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Depois de uma noite de pouco descanso – porque não parei de sonhar e acordar – e de um dia de trabalho não tão produtivo quanto gostaria, decido pegar na minha prancha de surf e no meu fato e ir até à praia, deixar que as ondas me lavem a alma.

A primeira vez que subi a uma prancha de surf tinha 10 anos e estava de férias com os meus pais. Insisti tanto com eles que queria experimentar, que eles acabaram por ceder. A verdade é que entrei na natação antes se quer de entrar na escola primária, eles sabiam que eu sabia nadar suficientemente bem para me desenrascar e acho que foi por isso que cederam com tanta facilidade. Depois de ter algumas aulas durante essas férias, implorei para que me deixassem ter mais aulas quando voltássemos a casa e assim foi. Aos sábados de manhã, lá íamos nós até Carcavelos. Tive aulas durante imenso tempo, depois ia só surfar com o grupo da escola e, inclusivamente, num verão enquanto estava na faculdade ajudei a dar aulas ao grupo dos miúdos mais pequenos. Depois, começou a vida adulta e passei a surfar mesmo só como hobbie, quando tinha tempo e, acima de tudo, quando precisava de limpar a cabeça. Não há nada que me ajude mais a relaxar e a desligar do mundo exterior do que estar em cima de uma prancha no mar.

Como seria de esperar, por estarmos em pleno mês de Julho, a praia está bastante cheia, mesmo para um dia de semana. Sigo até à escola de surf, à qual já não pertenço mas onde mantenho bons amigos que me recebem sempre, e cruzo-o logo com Diana, uma das atuais sócias e professoras da escola.

- Laura! Que bom ver-te! – a mulher, dez anos mais velha que eu, cumprimenta-me com um abraço – Como é que estás?

- Bem e tu? Como tem sido esse verão? – questiono.

- Muito concorrido. Tem estado a correr muito bem. – ela sorri-me – A que devo o prazer desta visita?

- Bem, estava a precisar de espairecer, por isso vim direta do trabalho para aqui e queria ver se vocês me emprestavam uma prancha e um fato... - peço.

- Claro que sim! Vai lá dentro e escolhe. Tu és da casa! – Diana sorri-me – Aproveito e vou até ao mar contigo, que agora não tenho nenhuma aula.

Eu sorrio-lhe e sigo as suas instruções, escolhendo o material para mim e trocando de roupa logo de seguida, agradecendo mentalmente a mim própria por ter (quase) sempre um biquíni, uma toalha e uns chinelos na mala do carro, pelo menos, durante o verão. Quando estou pronta e as minhas coisas estão guardadas em segurança num dos cacifos da escola, junto-me a Diana para um breve aquecimento antes de entrarmos dentro de água.

Tal como eu saberia que acontecia, assim que entro dentro de água é como se todos os meus problemas e preocupações desaparecessem. Foco-me só em desfrutar do momento, das sensações, em concentrar-me em apanhar a onda certa. Permito-me relaxar. Cerca de quarenta minutos depois, saio do mar, ficando um pouco na areia a descansar e a aproveitar os raios de sol do fim de tarde para me bronzear.

- Tens a certeza de que estás bem? Estás muito pensativa... - Diana observa.

- Estou bem, mas... Há uma pessoa na minha vida que eu estou a conhecer e, apesar de eu gostar imenso de estar com ele, ainda não sinto que esteja apaixonada, mas ontem beijámo-nos e eu não quero que ele ache uma coisa que não corresponde à verdade, mas também não quero magoá-lo. – balbucio, de forma meio confusa.

- Calma, vamos por partes. Vocês são amigos e têm saído juntos, é isso? – assinto – E beijaram-se? – assinto novamente – Achas que ele está a desenvolver sentimentos que tu ainda não tens, é isso?

- Acho que sim...

- E achas que nunca podes vir a desenvolvê-los?

- Sinceramente, não sei, Diana. Gosto mesmo muito dele, somos ótimos amigos, mas não sei se vai passar disso. Uma parte de mim, acha que sim, mas há outra parte que não tem tantas certezas. – admito.

- As pessoas e os seus sentimentos estão sempre a mudar. Lá porque ainda não te sentes dessa forma com ele, não significa que as coisas não possam ainda evoluir nesse sentido. Acho que é importante deixares o tempo correr e ver o que acontece, sobretudo se gostas de estar com ele e se vocês se dão bem. Mas também acho que deves ser honesta com ele a respeito disso, porque a comunicação é a chave de qualquer relação, seja ela de amizade ou algo mais, e porque assim garantes que os dois estão na mesma página. – Diana aconselha-me e eu sorrio-lhe.

- Obrigada. Acho que vim à procura de respostas ou soluções ou, pelo menos, de saber o que fazer e tu foste uma grande ajuda. – sorrio-lhe, abraçando-a.

- Ora essa, miúda. Sabes bem que és quase como uma irmã mais nova para mim e sempre que precisares de conselhos, estou aqui. – ela declara – Vê lá se apareces mais vezes.

- Vou tentar. – gargalho, abraçando-a uma vez mais antes de decidir ir trocar de roupa para regressar a casa.

O caminho até casa é feito de forma bastante tranquila, uma vez que o trânsito já acalmou. Como a minha vontade de chegar a casa e cozinhar é nula, paro no drive-in de um Burger King para levar comida para casa. Depois de estacionar o carro e entrar em casa, decido adiar o momento de saborear a minha comida porque preciso de um banho primeiro, para tirar o sal do corpo e do cabelo e para vestir o meu pijama fresco e confortável. Só depois disso me sento no sofá, enquanto saboreio o meu hambúrguer, já meio frio. Aproveito o momento para responder à mensagem que Dinis me enviou há alguns minutos, perguntando-lhe se lhe posso ligar. Após a sua resposta afirmativa, utilizo a aplicação do Whatsapp para iniciar uma videochamada, arranjando forma de apoiar o meu telemóvel sobre a mesa da sala enquanto como.

- Alguém decidiu furar a dieta. – Dinis comenta, em tom de brincadeira, fazendo-me rir.

- Não tinha grande vontade de cozinhar, admito. E, uma vez por outra, sabe muito bem. – comento – Estás bem?

- Sim e tu? – ele pergunta de volta e eu assinto.

- Fui surfar depois do trabalho e acho que ganhei anos de vida. – admito.

- Tens de me dar uma aula, um dia destes. – ele diz, repetindo um pedido que já me fez anteriormente.

- E dou, de boa vontade. A sério, temos de combinar isso. – afirmo, sorrindo-lhe.

- Os próximos fins de semana estão preenchidos, mas assim que conseguir um dia livre, aviso-te. – assinto – Algum motivo especial para quereres falar comigo?

- É assim tão estranho eu querer ligar-te? – brinco, tentando disfarçar o facto de me sentir subitamente nervosa – Bem, não era só por isso, mas na verdade queria falar sobre ontem...

- Calculei que sim. – o Dinis declara, agora num tom mais sério – Estás bem com o que aconteceu? Não queria, de todo, precipitar-me, mas, no momento, pareceu-me que fazia todo o sentido... E não te vou mentir, Laura, era algo em que já andava a pensar há algum tempo.

- Está tudo bem, Dinis. – asseguro-o, percebendo que ficou preocupado com o assunto – Só quero mesmo ser honesta contigo e abrir o jogo a 100%, porque acho que é assim que as coisas devem ser... Eu gosto imenso de ti, gosto muito de estar contigo e acho que temos construído uma amizade maravilhosa, mas, neste momento, ainda não me sinto preparada para avançar. Não sei o que o tempo poderá trazer, mas, por agora, acho que devíamos manter as coisas como estão. – declaro, sentindo-me pessimamente por achar que estou a magoar os sentimentos dele – Desculpa, eu...

- Laura, está tudo bem. – o Dinis interrompe-me, com um sorriso que acalma o meu coração – Temos tempo. Estamos a conhecer-nos. Acho que podemos perfeitamente manter as coisas como estão. E acho que devemos ser sempre honestos um com o outro. Quando achares que estou a ir depressa de mais ou por um caminho que não é aquele que tu queres, diz-me. Ou se achares que queres dar outro passo, diz-me. E eu dir-te-ei se, em algum momento, perceber que queremos coisas diferentes ou que estou desconfortável com alguma coisa. É a falar que a gente se entende. – ele remata e eu sorrio, concluindo mais uma vez o quão incrível o Dinis é.

- Obrigada. – é tudo o que respondo.

- Não sejas tola. Estamos bem, certo?

- Claro que sim.

Conversamos durante mais uns minutos, com o ar completamente livre de qualquer tensão. Quando desligo a chamada, sorrio. A verdade é que não estou apaixonada pelo Dinis, neste momento, mas também é verdade que, quando penso nele, penso em alguém por quem me posso vir perfeitamente a apaixonar – porque não há absolutamente nada nele de que eu não goste.

Pontos Nos Is | Rúben DiasOnde histórias criam vida. Descubra agora