Satoru

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Satoru 

 🏒🏑

Já do lado de fora, Suguru se dirigiu ao lago, e eu o segui. 

Quantas vezes já tinha feito esse trajeto com ele? Umas cem, no mínimo. 

— Lembra aquele verão em que dissemos que correríamos oito quilômetros por dia, independente de qualquer coisa? — perguntei. 

Nos afastamos do dormitório a um ritmo tranquilo. 

— Claro. 

— Então veio aquele dia quente com dois treinos e levantamento de peso. Mas você disse: A gente ainda tem que correr, ou o verão inteiro não vai contar. 

Sorri só de lembrar. 

— Ninguém mandou você tomar sorvete antes — Suguru tentou esconder o sorriso.

— Eu estava morrendo de fome. Claro que nunca mais tomei sorvete de pistache depois daquilo. 

Suguru sorriu conforme nos dirigimos ao lago. 

— Vômito verde-claro em todo o gramado, estilo "O Exorcista". 

— Bons tempos. 

Eram mesmo. 

Eu vomitaria na grama todos os dias se isso significasse que poderia voltar a essa época mais simples. 

Seguir os cabelos negros de Suguru em volta do lago era tudo o que eu queria da vida. 

Tá, era mentira. 

Eu preferiria derrubá-lo no chão e arrancar sua roupa. 

Vê-lo de novo estava me matando. 

Mas eu tinha algo a dizer, e precisava ser logo. 

Corremos o próximo quilômetro em silêncio, enquanto repassava tudo na cabeça. 

Minhas grandes desculpas. 

Se Suguru ficasse horrorizado, doeria muito. 

Havia alguns caiaques no lago, balançando a cada remada e eu me sentia igual a eles. 

— Sobre o que você queria falar? — Suguru finalmente perguntou. 

Não tinha mais como enrolar. 

— Só fico aqui até julho. 

Era melhor deixar tudo claro desde o início. 

— Eu também. Tenho que estar em Detroit antes de primeiro de agosto. Você vai pra Toronto, né? Animado? 

— Claro. Mas escuta… Só quero dizer que, se não quiser dividir o quarto comigo, posso pedir para Yaga me mudar de lugar. Não vou ficar ofendido. 

Suguru parou de correr, e eu me detive pouco antes de bater em suas costas. 

— Por quê? — ele perguntou. 

Ok, lá vou eu. 

Saiu tudo de uma vez só. 

— Geto, eu sou gay. E, beleza, pode não ser grande coisa no dia a dia. Só que, da última vez em que estive aqui, eu meio que… forcei você a fazer certas coisas. Não foi legal, e passei os últimos anos me sentindo um merda por causa disso. 

Por um longo momento, ele só me encarou. 

Quando finalmente falou, definitivamente não foi o que eu esperava. 

— E? 

E? 

— E… Sinto muito. 

O rosto dele ficou vermelho. 

— Você sabe que eu sou do norte da Califórnia, né? Tem noção de que conheço um monte de gays? 

— Então… tudo bem? 

Suguru abriu e fechou a boca. Então abriu de novo. 

— Foi por isso que você não me ligou por quatro anos? Por que ignorou todas as minhas mensagens?

— Bom… foi. 

Eu estava muito confuso. 

Havia acabado de me confessar culpado num caso de babaquice extrema e por uma noite muito egoísta. 

E ele estava preocupado com as mensagens. 

Seu rosto ficou um pouco mais vermelho. 

Então Suguru voltou a correr, e fiquei tão surpreso que demorei um segundo para ir atrás. 

Estava mais rápido agora, dando passadas mais longas e movimentando os braços com força. A camiseta que ele usava abraçava seus músculos a cada passada, e tive inveja daquele pedaço de poliéster.

A volta em torno do lago tinha um pouco menos de cinco quilômetros e eu não sabia o que se passava na cabeça dele enquanto percorria o resto. 

Mantive-me alguns passos atrás, confuso e desanimado. 

Passamos por pontos conhecidos — a loja de doces e a loja de brinquedos que vendia arminhas de elástico. Uma padaria chamada Milagre no Glacê

Não vi o rosto de Suguru até que ele parou na frente do tobogã, fechado de novo por causa do verão. 

Queria voltar à época em que pular uma cerca era a coisa mais errada que eu poderia fazer. 

Quando ele virou o rosto suado para mim, ainda era possível ver a raiva se contorcendo em sua face. 

— Você não falou comigo por quatro anos porque achou que eu ia pirar pelo fato de você ter me chupado. 

— Bom… é. 

Mas, dado o ressentimento na voz dele, eu ferrei tudo de um jeito que não tinha levado em conta. 

Suas mãos estavam fechadas em punho. 

— É assim que você me vê? Como um babaca preconceituoso?  

Em um banco ali perto, vi uma jovem mãe pegar o filho pequeno e se afastar da gente, com a testa franzida. 

Mas Suguru não parou. 

— Foi só uma chupada, pelo amor de Deus. Ninguém morreu. 

Eu provavelmente ia me arrepender, mas falei mesmo assim: 

— Me senti um… sacana. 

— Ah. Obrigado por me punir por sua desonestidade. Uma sentença de quatro anos. Eu tinha acabado de começar numa escola nova, onde não conhecia ninguém, e não conseguia entender o que tinha feito de tão ruim pro meu melhor amigo me cortar da vida dele de repente. 

Cacete. 

— Desculpa — murmurei. 

Pareceu a coisa errada a dizer. 

Tanto para mim quanto para ele, tenho certeza. 

Suguru chutou uma lata de lixo. 

— Preciso de um banho. 

Meu pau traidor se voluntariou para ir junto, mas mantive minha boca enorme fechada enquanto percorríamos o último quarteirão e subíamos a escada. 

Não foi nem um pouco do jeito que eu imaginei que seria. 

O pior cenário envolvia Suguru se contorcendo em horror diante da minha gayzice e me acusando de manipulá-lo. 

Tinha passado quatro anos com vergonha do que eu havia feito, e agora me dei conta de que deveria me envergonhar de algo completamente diferente. 

Suguru realmente não ligava para o boquete, mas sim para o fato de que o abandonei. 

E saber que tinha machucado meu melhor amigo muito mais do que imaginava fez com que me sentisse ainda pior. 

Parei no topo da escada. 

— Geto? — falei para suas costas rígidas. 

— Quê? — ele murmurou sem virar. 

— Preciso achar outro lugar pra dormir hoje à noite? 

Ele suspirou. 

— Não, idiota.

ELEOnde histórias criam vida. Descubra agora