estrofe 10

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       Relações. Christopher nunca foi muito bom com relações. Sempre foi um amigo muito ausente, um namorado meio distante e até um parente desligado da família. Família sempre foi um assunto muito vago para Christopher, ele não tinha uma família, seus pais não o criaram, trabalhavam muito e pareciam ter uma vida particular, que não o fazia sentir participante. Existiam seus pais e ele. Nunca se sentiu filho deles, porque eles não o criaram assim.

A família Bang, em geral, era grande. Christopher tinha tios, tias, primos, avós e avôs, todos morando na Austrália, embora em cidades diferentes. Festas de final de ano sempre eram uma grande animação, todos vinham de diferentes lugares para sua casa e comemoravam juntos. Contudo, para Christopher, ele se sentia um intruso no meio deles. A única pessoa com quem realmente se sentia de verdade no meio de todo esse pessoal desconhecido, era a sua avó. A primeira lembrança que tinha de quando era criança, foi quando estava brincando sozinho no quintal de casa, e por acidente se machucou, um pequeno ralado no joelho, mas para um pequeno menino aquilo era o fim do mundo. Ele lembrava de chorar muito, por muito tempo, mas ninguém veio olhá-lo, checar se ele estava bem. Seus pais estavam em casa, os dois, mas eles não vieram apesar de ouvir o menino chorando no quintal, mas uma mulher veio, ela era pequena, tinha cabelos negros e curtos, com alguns fios brancos. Lucy veio na sua direção, o pegou no colo e beijou sua testa com tanta ternura e carinho que Christopher nunca pôde esquecer disso.

Nunca podia ver muito sua avó por conta da distância — ele sempre viveu em Sydney, ela em Brisbane —, e seus pais nunca podiam levá-lo até a cidade da mulher. Vez ou outra atendiam ao pedido do menino porque se sentiam cansados da sua insistência. Christopher sentia que ela era sua família, sentia que ela o via de verdade, como alguém que tinha sentimentos, alguém que podia ser tocado e ser amado.

Quando teve que se mudar para Seul com seus pais, e viveu lá por anos, tentou ao máximo manter contato, mas era difícil por conta do fuso horário e situações corriqueiras da vida. E quando retornou, já era alguém reconhecido. Ele lembra de ir até Brisbane no dia seguinte em que pisou na Austrália, apesar de Ameya o proibir, porque podiam reconhecer ele na rua, mas ele foi mesmo assim, precisava ver sua avó, contar a ela que tinha conseguido, por mérito próprio, realizar seu sonho. Mas quando chegou lá, ela não podia levantar da cama nem conversar direito. Um câncer de mama já avançado foi descoberto alguns anos antes da volta de Christopher, que não foi informado por ninguém da sua família, nem mesmo por seus pais que já estavam cientes.

Christopher tentou por anos ajudá-la, a levou nos melhores médicos do país, trouxe médicos especialistas em câncer de mama para a Austrália, fez o possível para que ela não morresse, mesmo sabendo que era impossível salvá-la. Mas não podia aceitar que ela morreria. Não podia acreditar. Por isso, hoje quando estava se preparando para começar a agenda que Brian tinha os mandado, ainda no quarto de hotel em Busan, a notícia que Lucy tinha falecido o pegou totalmente desprevenido. Ela tinha melhorado. Alguns dias atrás ele contatou a mulher, eles conversaram, ela parecia bem. Ela deveria estar bem. Christopher não podia acreditar. Aquilo não estava acontecendo.

Ele entrou no banheiro rápido, as mãos tremendo, ele releu a matéria em que foi anunciado que sua avó, Lucy Bang, a matriarca da família e famosa cantora, havia falecido naquela manhã. Ele releu, a vista embaçada por lágrimas grossas, e quis rir, porque para ele aquilo era mentira. Só podia ser. Ele não conseguia aceitar. Não, não era verdade. Seu peito de repente doeu, um aperto forte que o fez curvar na direção do chão. Christopher sentou no chão, as mãos tampando a boca, não queria ser barulhento, não queria que ninguém o visse agora. Por que aquilo estava acontecendo? Não tinha sido o suficiente? Tinha feito tanto, contratou médicos, enfermeiras, comprou remédios, fez o possível e o impossível, e ainda não foi o suficiente. E por que precisou receber essa infeliz notícia por uma página de fofoca? Por que ninguém o contou antes? A dor que sentia era tão grande que não conseguia respirar, sentia a garganta fechada e os pulmões ardendo.

ERROR | 3RACHAOnde histórias criam vida. Descubra agora