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Aquela sensação de desconforto sempre a acompanhava quando estava a caminho do consultório. Samantha nunca soube exatamente como lidar com o que sentia. Era como se, a cada sessão, ela fosse forçada a encarar um espelho que refletia suas cicatrizes mais profundas e as verdades que preferia manter enterradas.

Ela sempre pensou que, com o tempo, as coisas se tornariam mais fáceis. Que, de alguma forma, as palavras sairiam com mais naturalidade e o fardo sobre seus ombros se aliviaria. Mas a realidade era bem diferente. Quanto mais ela falava, quanto mais escavava o abismo de sua mente, mais se sentia presa em um labirinto de emoções desconexas. Como se estivesse cavando um buraco que jamais poderia preencher novamente.

Era assustador.

E hoje não era diferente. Sentada na sala de espera, ela tentava ignorar a ansiedade que apertava suas entranhas. O cheiro levemente adocicado do café vindo da recepção, junto com o leve cheiro de limpeza do consultório, fazia seu estômago revirar. Tudo ao redor parecia amplificado, os sons, os cheiros, até mesmo o toque áspero do tecido da cadeira. Como se tudo estivesse conspirando para deixá-la ainda mais desconfortável.

Sem demora, a porta do consultório se abriu, e o terapeuta apareceu. Um homem de meia-idade, com traços gentis, mas olhos que pareciam enxergar além das repetidas palavras que Samantha proferia. Ele fez um gesto simples com a mão, convidando-a a entrar, e ela, com um suspiro irritado, levantou-se e entrou na sala, que, por tantas vezes, se tornara o palco de suas confissões mais obscuras.

Ela se sentou na poltrona, cruzando as pernas e tentando relaxar. O terapeuta acomodou-se na poltrona oposta, as mãos unidas sobre o colo, e esperou. Ele sempre esperava que ela começasse. Não forçava, não apressava, apenas esperava que as palavras surgissem de dentro dela.

Então... — Sam sibilou, deixando claro que ele podia começar com o interrogatório.

— Como você se sente hoje? — Ele perguntou, sua voz morna, como se estivesse convidando-a a mergulhar em seu próprio oceano de pensamentos.

Ela suspirou pela boca, olhando para o chão, os dedos brincando com o tecido da calça, como se a resposta estivesse escondida ali, entre as fibras do tecido.

— Eu... não sei. — A garganta secou, e ela parou, pensando nos sentimentos que estava a incomodando desde o beijo com Olivia. — Eu me sinto... estranha. Dividida.

— Como assim, dividida? — Questionou, deixando que ela explicasse melhor.

— Como se houvesse duas versões de mim mesma brigando pelo controle.

O terapeuta inclinou-se para frente, mostrando interesse genuíno.

— Duas versões? — incentivou. — Pode me falar mais sobre elas?

Sam respirou fundo, levantando o olhar para encará-lo.

— Uma parte de mim quer mudar, ser a pessoa que todos esperam que eu seja. Seguir em frente, se desfazer de tudo sobre o passado. E... — hesitou, as palavras amargas em sua boca a medida que saiam. — Mas a outra parte... ela quer se perder. Ela quer desistir de lutar contra esses sentimentos que eu sei que são errados, e me render ao que eu deveria ser.

O terapeuta permaneceu em silêncio, permitindo que ela continuasse no próprio ritmo. Samantha sabia que ele não julgaria, mas isso não tornava as palavras menos difíceis de serem ditas.

— Eu me sinto cansada. Exausta de tentar ser forte, de lutar contra isso. — Ela levantou as mãos, como se apontasse o problema para a própria cabeça. — Às vezes, sinto que tudo que preciso é de um único momento de fraqueza pra que tudo se desmorone. — Ela soltou o ar que estava prendendo, cutucando a unha violentamente. — E a pior parte é que, no fundo, eu quero que isso aconteça, só pra poder ter um pouco de paz.

𝗗𝗜𝗩𝗜𝗡𝗘 𝗟𝗢𝗩𝗘; 𝗦𝗔𝗠 𝗖𝗔𝗥𝗣𝗘𝗡𝗧𝗘𝗥Onde histórias criam vida. Descubra agora