EM ALGUM LUGAR DA TERRA

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Jéssica 

Em algum lugar do planeta Terra 

— Então essa seria você com 60+?!— brinco olhando a mulher de meia idade em sua varanda observando as estrelas no céu como se buscasse por algo perdido. 

— Quase isso! — Lúcia ri ao meu lado e posso ver nostalgia no seu olhar e entonação da voz.

— Você sente falta?! — Pergunto casualmente. 

— Você não?! — Ela me olha de esguelha e volta a se concentrar naquela que a substituiu.

— Bem, passei muito tempo tentando voltar aqui e agora que estou, sinto como se não pertencesse mais a esse lugar; talvez fosse diferente se meu pai estivesse vivo. — Sou franca.

— Estou em conflito por tudo que deixei para trás; meus pais, amigos, trabalho. Eu amo Lyontus, mas nunca pude deixar de lembrar dessas pessoas queridas. Por anos me senti egoísta, uma pessoa sem coração e etc, por abandoná-los. — Ela suspira tristemente. 

Sob a tecnologia que nos permitia ficar invisíveis, era impossível que olhos humanos nos detectassem, o que não se podia dizer do bichano que surgiu junto a mulher e parece nos encarar diretamente; logo, em seguida, um homem de mesma faixa etária se aproxima, beijando o topo da sua cabeça. Havíamos passado primeiro no endereço que seria da Carolina e tudo que encontramos foi o que meu pai chamaria de “tapera”. Aquela casa estava abandonada há anos. Com nosso campo de busca limitado, rastreamos o casal clone, Sam e Lúcia, até essa casa de campo.

Ao chegarmos mais perto, um som baixo capta imediatamente minha atenção. 

Carry On My Wayward Son?! Nossa, é uma música muito antiga! Papai adorava um seriado que tinha essa canção, só não recordo o nome…

— Supernatural! — A mulher ao meu lado fala com voz embargada — Eu e a Carol amávamos esse seriado!

Subitamente, duas pessoas no sofá da sala, vistos pela vidraça, chamam nossa atenção; um casal de cabelos brancos, de mãos dadas e com as pernas estiradas sobre lindos puffs brancos, assistindo algo na TV. A movimentação ao meu lado foi tão rápida que mal tive tempo do meu cérebro processar a informação, mas quando dei por mim, estava agarrada, firmemente, à cintura da mulher, que chorava feito criança quando se toma um brinquedo que lhe é caro.

— São meus pais…— Choraminga tentando se desvencilhar, o que só me faz aumentar o aperto sobre seu corpo esguio.

— Aquela ali na varanda é a filha que eles conhecem… — Praticamente rosnei essas palavras.

— Mas…

— Não tem “mas” nem meio “mas”, foi a sua escolha, então trate de lidar com as consequências, você não é mais uma garotinha! — Solto logo toda minha impaciência diante da fêmea se contorcendo sob meu agarre. — Keller, se ela não se comportar, leve-a de volta para a nave imediatamente! — Profiro a ordem para o brutamonte que nos olha com total inércia, sabendo bem a delimitação daquilo que pode ultrapassar, já que não intercedeu para detê-la. A fêmea de um soberano certamente é onde encontra seu limite de ação. Ele não a tocaria sem minha ordem direta.  No entanto, seu olhar sobre mim é clínico. 

— Você não entende! — Ela tenta argumentar.

— Entendo o que está posto diante de mim, você foi de livre escolha, ao contrário de mim e de tantas outras, que são vendidas como escravas para fins escusos e nem por isso estou aqui me lamentando. Você é uma fêmea adulta e resolveu seguir seu macho, suponho que tenha pesado sua decisão numa balança, então por que está agindo como uma criança mimada?! — Com a irritação já no limite, solto-a no chão, o que provoca um baque fofo sobre o gramado. 

ABDUÇÃO: Contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora