O batismo de Eugênio

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Segunda-feira.
Edmundo aproveitou o fim de semana e fez um penteado novo, com onda dupla. Sempre
caprichava às segundas: um colete xadrez sobre uma camisa de bolinhas; calça listada e
meias de losangos; o tênis tingido de magenta.
Entrou no escritório quase vazio e foi direto para a copa. Guardou a marmita na
geladeira. Era dia de frango ao molho de melancia apimentada. Gostava de começar bem a
semana.
Oito horas em ponto: a porta se abriu. Plínio entrou com uma pilha de faturas e carnes
nas mãos. O boy nunca tinha visto seu "chefe" chegar tão cedo. Estranhou.
— Edmundo... — disse Plínio, sorrindo. — Tenho uma surpresa pra você.
Edmundo não compreendeu logo do que se tratava. Na entrada, Eugênio olhava
assustado. Nos braços, uma pastinha de couro. Vestia uma camisa de manga curta abotoada
no pescoço, por dentro da calça surrada. E tênis. Aproximou-se, estendeu a pasta para
Edmundo e disse:
— É sua.
Edmundo lembrou-se imediatamente da desastrosa noite de sábado.
— O Eugênio vai trabalhar com você — continuou Plínio, com grande prazer. — E é
melhor correrem, que têm muitas coisas pra fazer.
As horas que se seguiram passaram como um congestionamento de caminhões de carga
para Eugênio. O boy mais experiente fazia tudo. O aprendiz só ficava observando. Várias
vezes Edmundo teve de voltar porque tinha perdido o "patrãozinho".

Edmundo, o Eugênio vai trabalhar com você
- anunciou Plínio com grande prazer

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Edmundo, o Eugênio vai trabalhar com você
- anunciou Plínio com grande prazer.
Com todos os atrasos chegaram só às onze ao banco. As filas para pagamento de
contas já tomavam a calçada.
— Eu sabia — resmungou Edmundo.
— A gente vai ter de pegar uma dessas filas? — perguntou Eugênio de olhos
arregalados.
— É...
— Por que não deixamos pra amanhã?
Edmundo achou que era hora de fazer o batismo de Eugênio. Seria a primeira aula do
curso básico. Apontou a fila mais longa e disse:
— Pegue aquela. Volto já. E sumiu.
Eugênio não teve nem tempo de abrir a boca. Obedeceu. Olhou em volta. Uma porção de
senhores de terno puído e garotos de tênis e boné. Todos com a cabeça baixa: segunda-feira.
Passaram-se cinco minutos; dez minutos; quinze minutos; meia hora. Nada de Edmundo
voltar. Quase ninguém conversava. O ruído das máquinas autenticando os recibos não parava.
Grandes ventiladores viravam de um lado, para outro; de um lado, para outro.
Uma hora; uma hora e quinze minutos; uma hora e meia: nem sinal de Edmundo. O aprendiz já estava mais perto do caixa. Os clientes chegavam sem dizer nada. Depositavam
sobre o balcão uma pilha enorme de faturas e carnes. O funcionário ia pegando os
documentos sem levantar o rosto.
Toda vez que o ventilador virava, uma folhinha de papel voava e caía no chão. O
funcionário terminava calmamente o que estava fazendo e se agachava para pegar a folhinha
de papel. Isso se repetiu várias vezes. Sempre do mesmo jeito.
A hélice do ventilador lembrou a Eugênio um biplano se preparando para decolar: o
Albatroz D-Va, com o qual "Z" sempre acabava fugindo de Eugène Flammarion. Mas dessa vez
era tarde, imaginou Eugênio, o aventureiro desiludido tinha chegado a tempo. Restava apenas
uma bala no seu revólver, não podia errar. Flammarion apontou para a hélice e...
— O próximo, por favor!
Era o caixa do banco, irritado por ter de repetir o chamado. Tinha chegado a vez de
Eugênio. O funcionário o encarava com olhos de peixe. As pessoas na fila bufavam e
resmungavam.
— Como é?
O aprendiz de boy deu o primeiro passo. Parou. Olhou para trás. Edmundo não aparecia.
Deu o segundo. E entregou a papelada. O caixa baixou o rosto de novo, começando a
examinar as contas.
Alguns minutos mais se passaram. Até ali tudo bem, pensou aliviado Eugênio. De repente
o caixa perguntou:
— Onde está a segunda via desta fatura? Eugênio empalideceu.
— Não trouxe? — insistiu o caixa. — Sem a segunda via não posso fazer o pagamento.
O aprendiz de boy sentiu a aerofagia começando. Travou a boca. Sob o olhar implacável
do funcionário, Eugênio sentiu os gases se formando no estômago. Foi quando ouviu:
— Olha aí a segunda via. Edmundo tinha voltado.
— Onde é que você estava? — perguntou Eugênio, depois que os gases se acalmaram.
— Procurando a segunda via.
Tudo pago, os dois boys deixaram o banco. Na calçada da frente, Eugênio ficou um
instante olhando para a fachada da agência. Sentia como se tivesse passado um ano lá
dentro.
— Vai ficar parado aí? O dia ainda não terminou.

Office-boy em apuros - Bosco Brasil Onde histórias criam vida. Descubra agora