Suguru

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SUGURU 

 🏒 🏑 

Era domingo, dia de jantar em família na casa dos meus pais em San Rafael, na Califórnia. Dessa vez não acompanhei as coisas pelo Skype — fiz eu mesmo o macarrão. Piquei uma montanha de alho, várias cebolas e azeitonas. 

Estávamos em dez naquela noite — nós oito mais o marido da Kuroi e o novo namorado da Riko. Eu estava na cozinha com minha mãe há uma hora e meia e parecíamos bem longe de terminar. 

Mas percebi que cozinhar era terapêutico. 

Mantinha as mãos ocupadas e não era preciso olhar nos olhos de ninguém. 

Já fazia quarenta e oito horas que eu estava em casa, e minha mãe me circundava como um tubarão faminto circunda uma presa. Ela sabia que tinha algo muito errado comigo. Eu apenas lhe dissera que estava em meio a uma crise profissional e contei sobre a entrevista que tinha daqui a três dias, que entrava em conflito com o fato de que me esperavam em Detroit no sábado seguinte. 

Tudo o que dissera era verdade. Mas não era toda a verdade. Escolher entre duas profissões era difícil, mas não tão doloroso quanto o que Satoru fez comigo. 

Depois daquele momento horrível no quarto, saí para correr. Quando voltei, cinco quilômetros mais tarde, ele tinha ido embora. 

E eu não estou falando que ele havia ido tomar umas — ele abandonou o trabalho. 

Todas as roupas de Satoru haviam desaparecido. 

O banheiro estava só com as minhas coisas. 

Os patins não estavam mais lá. 

Soube naquele instante que ele não ia mais voltar.

Quando desci para tomar café no dia seguinte, Yaga foi muito simpático. 

Quando perguntei se tinha pessoal o bastante para trabalhar na próxima semana caso eu fosse para a Califórnia, o diretor garantiu que sim, sem fazer nenhuma pergunta. 

Passei os últimos dois dias tentando não ficar deprimido no quarto. 

Agora o gramado estava muito bem aparado. 

Já havia perdido quatro vezes para o meu pai no xadrez. 

E finalmente terminei o livro que levei para o acampamento. 

Mas continuava sofrendo com a perda do meu melhor amigo/namorado/ou sei lá o quê. Nunca chegamos a dar um nome ao que tínhamos. 

E agora acho que nunca precisaríamos fazer isso.

— Cacete — xinguei, depois de cortar a ponta do dedo. 

A faca escorregou da minha mão quando segurei o corte.

— Suguru. — A voz da minha mãe foi gentil — Talvez seja melhor você parar um pouquinho, querido.

Ela nem reclamou do palavrão. 

Eu deveria estar muito mal mesmo para chegar ao ponto de ela não me repreender.

— Vou pegar um Band-Aid — disse.

Dois minutos depois, ela já cobrira o machucado.

— Posso cuidar da frigideira com a outra mão — ofereci. 

— E se em vez disso você me contasse o que está acontecendo?

Eu poderia fazer isso. 

Meus pais não ficariam horrorizados com a ideia de eu estar envolvido com outro homem. Eram hippies californianos da cabeça aos pés. 

ELEOnde histórias criam vida. Descubra agora