Não vem com a gente?

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Edmundo usava a tesoura com muita habilidade. Cosme estava sentado no quarto do
filho, com um lençol sobre os ombros. Fios de cabelo cortados iam caindo.
O garoto teve vontade de aparar o redemoinho no cocuruto do pai, em forma de um
planeta: Saturno e seus anéis; ou ainda de uma baleia esguichando água; ou de um olho. Tinha
os apetrechos para isso. Mas desistiu. Sabia que o pai não gostaria. Tinha de ser um corte
apenas clássico.
Cosme olhava fixo para o espelho. Vigiando as mãos do filho.
— Pronto.
Edmundo retirou o lençol do pescoço de Cosme. O pai estava muito alinhado. Edmundo
mesmo tinha lavado e passado seu único terno. Mas, como não tinha mais gravata, teve de
improvisar um lenço estampado no pescoço.
— Não estou atrasado? — quis saber o pai.
— Calma.
Cosme tinha decidido assistir à apresentação de Glória na Boate Alexandria.
Com uma escovinha, Edmundo tirou os últimos fios de cabelo do paletó. Deixaram o
apartamento e desceram pelo elevador, conversando sobre qual seria o melhor trajeto até a
boate. O boy explicou detalhadamente, rua a rua.
Na saída do edifício, o pai parou para ver o céu. A chuva tinha passado e a noite
começava. Clara.
— Não estou adiantado?
— Calma.
Na calçada, os amigos esperavam por Edmundo. Ele acenou de longe, pedindo para que
esperassem um pouco.
Cosme foi andando pela rua, sob o olhar do filho. Alguns passos depois, virou-se e
perguntou:
— Deixa eu ver se não esqueci: atravesso o túnel...
— Atravessa — emendou Edmundo.
— Pego a avenida Central...
— Isso. E reviram todo o itinerário.
Cosme seguiu. O filho o acompanhou com o olhar até o pai desaparecer dentro do túnel.
Ficou parado um tempo. Pensando.
Os companheiros se aproximaram. Jó acenou com a cabeça para o outro lado da
avenida. Lá estava Eugênio. Observando. Era domingo. A noite estava fresca e o ar era bom
de respirar. As pessoas passeavam com calma pela calçada.
Os boys começaram a andar, sem dizer nada. Depois de alguns passos, Edmundo se
voltou para Eugênio:
— Como é? Não vem com a gente? — e seguiu seu caminho com os outros,
calmamente.
Eugênio hesitou um instante. Mas acabou seguindo a turma. De longe.
Subiram até o calçadão, desceram até a Basílica, subiram a ladeira da Bolsa de Valores.
E Eugênio já não estava tão longe. Passaram pelo museu, dobraram a esquina do Teatro
Municipal, cortaram caminho pela Grande Galeria. E Eugênio já vinha logo atrás. Pegaram a
passagem subterrânea, desceram até o monumento, cortaram a praça da banca de flores. E
Eugênio vinha ao lado dos outros boys.
Refizeram o mesmo percurso em seguida. Em silêncio, Edmundo, Eugênio, Calixto, João
Jó e Arnaldão Vinte e Duas andaram pela cidade. Por horas.

Office-boy em apuros - Bosco Brasil Onde histórias criam vida. Descubra agora