Ed onda

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Sexta-feira.
— Como é? Ainda não ficou pronta minha papelada? Cinco horas da tarde.
— Qual é o número da sua ficha? — perguntou a senhora atrás do balcão.
— 256 — respondeu um homem de terno puído.
— Vai ter de esperar. Ainda estamos no 254.
— Não dá para andar mais rápido?!
— Isto aqui é um cartório, não uma pista de Fórmula 1. Quando chegar sua vez eu
chamo seu número pelo alto-falante.
A senhora atrás do balcão encostou-se na cadeira e olhou as unhas: o esmalte já estava
descascando, sinal de que o dia estava acabando.
E a sala ainda estava lotada. Cheia de office-boys e senhores de ternos puídos.
Impacientes.
De repente, uma sineta soou. Todos olharam para o alto: pela mureta do mezanino um
rapaz descia uma cesta cheia de papéis por uma cordinha.
— Estas firmas já estão reconhecidas — gritaram lá de cima. A senhora atrás do balcão
retirou os documentos e a cesta subiu de novo. Ligou o microfone que estava à sua frente. Um
zumbido ensurdecedor tomou conta do lugar. Pelo alto-falante, ouviu-se:
— Ficha de número 255. 2-5-5.
Como uma onda, as dúvidas começaram:
— O que foi que ela disse?
— 265!
— 265 o quê! Foi 6-7-8.
— Ela não chamou ninguém. Estava só testando: 1-2-3!
— A senhora tem mesmo de usar esse microfone? — perguntou o senhor de terno puído
junto ao balcão. — Ninguém está entendendo nada!
— O senhor é o 2-5-5?
— Não. Meu número é 2-5-6.
— Ainda estamos no 2-5-5. O senhor tem de esperar.
E já ia ligar de novo o microfone quando ouviu um lamento:
— Eu sabia...
A senhora atrás do balcão olhou para o outro lado. Um menino remexia desesperado nos
bolsos da calça, na sua pastinha, dentro da meia.
— Eu sou o 2-5-5 — disse o garoto. — Mas eu não sei onde foi parar a ficha.
Ela tinha visto aquele office-boy antes. Aparecia sempre por lá e chamava muito a
atenção: as roupas extravagantes vestidas uma sobre a outra, sempre maiores que seu
tamanho; um cabelo enorme, alto, armado como uma onda sobre a cabeça; e uma eterna
expressão de desapontamento e incredulidade.
— Tinha certeza que estava aqui — dizia o garoto. Depois olhou pelo chão. Procurou em
volta. Nada.
— Sem a ficha eu não posso entregar o documento.
— Por favor!
Parecia sincero, pensou a mulher atrás do balcão. Era apenas um garoto, com idade pra
ser seu filho. Quase entregou os papéis.
— Como é que eu vou saber se você é mesmo o 2-5-5?! — Minha senhora — interrompeu bruscamente o senhor de terno puído —, isso não é
hora de bater papo!
— Qual é o número do senhor?
— 256!!! Quantas vezes quer que eu diga?!?!
— Estamos no 255. Quando chegar sua vez, eu chamo pelo alto-falante.
Os outros office-boys abafaram o riso. Nenhum deles queria mesmo voltar cedo para o
escritório e aquilo estava ficando divertido.
— Neste momento — completou a senhora atrás do balcão —, estamos diligenciando
para resolver de quem são estes documentos.
— São meus! Quer dizer, do meu patrão — respondeu o garoto de roupas
extravagantes.
— E se você estiver enganado sobre o seu número?
— Tenho meus próprios métodos para guardar um número. Primeiro eu pensei na minha
idade. Fiz a conta: dois mais cinco: sete; sete mais cinco: doze!
— Muito bem!
— Só que eu tenho quatorze anos... Aí eu lembrei: tive de ir a 25 lugares diferentes hoje
para pagar contas, receber, levar apólices. Uau! Cinco dias como este na semana eu não
agüento. Vinte e cinco e cinco: 2-5-5.
Os outros boys caíram na gargalhada. A senhora atrás do balcão ligou o microfone.
Todos tiveram de proteger os tímpanos.

Eu sabia

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Eu sabia... – lamentava-se o boy, remexendo sua pastinha
À procura da ficha. – Tinha certeza que esteja aqui.
— Ordem, por favor — disse ela, como se estivesse num tribunal. — Como é seu nome,
menino?
— Edmundo.
— É o Ed Onda, dona! — alguém gritou lá do fundão. Antes que a gargalhada
recomeçasse, a senhora atrás do balcão ligou o microfone. O ruído insuportável serviu para
abafar o vozerio.
— Ainda não estou convencida, Edmundo.
— Eu também não. Do meu jeito, a gente corre o perigo de acabar multiplicando 25 por
dois, que dá cinqüenta. O que não significa nada pra mim, além do fato de eu já ter sido
assaltado cinco vezes; e mesmo assim eu ia ter de tirar o zero.
Dessa vez, a platéia riu antes que o chiado do alto-falante soasse. E não adiantou nada
pedir silêncio. Aquilo tinha virado uma farra.
Era sexta-feira, afinal. O fim de semana estava começando. A senhora atrás do balcão
achou melhor entregar os documentos ao boy, de uma vez. — Obrigado, dona — agradeceu Edmundo.
Ela observava o menino sair correndo, quando percebeu o homem de terno puído
sorrindo para ela. Retribuiu o sorriso friamente. Sem desviar os olhos, ligou o microfone e...
— Ficha de número 256. 2-5-6.

Office-boy em apuros - Bosco Brasil Onde histórias criam vida. Descubra agora