Eu sabia...

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Quando Edmundo chegou em casa naquela noite, Cosme ainda estava dormindo.

- Cosme.

Cosme dormia no sofá.

- Está na hora.

Cosme estava deitado de lado, com a cara enfiada no travesseiro. De costas para a

sala. Toda vez que Edmundo voltava para casa, encontrava seu pai assim. E chamava:

- Cosme.

Cosme acordou. Não disse nada. Deixou a cara enfiada no travesseiro.

- Cosme! - insistiu Edmundo.

- Estou levantando, filho.

Edmundo tinha-se acostumado a chamar o pai pelo primeiro nome. Quando era pequeno

gostava do som: Cosme. Ficou. Alguns minutos depois, o garoto avisou:

- A janta está quase pronta. Cosme não respondeu.

O pai de Edmundo era um tipo grandalhão. Maior que o sofá. Sempre demorava para se levantar. De onde Edmundo estava podia ver a cabeça de Cosme: a calvície começava a

surgir. E, no entanto, ele não tinha mais de trinta e cinco anos.

Trabalhava de vigia noturno. Dormia de dia. Quando conseguia.

Edmundo foi até a janela. Abriu as cortinas. Para ajudar Cosme a se levantar... Gozado

fazer isso, pensou. Era noite. Que luz entraria na sala? Olhou para baixo. As lanternas dos

carros na avenida ficavam meio borradas, vistas do 28? andar.

- Vou trazer seu prato - disse Edmundo. E foi até a cozinha. Cosme permaneceu ainda

um certo tempo imóvel. Depois, começou a levantar o corpo. Devagar: aos poucos surgiram os

olhos inchados, o nariz achatado, o queixo quadrado; um rosto cheio de marcas. Sentou-se no

sofá e ficou olhando para o chão. As mãos enormes pendidas sobre os joelhos.

Edmundo voltou com o prato do pai. Subia uma fumacinha da comida: lingüiça ao molho

de sardinha em lata e uvas.

Desde a última vez que Glória se fora, o filho cuidava do pai. Cozinhava, passava a

roupa. Fazia tudo sem reclamar. Na verdade não sobrava muito tempo para isso.

Seu pai não disse nada. Pegou o prato e começou a comer. Comia na sala mesmo. O

apartamento era muito pequeno. Só dava para ficar de pé na cozinha e o único quarto - o

quarto de Edmundo - estava atulhado com as coisas que Glória abandonara.

Depois de algum tempo, Cosme perguntou:

- Tudo bem?

- O quê?

- Chegou tarde.

- Normal.

Pai e filho ficaram em silêncio. Estavam acostumados a trocar poucas palavras. Havia

sempre mais o que lembrar. Cosme deu mais umas garfadas. E disse:

- Está bom. Melhor do que a bóia que ela preparava.

- Aquela mulher não sabia o que era cozinhar, Cosme. -É.

Pai e filho ficaram em silêncio, de novo. Como toda noite, Edmundo sabia que Cosme ia

Office-boy em apuros - Bosco Brasil Onde histórias criam vida. Descubra agora