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Interior de São PauloClínica de Reabilitação

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Interior de São Paulo
Clínica de Reabilitação

- Oi Bruno, tudo bem? - balanço a cabeça afirmando. - Meu nome é Alba, sou psicoterapeuta especializada em casos como o seu. De início, vamos ter sessões semanais de conversa até nós dois e a equipe da clínica termos a certeza de que você já estará livre da dependência, ok? - Balanço a cabeça outra vez. Minha mente estava vagando. 

- Quanto tempo dura...o tratamento? 

- Olha, pode durar de seis meses à um ano, depende muito da situação. Mas tenta focar nas sessões de forma individual, quando for a hora de finalizarmos o tratamento, nós saberemos. - Aperto os lábios encarando as linhas na cerâmica do chão. - Então, como você está se sentindo  hoje?

A pergunta ecoou várias vezes na minha cabeça.

Eu também não sei como estou me sentindo...

- Eu não sei... - Deixo um sussurro escapar da minha boca, mas foi sonoro o suficiente pra que ela ouvisse. Ela balança a cabeça como se estivesse concordando comigo e anota algo em seu caderno.

xx

- Bom dia, Alba. - Entro na sala e lanço um sorriso fraco na sua direção, indo me sentar na poltrona.

- Bom dia. Você está feliz hoje? Entrou sorrindo... - Balanço a cabeça negando.

- Feliz não é a palavra...estava só rindo de algo que um dos pacientes me contou no corredor. - Ela solta um riso pelo nariz e anota alguma coisa no caderno.

- Certo, entendi. Então, hoje fazem seis meses de tratamento. Você conseguiu perceber os avanços na sua rotina ou nos sentimentos?

- Seis meses? Significa que tô liberado do tratamento? - Pergunto esperançoso e ela pisca devagar me encarando. - Não? Poxa...

- Bruno, você progrediu muito no tratamento, todos nós estamos felizes com isso. Mas tanto eu, como a equipe, você, seus pais...precisamos ter a certeza de que você vai sair daqui e vai seguir a vida normalmente, e não se deixar levar pelos problemas outra vez. - Ela tinha razão. Eu não podia correr esse risco. 

- Tudo bem...você está certa. 

- Consta na sua ficha que você teve que tomar algum calmante no fim de semana, por que estava muito agitado, elétrico...tiveram até que fazer exames, por quê?

- Isso aí nem eu sei, Alba. Eu sei que comecei a sentir uma agonia e por um momento aquela coceira no corpo que eu tinha quando estava no processo de desintoxicação também veio...acho que foi por isso. - Ela anota outra vez no caderno.

- Viu só, são os resquícios da abstinência... - Balanço a cabeça concordando.

O tempo passa voando e assim que saio da sala, corto caminho pelo hall de entrada e vou até o banco que fica debaixo da árvore mais afastada do jardim, ali era o meu lugar preferido de ficar. No começo, eu lembro que fiquei muito relutante em ficar aqui, mas morar aqui é bom...é calmo, relaxante, o clima é fresco, as pessoas são gentis. Esse tempo aqui está sendo muito bom.

Aos poucos, com o tratamento, pude ver o meu verdadeiro eu voltando. E tudo o que eu mais queria era que a Yasmin pudesse ver isso...mas até hoje, ela nunca apareceu. Cada dia que se passa, é um dia a menos que eu vivo com ela e com a nossa filha, e sentir isso, faz o meu coração ficar cada vez mais angustiado. A Alba disse que é normal me sentir assim, afinal, eu fiz elas sofrerem muito e essa angústia é só um pedacinho de culpa que eu fico sentindo. Mas eu daria tudo pra voltarmos a ter a nossa vida como antes...

- Se eu fosse uma cobra aqui, teria te picado. - Escuto a voz do meu pai e pisco os olhos, percebendo que ele estava sentado do meu lado. Quando ele chegou aqui?

- Desculpa pai, não te vi. - Ele sorri.

- É, eu percebi. Como foi a sessão de hoje? - Ele pergunta e eu faço um bico manhoso.

- Não tô livre do tratamento. 

- Ah filho, mas isso não é novidade. Seis meses aqui pode parecer muito, mas ainda é pouco tempo. - Balanço a cabeça concordando.

- Posso te fazer uma pergunta? -  Meu pai concorda. - Tem que ser sincero! - Ele resmunga um "aham" e eu respiro fundo. - Por qual motivo a Yasmin nunca veio me visitar? 

Ele levanta do banco bruscamente fazendo eu me assustar e ergue a cabeça pra cima respirando fundo.

- Você prometeu que não ia mais perguntar! - Ele diz quase que como uma súplica e eu levanto também ficando de frente pra ele.

- Eu sei, eu sei, mas eu não consigo pai. Ela é o primeiro pensamento que eu tenho quando acordo e o último que eu tenho antes de dormir, até mesmo se eu estiver dopado de remédio, a única coisa que se passa pela minha cabeça é ela, eu não consigo mais ficar longe dela, pai. - Falo tudo de uma vez, soltando o sentimento que já tenho guardado a meses e depois suspiro.

- Campeão, eu prometi pra sua mãe que não ia contar...mas tudo bem, acho que você merece saber. Senta aí. - Ele diz colocando as duas mãos encima de cada ombro meu e me força a sentar de volta no banco.

- Vai, conta. - Peço impaciente e ele ergue as sobrancelhas quase me repreendendo, como fazia quando eu era pequeno.

- Você entende que a Yasmin sofreu muito, né? - Balanço a cabeça. - Ótimo. E também entende que ela estava passando por situações péssimas? - Balanço a cabeça outra vez. - No dia do aniversário da Mali, você não apareceu, e quando ela foi te mandar uma mensagem perguntando por você, alguma mulher estava com o seu celular e enviou uma foto sua beijando o pescoço dela. - Arregalo os olhos surpreso. Isso tinha mesmo acontecido? Eu não conseguia lembrar. - É, pois é...essa foi a gota d'água que fez o copo transbordar, filho. No outro dia ela arrumou as malas e foi embora junto com a Mali, ninguém sabe pra onde, ninguém tem notícias, o Lucca só diz que elas estão bem, e mais nada. 

Deixo uma lágrima escorrer pela minha bochecha enquanto eu encaro o meu pai. Ele me puxa para um abraço que eu não consegui retribuir, meu peito estava doendo...muito. Me solto do seu abraço e me levanto do banco puxando o ar que parecia já estar muito pesado.

- Eu preciso falar com ela, eu preciso me ajoelhar, me desculpar. Chama ela pai, ela tem que me perdoar. 

A minha boca seca. Se foi isso que tinha acontecido, eu preferia não ter ficado sabendo. Como eu ia ser capaz de dormir, sabendo que eu acabei com a minha família, que fiz a minha mulher sofrer tanto? 

Enquanto meu pai tenta me confortar, eu choro no seu ombro pensando sobre o quanto poderíamos estar felizes.

Esse é um dos problemas da droga...te faz perder a noção das coisas, de um modo que até aquilo que você mais ama, começa a não significar mais nada pra você.

te faz perder a noção das coisas, de um modo que até aquilo que você mais ama, começa a não significar mais nada pra você

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𝗯𝗲𝘁𝘁𝗲𝗿 𝘄𝗶𝘁𝗵 𝘂² | 𝗻𝗼𝗯𝗿𝘂Onde histórias criam vida. Descubra agora