Justa causa

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Edmundo voltava do trabalho para casa a pé. Para chegar ao Treme-treme, precisava
atravessar um túnel.
Automóveis passavam buzinando. O eco do lugar aumentava o alarido. O túnel tinha duas
pistas para os carros, mas a passarela dos pedestres era estreita e suja. Edmundo ia olhando
para o teto de azulejos. Contava as lâmpadas de gás de sódio, usadas na iluminação.
A barulheira cessou repentinamente. Quando o semáforo fechava na avenida lá fora, os
automóveis deixavam de passar por um minuto. Edmundo ouvia os próprios passos. A
passarela estava vazia. Eram oito horas: as pessoas tinham medo de andar pelo túnel à noite.
De repente um ruído reverberou. Alguém estava atrás dele, pensou. E se voltou. Um
carro veio pela pista, buzinando alto. O sinal na avenida estava aberto outra vez. A luz forte
dos faróis impedia que se visse quem vinha pela passarela.
Edmundo apurou a vista. Teve a impressão de ver uma mulher deixando o túnel. Mas não
podia ter certeza. Isso ocorrera várias vezes nas últimas semanas: sentia que alguém o
seguia, virava-se e apenas via uma mulher se escondendo. Estava quase convencido de que
era sua mãe quem o perseguia. Chegou a ensaiar alguns passos na direção em que vira o
vulto, mas desistiu. Podia ser mesmo assalto. Melhor não arriscar.
Edmundo pegou o elevador e desceu no 28? andar. Os corredores no Treme-treme eram
longos. Até chegar ao seu apartamento, o boy ouviu choro de criança; som de televisão;
panela de pressão chiando; tosse; pratos batendo na pia; palavrões e risos.-
Logo que entrou, deu de cara com seu pai. Estranhou. Cosme estava de pé no meio da
sala. Vestia o uniforme de vigia.
— Tudo bem?
Cosme evitou olhar o filho. Disse apenas:
— Tudo.
— Vou cuidar da janta.
— Não precisa.
— Sem fome? -É.
Cosme continuava olhando para o chão.
— Vou bater um rango — disse Edmundo. — Se der vontade, me diz. Edmundo largou a pastinha no sofá e já ia entrando na cozinha quando Cosme:
— Preciso falar.
O filho parou. Alguma coisa tinha acontecido.
— Fala, Cosme. Cosme silenciou.
— O que aconteceu? Cosme não respondia.
— Fala.
Cosme levantou os olhos. Encarou o filho e:
— Fui despedido.
Edmundo não teve nenhuma reação. Depois coçou de leve a cabeça, por baixo da onda
em seu cabelo. E voltou a ficar imóvel.
— Justa causa — completou o pai. — Sem indenização. Estava chegando tarde todo dia.
Edmundo olhava para o pai sem dizer nada. Cosme baixou os olhos. Ficou um tempo em
silêncio. Depois:
— Procurei trabalho o dia inteiro. Nada.
O silêncio continuou entre pai e filho por um tempo. Cosme foi até o sofá e se sentou.
Balbuciando:
— O vigia da tarde não segurou a minha.
Disse isso e se deitou. De costas para o filho.
O garoto quase mandou o pai tirar o uniforme; podia amassar. Mas se conteve. Foi para
o quarto. Sem dizer nada. Agachou-se ao lado das caixas de laque abandonadas por sua mãe.
E escondeu o rosto entre as mãos.

Office-boy em apuros - Bosco Brasil Onde histórias criam vida. Descubra agora