras do escritor do Senhor dos Anéis: J.R.R Tolkien. 

Uma das coisas mais marcantes ditas por Tolkien para mim foi: as melhores histórias são as não contadas. 

Isso significava que um reino em ruínas poderia ser mais interessante que a própria saga do anel, mas cabia a nós refletir sobre o que ele foi um dia e o que ele poderia ter sido.

O que ele foi um dia, o que ele poderia ter sido... será que seu habitante lembra do último bolinho de carne que comeu? 

Eu notei que a maioria das minhas despedidas na verdade foi como o bolinho de carne. Difícil lembrar qual foi o último beijo, último abraço...

Uma das poucas despedidas que me lembro foi a do meu pai. Ironicamente minhas ultimas palavras para ele foram "tchau". Eu tinha 6 anos na época e ele tinha acabado de passar o natal comigo e estava voltando pra casa. Desde então nunca mais o vi. Por algum motivo eu gosto dessa lembrança. Só que na prática ela é a exceção da regra do bolinho de carne. 

Se sentasse em um boteco surrado eu e Tolkien pra beber um litrão, fumar um charuto inglês e comer bolinho de carne eu não ia perguntar sobre suas histórias escritas, ia perguntar sobre as não escritas. Talvez eu o convidasse para escrever sobre sua vida colocando alguns "e se" e talvez até misturando com fantasia...

Apesar disso, discordo em parte de Tolkien, prefiro as histórias que eu vivo.

Entre últimas histórias e histórias não escritas, meu papel é entender como uso cada uma como ferramenta de escrita e como uso cada uma para cometer menos erros. 

Até porque, acima de tudo, não podemos esquecer que histórias tem poder. Muito poder. 



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