ARMADILHA

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Jéssica

"Embarcação de Amanphire detectada. Preparar para a abordagem em 30 segundos".

Hum, o bom velhinho, enfim, deu as caras?
Keller me olha solenemente, claramente dividido entre seu dever e sentimento. A humana ferida já estava em uma das câmaras de recuperação, enquanto aquela que fora motivo de sua viagem, não demoraria a despertar em seu leito.

- Manobra evasiva! acionar o modo furtivo! - Ordeno.

- É como imaginei, você é a líder aqui! - o doutor se dirige a mim como se essa fosse a descoberta do século.

- Devo parabenizá-lo por isso? - não é como se eu não tivesse percebido sua desconfiança latente. A questão é: o que ele quer realmente? Porque se acha que engoli esse papo de "carona", está enganado.

Nisso, o som de gemidos chama nossa atenção. De fato, era só o que eu precisava para acrescentar mais drama à situação. Carolina está despertando e o modo como a companheira do Supremo ancião se aferra a ela, só mostra que vai ser um dramalhão difícil. Não posso deixar que nos interceptem, não há como garantir que não queiram levar a fêmea que salvará a vida do meu macho e se isso acontecer, dificilmente consigo impedi-los.

Hum, novamente essa ideia ridícula de "meu macho"? - isso soa como uma desordem numa bela sinfonia.

- Lúcia, é hora de ir! - aviso à mulher se agarrando à moribunda.

- Como? - Me olha confusa.

- Não tenho como lidar com a fúria do seu macho, não agora! Devo entregá-la antes que soframos danos - Explico.

- E Carolina?

- O plano sempre foi levá-la ao rei de Alfa-Centauri para que recupere sua "essência", depois disso ela estará livre - o plano é esse, mas duvido que o rei a deixe ir, não nessa situação.

Agora tenho duas mulheres chorando, uma de saudade e a outra de desespero por ver uma barriga de grávida em si.

- Despeça-se e venha! - digo sem muito humor - e doutor, ponha nossa convidada para dormir...

- Você não pode me dá ordens... - o magrelo parece bem indignado.

- Prefere que te jogue no espaço com um belo aviso no traseiro "procurado da constelação de Antares"? - ameaço.

- Que fêmea cruel! - ele resmunga, claramente desconfortável com a situação.

- Ainda bem que sabe - aviso já me direcionando à saída - Você vem ou tenho que te carregar? - olho de relance para uma Lúcia estática e indecisa, que parece avaliar suas opções e dou um "viva" interno quando ela resolve me acompanhar, antes abraçando a amiga e prometendo que irão se reencontrar logo logo.

"A inocência é audaciosa!"

Aquela "eu" inocente de duas décadas atrás estaria chorando essa emoção, hoje a nobreza desses sentimentos seriam a minha fraqueza. Fui acostumada a não dever nada a ninguém e definitivamente não o deverei àquele alien bastardo.

- Ate ao seu pulso com um dispositivo de localização - ordeno a um oficial que nos acompanha de perto.

- O que vai fazer? - Lúcia se sobressalta, obviamente percebendo que minhas intenções não são tão simples.

- Seu macho não deve nos abordar, seria perigoso termos um embate. Você descerá em local seguro para que ele a resgate, isso nos dará tempo de escapar - não há motivos para enganá-la a essa altura do campeonato. - Você ficará bem!

- Imagino que sim - suspira descontente.

- Sobre que ponto da terra estamos? - pergunto através do meu comunicador.

"Monte Aoraki, Nova Zelândia, comandante".

- Ótimo, nossa convidada descerá ali, prepare um bom casaco de frio - solicito.

"Sim, comandante".

Ao chegarmos à sala de teletransporte, um dos tripulantes aguardava com a roupa que pedi. Recebi o grosso casaco de lã cinza e o entreguei a ela.

- Agradeço por sua ajuda! Farei tudo ao meu alcance para manter sua amiga segura - tranquilizo a fêmea hesitante em partir, mesmo sabendo que não está ao meu alcance manter a segurança da outra.

- Assim espero, sabe bem a influência do meu macho, se eu exigir sua caça, assim ele fará - ela me ameaça, o que me faz rir e fazer uma sutil deferência.

- É justo! - concordo apressando-a ao dispositivo que irá transportá-la ao local indicado e tão logo ela desaparece sob o feixe de luz incandescente, ordeno - mande uma mensagem ao Supremo ancião, junto com a localização replicada de sua fêmea, avise-o para não se intrometer em meus assuntos ou não terei problemas em fazer uma retaliação - com a replicação, o bom ancião demorará para achá-la e não terá tempo de nos mirar e logicamente isso é um aviso do que sou capaz de fazer para atingir meus objetivos, porém não sou cruel a ponto de colocá-la em perigo, ela ficará bem até ser encontrada.

"Está feito! Qual sua próxima ordem, comandante?"

- Vamos direto para Alfa-Centauri, preparar as partículas para velocidade de dobra - dito a ordem no automático, tendo visto Zephyrus fazer isso algumas vezes. Nostálgico!

Enquanto caminho até a ponte, a inquietação, que tem sido minha companheira nas últimas horas, volta a rastejar sobre mim.

- Keller, fique de olho no cientista, estou com um mau pressentimento sobre sua permanência a bordo - aviso ativando a comunicação individual com o macho e olho para a tela do bracelete confusa por não obter resposta - Keller? - novamente silêncio por resposta, o que me faz apressar o passo na direção da enfermaria.

Definitivamente algo está errado, ele não me deixaria esperando por cinco segundos inteiros. Ao adentrar o local, somente Carolina está ali, dormindo em seu leito. A câmara onde estava a outra hóspede está vazia e no chão jaz suas roupas rasgadas. Não acredito que aquele bastardo está ignorando meu chamado por estar em redor daquela fêmea. Não, não, seu senso de dever jamais lhe deixaria ser negligente com uma ordem minha.

- Localizem Keller! - contato alguém da ponte e o silêncio que se segue me deixa ainda mais atordoada.

"A senhora é muito boa em mandar" - a voz inconfundível do doutor ressoa em meu comunicador, quando já estou a passos largos me aproximando da ponte - "aguardo sua chegada".

Que desgraçado! Estou sendo monitorada, o que inferno está acontecendo aqui?

A cena com que me deparo ao chegar ao meu destino, é um cientista, que já pode se considerar morto, sentando despreocupadamente em meu assento, com uma fêmea temente em seu colo. Uma roupa da enfermaria a cobre e enquanto ele mantém um agarre em seu queixo, obrigando-a olhar o espaço tão vivido sob nossa tela de visão, lágrimas contidas rolam por sua bochecha, junto com um som abafado de soluços. Os outros tripulantes estão em seus devidos lugares, monitorando seus equipamentos.

- Onde está Keller? - ele não está em qualquer canto aqui.

- Os machos vinculados são realmente previsíveis, não é? Ele me deu o comando da nave sem pensar...

- Ele não me trairia - o interrompi me aproximando um pouco mais.

- A senhora tem razão! - ele mostra um sorriso gélido - Precisei persuadi-lo com essa belezinha aqui! - Fala apertando as bochechas da mulher. - Olha lá...

Meu olhar vai direto na direção apontada, onde uma figura rodopia no espaço vazio.

- Maldito bastardo, você lançou Keller fora da nave? - A impressão de que caí voluntariamente numa armadilha não sai da minha cabeça - Traga-o de volta, podemos negociar - a certeza de que caí voluntariamente numa armadilha tomou reverbera em meu cérebro.

Maldição!

ABDUÇÃO: Contos Alienígenas Onde histórias criam vida. Descubra agora