Capítulo 03

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Luiza

Durante boa parte da minha vida eu sempre soube o que eu queria ser, o universo sempre foi algo que me encantava e desvendar ele é o que eu sempre quis fazer. Talvez esse meu desejo de desvendar e querer entender coisas novas venha do meu desejo de me conhecer, de me entender também. Eu sou o que a sociedade muitas vezes não entende e em boa parte da minha vida eu não me entendia também. Eu sou uma mulher intersexual, meus pais tiveram a opção de quando eu era apenas um bebê de me tornar uma mulher convencional aos olhos da sociedade, tirando aquilo que me tornava diferente do "normal", mas eles não fizeram isso.

Meus pais me deram a chance de escolher e eu por muito tempo escolhi continuar como vim ao mundo, mesmo sofrendo o que eu sofri quando era criança e o que sofro hoje. Eu sempre fui excluída, eu sempre tive medo na escola que soubessem da minha condição, então eu sempre mantive distância das pessoas. Na escola e na vida. Por não sair muito, eu dediquei minha vida inteira aos estudos, sempre fui a melhor da turma a vida inteira, ser a mais inteligente não é algo muito atrativo na adolescência, mas na faculdade é um charme, porém eu sempre afastei as pessoas porque era melhor assim.

Esse meu jeito mais recluso começou a ser um problema conforme o tempo passou, todos ao meu redor começaram a se casar, ter filhos e eu sempre sozinha, com pouca experiência de alguns beijos trocados nas poucas festas que eu frequentei na minha vida. Ultimamente eu venho pensando em fazer a cirurgia de redesignação sexual, dessa forma minha vida talvez seja muito melhor. Na verdade, já fiz algumas consultas e alguns exames necessários, porém me falta um pouco de coragem. Tenho medo de dar errado e ficar pior, se é que tem como isso piorar. Eu sempre me considerei uma mulher bonita, claro que não sou uma modelo, mas tenho meu charme e mudar meu sexo faria metade do meu medo desaparecer, eu poderia me soltar mais, afinal, eu tenho todas as características femininas, eu não sou hermafrodita, eu sou interssexual, sou apenas uma mulher com um pênis.

Luiza? — Ouço a voz da Valentina me chamar.

Todo o meu sangue gela, essa é a voz que vem tirando minha paz e rondando meus pensamentos nas últimas semanas, a voz que fez o sentimento de fazer a cirurgia surgir com mais força dentro de mim. Se eu fosse uma mulher comum, assim como as mulheres que a Valentina provavelmente costuma se relacionar, eu não precisava ter medo dela, eu não teria fugido do melhor beijo da minha vida porque fiquei excitada como uma adolencente.

Eu quero ficar sozinha. — Falei sem olhar para ela, prendendo um soluço na minha garganta.

Eu tenho certeza que ela me sentiu e eu tenho vergonha de olhar para ela agora. Valentina ficou em silêncio por um tempo, eu poderia jurar que ela tinha ido embora se não fosse a sombra dela na areia, até que ela se sentou do meu lado olhando para a frente. Meu coração está acelerado no meu peito enquanto eu tento acalmar o meu choro. Ela não falou nada e isso foi bom. Aos poucos meu coração foi se acalmando, assim como o meu choro. Ficamos olhando para as ondas do mar na nossa frente, a música ao fundo dava som ao nosso silêncio. Eu não sabia o que falar e ela parecia não querer falar nada também, ou estava em silêncio para me dar espaço.

Eu nem sempre fui tão fácil de me relacionar assim, sabe? Em todos os âmbitos da minha vida. — Ela disse interrompendo o silêncio. — Todos me achavam esquisita por causa da profissão dos meus pais, diziam que eu era uma versão piorada deles, até porquê o mundo espera que uma mulher seja bonita, mas inteligente não.

— Por que está falando isso?

— Porque eu sei que às vezes é difícil se abrir, deixar que as pessoas se aproximem, mas quero que você saiba que gosto do que conheci, mesmo sabendo que essa não é nem a ponta do iceberg. — Sorrio, ela parece sincera.

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