estrofe 09

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    Era madrugada, o relógio do celular marcava exatas uma e meia, Changbin não tinha um pingo de sono. A sua direita, estava a cama de Christopher e logo após a de Jisung, todos dormindo. O silêncio da noite entrava pelas portas corrediças de vidro que dava para a varanda, lá fora o céu estava preenchido de estrelas e um pouco claro, apesar da hora. Queria dormir, mas todas as vezes que fechava os olhos vinha a imagem de Christopher recém acordado na cabeça, seus olhos inchados e um pouco vermelhos. Se odiava às vezes por se preocupar demais com as coisas — ou pessoas — ao seu redor depois que passava um tempo com elas, isso o deixava totalmente desnorteado dos seus objetivos principais, o tirava da linha.

Enrolado no cobertor, ele olhava para as costas largas do produtor, sua visão já se acostumando com a escuridão do quarto. Será que ele está acordado? Pensou, sem coragem de ir até ele. Divagou bastante sobre o que Jisung sugeriu mais cedo, deveriam conversar, tinha muito em jogo para que continuassem agindo como crianças birrentas. Talvez não fosse resolver todos os problemas, mas conversar já era um início, só não queria ser ele a dar o primeiro passo. Sempre era ele quem dava o primeiro passo, quem ia atrás para resolver as situações, quem pedia desculpa — mesmo que raramente fizesse isso —, e quem sempre ficava acordado a noite toda pensando em coisas que podia ter falado para evitar.

Quando cogitou sentar na cama, Christopher fez isso primeiro. Em pânico pela surpresa, Changbin fechou os olhos, fingindo estar dormindo. Apenas ouviu os passos dele pelo chão frio, e o barulho da porta do banheiro ser aberta. Finalmente abriu os olhos novamente, engatinhando pela cama de solteirão até a outra ponta para ver se ele já tinha entrado no banheiro. Quando confirmou isso, ficou de pé na pontinha dos dedos, a sacolinha com os docinhos sortidos nas mãos. Changbin deu passos calculados até a varanda, arrastando as portas para os lados com cuidado para não despertar Jisung, porém, quando olhou temeroso para o menino, ele já estava no décimo sono, babando no travesseiro.

Ouviu o click da porta do banheiro abrindo, então andou ligeiro até a varanda de uma vez, tentando agir o mais natural possível enquanto segurava a sacolinha plástica na mão. Seu coração parecia que iria pular pela boca, tão nervoso que tremia — mas talvez fosse frio pela ventania do lado de fora, as notícias diziam que hoje iria chover. Esperou que Christopher viesse, ele sempre aparecia quando Changbin tentava ter um momento sozinho, então era certo que ele vinha. Changbin esperou, esperou, esperou e nada. Já sem paciência, se virou, um gritinho de susto irrompendo a garganta quando percebeu que Christopher estava parado no batente da porta, o olhando em silêncio como um admirador não tão secreto.

— Jesus Cristo. — Changbin tocou o peito, envergando as costas um pouco pelo susto.

— Caramba, eu sabia que era feio mas aí já é exagero. — Ele disse rindo, entrando na varanda e puxando as portas, evitando que o vento frio entrasse no quarto. 

— Por que você ficou aí calado todo esse tempo?

— Você tava todo concentradinho olhando para o céu, não quis atrapalhar. — Chris ficou do seu lado, numa distância confortável. — Queria saber o que você tanto olha para o céu, ele nem parece bonito hoje. — Changbin se recompôs e olha para cima, desta vez realmente notando as nuvens pesadas de chuva.

— Ele não precisa ser bonito para ser apreciado. — Disse, meio inquieto pela aproximação do Bang.

— Às vezes eu não te entendo. — Christopher falou de repente, olhando para o céu escuro. Changbin o olhou de lado, vendo o perfil dele, observando as pequenas sardas claras do seu rosto, a linha firme da sua mandíbula, os fios loiros meio ondulados e seu nariz pontudo. Seu coração doeu, uma dor física real que desmantelou as engrenagens do seu cérebro. — Changbin — Ele olhou na sua direção, os olhos castanhos claros e os cílios longos. Changbin ficou sem ar, como se tivesse levado um soco no estômago. — O que eu sou para você? O que eu e Jisung somos para você?

— Vocês são meus colegas de trabalho. — Respondeu automático, sem pensar duas vezes. — Onde você quer chegar com isso?

Chris o olhou mais um pouquinho, distante e centrado, as pupilas se mexendo, como se observasse todo o rosto de Changbin. Changbin ficou inquieto, incomodado e constrangido, queria se esconder como um instinto estranho que surgiu de repente. Quando apertou as mãos, lembrou do saquinho de doces. Ainda tinha isso.

— É pra você. — Esticou a mão aberta para ele, mostrando um saquinho transparente com docinhos coloridos e muito açúcar. Lembrou de ter visto o australiano comer isso uma vez, durante uma das noites em que os três passaram juntos na casa dele. Ele costumava comer isso quando estava trabalhando, sempre tinha um docinho desse em algum lugar na cozinha dele. — Jisung comprou pra você. — Não tinha coragem de dizer que foi ele quem comprou, seria vergonhoso demais.

— Sério? — Ele parecia emocionado quando pegou o saquinho, abrindo num barulhinho irritante de plástico sendo rasgado. Christopher trouxe uma bolinha de doce a boca, uma cor de rosa, talvez fosse de iogurte ou algum sabor parecido. Ele fez uma expressão feliz, e Changbin virou o rosto para qualquer direção, incapaz de conseguir não corar com a visão. — É minha preferida. — Christopher proferiu alegre. — Obrigado, Bin.

— Você tem que agradecer ao Jisung, foi ele quem comprou.

— Tudo bem, se isso te conforta. — Ele trouxe mais uma bolinha à boca, desta vez azul.

— Já disse que não fui eu!

Foi pego de surpresa quando Christopher levou mais um docinho colorido à sua boca, no momento em que se virou para reafirmar que não tinha sido ele quem comprou. Chan sorriu, levando os dedos sujos de açúcar à boca. O cérebro de Changbin demorou para processar a situação, ele começou a mastigar devagar, sentindo o gosto de melancia Não gostava de doces, mas mastigou e engoliu, sentindo as pedrinhas de açúcar por todo seu paladar.

— É bom, né? — Chan comeu mais uma, alegre demais para quem estava quase tremendo de frio.

— Muito doce pra mim. — Conseguiu dizer sem gaguejar como um perdedor. — Doce demais. — Olhou sem querer para a boca de Christopher, os lábios sujos de açúcar e engoliu seco, tentando disfarçar. — Vou entrar, tá frio.

Não esperou por ele, puxou as portas para o lado e entrou no quarto, indo direto para cama. Chan não demorou muito para vir também, ele terminou seus doces e foi ao banheiro para lavar as mãos e escovar novamente os dentes. Changbin não tinha coragem nem para se mexer, a mente bagunçada demais. O que ele estava pensando olhando daquele jeito para o produtor? Quis bater forte na cabeça, descrente que estava sendo tão óbvio. Ele nunca foi assim.

Estava tão distraído que não ouviu quando o produtor saiu do banheiro, vindo direto na sua cama. Changbin sentiu o colchão afundar, mas não tinha coragem de tirar o cobertor da cabeça, nem mesmo encarar Christopher nos olhos. Sua cabeça estava girando, tudo parecia girar e derreter ao seu redor. Chan tirou o cobertor do rosto dele devagar, os olhos pequenos observando um Changbin assustado como um gatinho que tinha sido pego fazendo travessura. Eles ficaram em silêncio se encarando, Changbin deitado e Chris sentado do seu lado, na beiradinha da cama, e num passe rápido, ele desceu o rosto na sua direção, indo tão irritantemente devagar, como se tivesse receio que Changbin fugisse, mas para onde ele podia ir? Christopher estava praticamente em cima dele, as mãos uma de cada lado dos seus ombros, abaixando devagar o corpo na sua direção, ele não conseguia nem lembrar do próprio nome. 

E então, quando o nariz dele encostou na ponta do seu e Changbin fechou os olhos, nervoso e com medo do que aquilo poderia acarretar, um grito de Jisung foi ouvido do outro lado, assustando os dois homens que bateram a testa pelo susto. Da outra cama, Jisung sentou com as mãos tateando as pernas apressado, os olhos esbugalhados. Changbin foi rápido em empurrar Christopher para longe, o coração batendo tão rápido que achou mesmo que poderia infartar.

— Meu deus! — Jisung disse trêmulo, a voz fraca pelo sono. — Eu tive um pesadelo horrível. Minhas pernas tinham virado tentáculos e tentavam me matar enforcado, foi horrível. — Ele ainda mantinha a mão no peito. — Jesus Cristo, que susto.

— Que susto digo eu! — Changbin gritou, o rosto vermelho e as mãos tremendo. — Seu idiota! Você quer me matar do coração?

— Foi mal, foi mal. — Jisung pegou o travesseiro no chão que tinha saído voando. — Não vai acontecer de novo, rapaziada. Cês podem voltar a dormir, desculpe pelo susto. — Ele simplesmente caiu e dormiu instantaneamente, roncando baixinho.

Mais calmos, os dois homens se olharam, envergonhados pelo que aconteceu. Changbin se cobriu novamente até a cabeça, decidido que agora ninguém poderia tirá-lo do seu esconderijo.

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