capítulo 02

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𝕵𝖊𝖔𝖓

Chego em casa por volta de onze e meia da manhã, hoje é a quinta do bingo então vovó vai ficar na casa da senhora Choi pelas próximas horas do dia. Vovó costuma sair às dez horas e chegar seis horas da tarde, o bingo costuma acabar às cinco no entanto vovó se aproveita da falta de vigilância para comer todos os doces possíveis.

Caminho em direção à cozinha e percebo que vovó mesmo saindo cedo deixou comida pronta, em cima da panela contendo macarrão com queijo, estava um bilhete com um recado escrito na caligrafia bonita da senhora Jeon.

"Sohee ainda está dormindo, acorde ela e comam juntos."
'Com amor, vovó!'

Sorrio com a menssagem deixada por ela, tenho certeza de que vovó se sente melhor com nossa presença nessa casa afinal os filhos a deixaram muito cedo, antes mesmo que ela percebesse eles já tinham crescido. Vovó ama cada um dos seus filhos mas ainda carrega uma culpa muito grande de não ter os visto crescer, ela queria poder ter os levado a escola, queria que ela tivesse brincado com eles na sala e dançado com eles enquanto escutavam músicas variadas, mas ela não podia, estava no exército comandando dezenas de soldados em missões especiais. Vovó não foi uma mãe ruim, mas também não foi presente, ainda que não seja definitivamente sua culpa.

Ela costuma dizer o quanto tudo poderia ser diferente se ela apenas tivesse ficado mais tempo com eles, se ela tivesse desistido do trabalho talvez as coisas não tivessem sido tão ruins. Ela se culpa constantimente e seus filhos também, eles a culpam por não os "amar o bastante" e se entregar mais ao trabalho. Fico imaginando, se vovó não trabalhasse em um cargo superior com um salário fixo e relativamente alto, como vovô poderia sustentar sozinho três crianças e dois adultos vivendo apenas da pequena lojinha de conveniência que ele tinha na época? O custo de vida de dois adultos e três crianças não é barato, escola, vestimenta, calçado, lazer, tudo isso é caro e não se paga apenas com o dinheiro. No caso de vovó ela pagou com o tempo dela também.

Vovó se casou muito cedo-aos vinte e um anos de idade- por amor ela mesma diz. Com dois anos de casados tiveram o primeiro filho, três anos depois meu pai nasceu e por fim quatro anos depois vovó deu a luz a sua filha mais nova. Mas nem tudo é um mar de rosas, vovô morreu aos trinta e quatro anos de uma doença degenerativa no cérebro. Eu não tenho nenhuma lembrança dele obviamente, mas vovó sempre enfatiza o quão bom ele era. Ela diz que ele foi seu único e maior amor, e de fato foi já que vovó nunca se casou depois da morte dele, ela ficou sozinha com três filhos pequenos e uma profissão que lhe tirava todo o tempo que queria dar a eles.

Senhora Jeon costuma parecer um mulher durona e muito fria devido ao seu treinamento e convivência no exército, mas na verdade vovó é muito doce e gentil, ela não costuma demonstrar mas todos que a conhecem sabem que ela é um coração de manteiga derretida. Ela é o tipo de pessoa que diz que não vai ajudar e no fim acaba ajudando até demais, vovó está sempre tentando parecer forte para nós mas na verdade ela só está muito feliz por ter companhia em casa, ela mesmo diz que somos como filhos para ela.

Saio dos meus pensamentos e subo em direção ao quarto de Sohee, ela disse quatorze horas e já são quase meio dia então está na hora de levantar. Abro a porta do seu quarto devagar vendo-a toda esparramada na cama como uma criança de nove anos, os braços jogados uma para cada lado, e as pernas dobradas em uma posição estranha, detalhe: ela está dormindo de bruços. Chego próximo da sua cama me sentando na beirada começando a cutucar um dos seus ombros.

—So!— a chamo devagar, sem resposta.—Sohee!— a chamo mais uma vez, ela resmunga algo mas continua dormindo.—Jeon Sohee!— grito perto do seu ouvido fazendo-a levantar assustada da cama e logo em seguida se posicionar com a guarda levantada.

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